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As muitas lógicas no mundo do clima

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
14 de Abr de 2006

As muitas lógicas no mundo do clima

Washington Novaes

Na recente reunião da Convenção da Biodiversidade em Curitiba, o Fórum Brasileiro das ONGs e Movimentos Sociais apresentou uma série de propostas ao governo brasileiro e ao secretariado da convenção, com o propósito de reduzir o desmatamento nas áreas de florestas e, por conseqüência, as emissões que contribuem para intensificar o efeito estufa - e que já totalizam no Brasil mais de 700 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono (CO2), só em conseqüência de mudanças no uso do solo, desmatamento e queimadas. Com mais de 1 bilhão de toneladas anuais de emissões totais de C02 (incluindo transportes, indústrias e outras fontes), mais 13 milhões de toneladas de metano (inventário de 1994), o Brasil já está entre os cinco maiores emissores do mundo. Segundo o fórum, o Brasil e os países que ainda detêm florestas precisam conceber e executar "políticas e ações muito mais efetivas e ambiciosas" nessa área.

Tem razão. Continuamos campeões do desmatamento no mundo, apesar da recente redução nas taxas na Amazônia. E nossas políticas na área do clima são quase invisíveis.

Enquanto isso, quase todos os dias chegam notícias e prognósticos alarmantes de várias partes do mundo, que não é preciso repetir aqui. Basta lembrar o novo estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que deve ser divulgado este mês, mas que já foi "vazado" pela comunicação britânica. Diz ele que, pelas tendências atuais, se pode chegar a 2050 com uma concentração de poluentes na atmosfera equivalente ao dobro da que existia no início da revolução industrial. E, nesse caso, a temperatura planetária se elevará naquela data entre 2 e 4,5 graus Celsius - com conseqüências dramáticas na intensificação de secas, inundações e furacões e na elevação do nível dos oceanos. No caso do CO2, o aumento já é de 35%; no do metano, de 155%; e no do óxido nitroso, 18% (dados de 2004). Nos Estados Unidos, as emissões cresceram 15,8% entre 1990 e 2004 e 1,7% nesse último ano. Na Grã-Bretanha, se incluído o setor de transportes aéreos e a navegação, as emissões de CO2 hoje são maiores que as de 1990. O Canadá também não atingirá as metas de redução a que está obrigado pelo Protocolo de Kyoto, da mesma forma que quase todos os países europeus.

Que se pretende fazer, se nem a União Européia - a maior defensora de metas de redução de emissões - consegue obrigar os países membros a internalizar a legislação aprovada em 2003 que permitiria ao continente chegar a 2010 com 21% da energia que consome gerada por fontes renováveis? Também nos Estados Unidos, 12 Estados, entidades que congregam seguradoras (e que tiveram seus prejuízos com "desastres naturais" multiplicados por 15 em 30 anos) e até algumas empresas do setor de energia pressionam o governo Bush a que aceite compromissos de reduzir emissões . Mas ele resiste. Prefere continuar apostando em novas tecnologias, não em mudanças na matriz energética. Seu Departamento de Energia diz que elas custariam 4% do produto interno bruto (PIB), enquanto a Agência Internacional de Energia prefere dizer que serão necessários investimentos de US$17 trilhões até 2030 para assegurar a oferta de energia, com previsão de forte crescimento até essa data, principalmente nos países ditos em desenvolvimento.

Os Estados Unidos, a Noruega, a Dinamarca, a Islândia, a China e outros países seguem apostando alto, em lugar de em mudanças nas matrizes energéticas baseadas na queima de combustíveis fósseis, na chamada tecnologia de sepultamento do carbono em antigos campos de petróleo esgotados, em terra ou no fundo do mar. Estudo preliminar do IPCC, já comentado neste espaço, diz que o sepultamento é viável, tecnicamente. Mas encareceria muito o custo da energia - sem falar em problemas geológicos (possíveis vazamentos) e em prováveis prejuízos graves para a biodiversidade marinha, ainda não estudados suficientemente. Mas essa tecnologia, que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos testam inclusive na China, parece ter um atrativo quase irresistível (em termos financeiros). Segundo o Departamento de Energia norte-americano, a injeção de CO2 nos campos de petróleo permitiria explorar reservas hoje inviáveis e poderia até quadruplicar as atuais reservas norte-americanas. Mas também exigiria um volume inacreditável de gás injetável. A própria Petrobrás tem feito experiências nessa direção na Bahia.

Não é a única aposta para evitar uma inflexão das matrizes energéticas em direção a fontes renováveis. O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, insinua que o Protocolo de Kyoto, que vai até 2012, não será o instrumento adequado para um novo período, porque não se pode obrigar nenhum país - principalmente Estados Unidos, Índia e China - a aceitar metas de redução de emissões. Melhores seriam outros caminhos, entre eles o da energia nuclear. A Alemanha reage com vigor, pois já está desativando suas 19 usinas nucleares, substituídas por energias renováveis, principalmente eólica. E continuam sem resposta, em todos os países, as questões da insegurança na operação, da falta de destinação para o perigosíssimo lixo radiativo, da vulnerabilidade a ataques terroristas, do custo inviável sem subsídios. No Brasil mesmo, essas pressões por novas usinas nucleares continuam. O próprio ministro de Ciência e Tecnologia anunciou na Inglaterra que construiríamos mais sete, mas foi desmentido pelo presidente da República.

E assim vamos, espremidos entre a lógica de instituições científicas, de um lado, e, do outro, a lógica do petróleo e do carvão, a lógica nuclear, a lógica financeira.

O que pensa disso tudo a sociedade?

Washington Novaes é jornalista

OESP, 14/04/2006, Espaço Aberto, p. A2

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