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As muitas causas do terceiro setor

FSP, Sinapse, p. 24-25
16 de Dez de 2003

As muitas causas do terceiro setor
De filantrópicas a financiadoras de projetos, esfera congrega a diversidade da ação social do país

Andrés Pablo Falconer especial para a Folha

O terceiro setor é uma das melhores descobertas da última década. Descoberto, sim, e não inventado, pois se pode afirmar que, mesmo sem esse nome, o terceiro setor é tão velho quanto o Brasil. Há dez anos, o termo nem sequer era conhecido no país, mas hoje as pessoas medianamente informadas já o associam a organizações e iniciativas sociais em prol de crianças, idosos e portadores de deficiência, à defesa dos direitos humanos, à proteção do ambiente, à organização de comunidades e a outras formas de ação social.
Vive-se um momento de renovação do engajamento da sociedade em questões sociais _um aumento da participação direta do cidadão. Vê-se o surgimento de organizações que, apesar de sem fins lucrativos, atuam com profissionalismo e eficiência. Voluntários organizam campanhas de cidadania com o mesmo rigor, apesar de não ganharem para isso. Empresas e seus funcionários criam projetos sociais, dentro e fora do horário de trabalho. Ao mesmo tempo, a participação política da sociedade e o seu envolvimento em assuntos de interesse público ocorrem em níveis sem precedentes.
Mas o terceiro setor é muito mais complexo e multifacetado do que parece à primeira vista; vai além da imagem de gente bem intencionada querendo "fazer o bem". A diversidade das organizações que compõem o setor, suas diferentes orientações políticas e formas de atuação fazem com que muitos questionem a própria validade da idéia de um "terceiro" setor, contraposto ao primeiro e ao segundo, o Estado e o mercado. Uma relação de amor e ódio com o Estado e, mais recentemente, o namoro com o mundo empresarial são assuntos sobre os quais especialistas têm dedicado muita atenção. Questões éticas e legais, além de ocasionais escândalos, lembram-nos que esse espaço é formado por seres humanos com os mesmos vícios e virtudes dos demais.
O terceiro setor é um termo utilizado para abranger um vasto leque de organizações que também recebem nomes como ONGs (organizações não-governamentais), OSCs (organizações da sociedade civil) e um sem-número de termos e siglas (algumas com sentido juridicamente definido), como Oscips (organizações da sociedade civil de interesse público), instituições filantrópicas, instituições de caridade etc. O que todas elas têm em comum é o caráter sem fins lucrativos e uma natureza de atuação no que pode ser genericamente chamado de interesse público, coletivo ou social.
Convivem nesse setor desde organizações tradicionais, como as Santas Casas de Misericórdia, cuja origem remonta aos tempos da Colônia, até organizações mais novas. Há organizações bem estabelecidas, com equipes profissionalizadas, como a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (www. fundabrinq.org.br), e pequenas entidades sem orçamento e dirigidas apenas por voluntários. Há fundações e institutos com respaldo e vinculação empresarial, como a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza (www.fundacaoboticario.org. br), que leva o nome da empresa de cosméticos, assim como existem aquelas que não recebem recursos de empresas e, pelo contrário, destinam-se a fiscalizar a atuação destas, como o Instituto de Defesa dos Direitos do Consumidor (www.idec.org.br).
Em meio a milhares de organizações brasileiras, há espaço para organizações internacionais que atuam no país, como o Greenpeace (www.green peace.org.br) e a Fundação Kellogg (www.wkkf. org). A maioria das instituições é criada com a finalidade de organizar uma comunidade ou de oferecer algum tipo de serviço direto, mas muitas atuam indiretamente, oferecendo recursos para projetos, capacitando profissionais, encaminhando voluntários, organizando campanhas.
Em suma, o terceiro setor é espaço para uma nova participação para o exercício da criatividade e da liberdade _e daí para o benefício da sociedade. A discussão sobre conceitos e princípios não deve ser um obstáculo para o engajamento ou a ação.
Andrés Falconer, 35, é coordenador-executivo da Associação Brasileira para o desenvolvimento de Lideranças (www.abdl. org.br). Mestre em administração pela USP, especializou-se em terceiro setor pela Universidade Johns Hopkins (EUA).

1) Não se sabe ao certo o tamanho do terceiro setor no Brasil, mas estima-se que ele seja composto por bem mais de 200 mil organizações. Segundo uma pesquisa de 1995, ele emprega pelo menos 1 milhão de pessoas e um número ainda maior de voluntários. O setor, invisível nas estatísticas oficiais, tem grande importância econômica.
2) A diversidade é realmente a cara do terceiro setor: há organizações religiosas e laicas, políticas e apolíticas, locais e globais, e elas atuam em áreas como saúde, educação, ambiente, cultura, esporte, ciência, habitação e assistência social. Às vezes, questiona-se a fragmentação e a pulverização das iniciativas do terceiro setor, mas essa característica é um retrato da sociedade brasileira. O terceiro setor resiste a esforços de coordenação central. Diversidade é um aspecto a ser celebrado.
3) As diferentes "tribos" do terceiro setor se reúnem em redes e instituições associativas que se organizam por áreas de atuação ou por tipos de organização. Assim, muitas das mais tradicionais ONGs de promoção de direitos da cidadania e de apoio a movimentos populares filiam-se à Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (www.abong.org.br). Entidades filantrópicas se reúnem em torno da Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas (www.terceirosetor.org.br), e fundações e institutos vinculados a empresas aglutinam-se em torno do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (www.gife.org.br).
4) Nem tudo são flores: é comum noticiarem-se casos de desvio de dinheiro de doações, de não-cumprimento de padrões mínimos de qualidade de atendimento e até de organizações criadas para fins ilícitos. Se essas são exceções em meio a uma maioria de organizações idôneas e comprometidas, elas nos lembram da necessidade de ter cautela e de buscar informação antes de fazer uma doação à primeira instituição de caridade que bate à porta.
5) Muitas ONGs abraçam causas menos populares, frequentemente colocando-se em posição contrária a interesses econômicos e até à opinião pública. São alguns exemplos: os direitos humanos da população carcerária e dos adolescentes infratores, a demarcação de terras indígenas em áreas de conflito rural e a oposição à construção de barragens ou estradas em nome da preservação ambiental ou do interesse de populações tradicionais. É por isso que esse setor tem uma relação nem sempre harmônica com a classe política e com os governos.
6) O terceiro setor pratica a solidariedade, a caridade e a filantropia, mas busca se afastar de um legado de assistencialismo _uma prática social que gera a dependência do beneficiário, perpetuando a pobreza e a desigualdade. As ações do terceiro setor tipicamente ocorrem em uma escala pequena e local, mas nem por isso ineficaz. O mosaico de organizações do terceiro setor forma uma rede informal de proteção social no mínimo comparável ao Estado.
7) Influenciar políticas públicas é o objetivo a que se propõem muitas organizações de ponta. Além de oferecerem serviços, elas fiscalizam, complementam e apóiam a ação de governos. Além disso, funcionam como laboratórios de inovação social, como canais de participação social e como formadores de nova liderança. A experiência internacional mostra que, onde o terceiro setor é mais forte, o Estado é mais presente e eficaz, contrariando a crença de que o setor visa substituir o Estado.
8) Atuar no terceiro setor requer preparo e convicção. Se uma carreira profissional no terceiro setor não é mais sinônimo de sacerdócio, é necessário estar atento às características da área antes abrir mão de um emprego em outra parte. As portas de entrada são muitas, mas geralmente informais. Dificilmente publicam-se anúncios de emprego nos jornais. A remuneração na maioria das organizações é menor do que no setor privado, e os benefícios, limitados. A jornada de trabalho não é mais curta. Mas muitos profissionais acham que a contrapartida é a maior satisfação no trabalho.
9) O voluntariado é a melhor porta de entrada para o terceiro setor. Embora muitas entidades estejam despreparadas para receber voluntários, há muitas que dependem da doação de tempo das pessoas. O melhor caminho é buscar o centro de voluntariado de sua cidade, buscar indicações de amigos ou procurar entidades em que confie. Consulte, por exemplo, o endereço www.facaparte.org.br ou o www.voluntariado.org.br.
10) A terminação ".org" designa endereços na internet para organizações sem fins lucrativos. A Rede de Informações para o Terceiro Setor (www.rits.org.br) é um dos portais mais visitados e publica semanalmente uma revista eletrônica com anúncios de cursos, empregos e oportunidades. O Portal do Voluntário (www.portaldovoluntario. org.br) mobiliza uma rede nacional de centros de voluntariado, muitos dos quais têm seus próprios sites. A maioria das organizações mais estruturadas também mantém suas páginas na rede.
11) Em língua portuguesa, existem poucas publicações sobre o tema que podem ser encontradas em livrarias. Rubem César Fernandes, Leilah Landim, Rosa Maria Fischer e Simone Coelho são alguns autores brasileiros com livros publicados. Com o aumento da procura e do número de pesquisas, essa situação vem se revertendo aos poucos. Em inglês, as opções são inúmeras, normalmente usando no título as expressões "nonprofit", "voluntary" ou "civil society sector".
12) Não há uma formação específica para atuar no terceiro setor. Uma boa formação geral, valores morais sólidos e vivência parecem contar mais. Entretanto, nos últimos anos multiplicaram-se os cursos de capacitação para esse campo. Em São Paulo, destacam-se os cursos oferecidos pela FGV (www. fgvsp.br/cets) e pela USP, por meio do Ceats (www.ceats.org.br). Neste ano, eles lançaram o primeiro curso de MBA em gestão e empreendedorismo social.

FSP, 16/12/2003, Sinapse, p. 24-25

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