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Mudanças no governo geram indefinição na política climática

O Globo, Sociedade, p. 24
12 de Jan de 2019

Mudanças no governo geram indefinição na política climática

Ana Lucia Azevedo e Catarina Alencastro

As mudanças na estrutura dos ministérios anunciadas nas primeiras duas semanas do governo Bolsonaro deixaram indefinições sobre como será conduzida a política climática e de controle do desmatamento ilegal do Brasil. Os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e das Relações Exteriores extinguiram as secretarias que cuidavam de ambos os temas e nada foi colocado ainda em seu lugar.

O MMA deve ter uma assessoria especial, sem as competências legais da extinta Secretaria de Mudança do Clima e Florestas para cuidar do assunto, pois um assessor não tem poder de secretário. O ministro Ricardo Salles nega o esvaziamento da agenda climática, pois a extinção da secretaria dará lugar a uma assessoria especial do clima ligada a ele. Mas manifesta incômodo de o Brasil gastar dinheiro para enviar grandes delegações para cúpulas climáticas da ONU.

Com a extinção da secretaria, os planos nacionais de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal e do Cerrado têm destino incerto, afirma o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl. O mesmo ocorre com o plano de adaptação às mudanças climáticas.

Já o Ministério das Relações Exteriores acabou com a subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia e extinguiu os departamentos de Temas Científicos e Tecnológicos, de Energia e de Sustentabilidade Ambiental. A Divisão de Mudança do Clima acabou e nenhum setor do ministério recebeu atribuições específicas sobre o tema. Na área de clima, apenas o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação manteve a estrutura da área.

A ex-ministra do Meio Ambiente e funcionária de carreira do Ibama desde 1984 Izabella Teixeira lembra que o Brasil não era apenas importante na política climática global, era protagonista. O país sediou a Rio-92 e foi o primeiro a assinar a Convenção Mundial de Mudanças Climáticas. Depois, ajudou a construir o Protocolo de Kioto, em 1997. E em 2015 foi um dos artífices e um dos primeiros países a ratificar o Acordo de Paris.

- Esse protagonismo, fruto de um trabalho de 30 anos do Itamaraty e dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, deu ao país credibilidade e importância não apenas para negociar o clima, mas todas as agendas, como da economia à segurança. O clima no Brasil nunca foi uma política de governo, mas do Estado brasileiro. Ajudamos a construir a política mundial de clima. Isso é parte da nossa História - destaca Teixeira, ela própria negociadora do Acordo de Paris.

Salles, ministro do Meio Ambiente, já adiantou que o Brasil não se comprometerá com novas metas climáticas. Na sua visão, o Brasil já fez muito na área ambiental e agora é hora de cobrar dos países ricos e receber recursos para fazer mais.

'É cedo para saber', diz Sirkis
O Brasil tem a maior floresta tropical da Terra, a Amazônia. Mas também é o sétimo maior emissor de gases do efeito estufa, justamente devido à queima da mesma floresta. Izabella Teixeira observa que um assessor especial não terá competência legal para negociar acordos como os fundos climáticos com secretários de governos estrangeiros. E, segundo ela, na prática, será reduzido o espaço para a participação política da sociedade brasileira no governo no que diz respeito à área de clima, estratégica para a economia.

Teixeira se preocupa com a falta de definição da política sobre o combate do desmatamento, se será diluído ou ganhará nova estrutura. Segundo ela, está é a primeira desde 1988, quando foi criado o Programa Nossa Natureza, que não há uma estrutura definida para a área. Alfredo Sirkis, coordenador do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, diz que ainda é cedo para saber qual será a política do governo para o desmatamento e o clima.

- O clima não é uma agenda só da área ambiental, mas permeia todo o governo porque impacta a economia e, a meu ver, é o terceiro maior problema de segurança nacional, depois da ocupação de territórios pelo tráfico e a ameaça de guerra civil na Venezuela - diz Sirkis, que coordena uma instituição cuja função é estabelecer o diálogo entre governo, empresários, academia e outros setores da sociedade.

Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, que já presidiu o Serviço Florestal Brasileiro, é preocupante a expectativa criada com a chegada da nova gestão de que há áreas protegidas demais e que a fiscalização ao crime ambiental comete excessos que devem ser revistos. Esse discurso funcionaria como estímulo para os desmatadores:

- Foram desmanteladas as estruturas de combate ao desmatamento ilegal e se criou a expectativa que o país segue no sentido contrário, de estímulo para as pessoas correrem para desmatar. O desmatamento é que nem a Bolsa, as pessoas operam no campo com base em expectativa - diz.

Azevedo, que já foi presidente do Serviço Florestal Brasileiro, lembra que o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento em cerca de 80% a partir de 2004. Para ele, esse resultado só foi possível porque a política de combate ao desmatamento foi alçada a uma posição prioritária do governo, com ações envolvendo diferentes áreas, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Casa Civil, o Ministério do Planejamento e o MCTI.

Sirkis concorda e diz que não é questão de organograma, mas de mensagens que podem soar como estímulo a setores que agem como criminosos:

- Não estamos falando do agronegócio produtivo, mas de setores ligados à grilagem e ao garimpo ilegal em terras públicas. Trata-se de desmatamento ilegal. No Sul do Amazonas, por exemplo, ele é feito por grupos ligados ao tráfico de drogas.

Para ele, os setores econômicos e militares do governos sabem o quão importante é essa questão:

- Estamos num momento ainda de acomodação de estruturas. Esperamos que o desmatamento ilegal seja reprimido.

O Globo, 12/01/2019, Sociedade, p. 24

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