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Mucro do ecoturismo recupera mata atlantica

OESP, Geral, p.A14
30 de Nov de 2003

Lucro do ecoturismo recupera mata atlântica
Entre 1995 e 2000, floresta teve ganho de área de 23 mil hectares no Estado
Roldão Arruda
As empresas capitalistas e a preservação ambiental têm sido freqüentemente apresentadas - e na maioria das vezes com razão - como coisas mortalmente antagônicas. Acredita-se que, onde triunfa o empresário, padece o ambiente. Em algumas regiões do interior de São Paulo, porém, está ocorrendo neste momento um processo inverso. Ali, o ambiente dá mostras de recuperação e a mata atlântica consegue até reconquistar antigos espaços graças, em grande parte, ao sucesso das atividades de algumas empresas. As taxas de lucro delas melhoram se o ambiente fica mais saudável.
Essa é uma das principais conclusões de uma tese de doutorado que será apresentada amanhã na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), com o título Determinantes da Recuperação da Mata Atlântica no Estado de São Paulo. Seu autor, o agrônomo Eduardo Mazzaferro Ehlers, professor de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas e diretor de Extensão das Faculdades Senac, trabalhou com fotos feitas por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e mapas da Fundação SOS Mata Atlântica.
Sua primeira constatação, ao se debruçar sobre o material, foi negativa. Viu que a devastação da mata atlântica no Estado prosseguiu durante toda a década de 90. De modo geral, portanto, o ambiente empobreceu.
Ao detalhar as análises, porém, percebeu que em algumas regiões o processo de devastação não só estancou como ainda houve recuperação da mata atlântica - considerada a mais rica do planeta em termos de biodiversidade. "Já se sabia que a cobertura florestal no Estado, como um todo, havia aumentado, mas até agora ninguém havia dito que a área da mata atlântica cresceu", diz Ehlers. "Constatei que em 204 municípios, quase um terço dos que existem em São Paulo, houve um salto positivo e a tendência histórica de degradação foi revertida."
Manchas - Aprofundando o estudo das imagens, Ehlers também verificou que 150 daqueles 204 municípios estão agrupados em áreas contíguas, que denominou "manchas de recuperação da mata atlântica".
No total assinalou 15 manchas no Estado.
Na etapa seguinte, ele procurou determinar as razões das mudanças. A mais importante delas, sem dúvida, foi o surgimento, a partir dos anos 80, de leis de proteção ambiental mais rigorosas, além da intensificação da fiscalização pelo poder público e a interferência de organizações não-governamentais. A segunda razão mais importante foi a retração das atividades agropecuárias. A área plantada diminuiu, especialmente em lugares de proteção permanente, como topos de morros e margens de rios, facilitando o processo de regeneração das matas.
Estes dois fatores já eram relativamente conhecidos. A principal contribuição da tese de Ehlers está no terceiro fator da lista elaborada por ele. O pesquisador constatou que o avanço de empreendimentos que valorizam o patrimônio natural também ajudou na recuperação da mata. Esses empreendimentos incluem de hotéis fazendas a empresas que vivem do turismo de aventura, passando por loteamentos com chácaras de lazer, pesqueiros, pousadas.
Densidade - Ehlers ficou impressionado com o florescimento desses empreendimentos: "Em três manchas de recuperação da mata atlântica - a da Mantiqueira, ao redor de Campos de Jordão, a das Cuestas, onde Brotas se destaca, e do Circuito das Águas, em torno de Lindóia - a densidade de micros e pequenas empresas é bem superior à média do Estado. E quando se analisa sua composição, percebe-se que 20% delas estão voltadas para o aproveitamento do patrimônio natural. São agências de ecoturismo, pousadas, que dependem da natureza."
Ehlers fez essas constações a partir do cruzamento de informações populacionais com números do Sebrae. Ele cita como exemplo de mudanças na região o município de Dourado, que fica na mancha de Cuestas e cuja área urbana é cortada pelo Rio Jacaré Pepira: "Esse município tem aproximadamente uma micro ou pequena empresa para cada 20 habitantes. Também conta com associações, comitês, ONGs, arranjos, parcerias entre iniciativa privada e governo, destinados a estimular esse tipo de empreendedorismo e a proteger a natureza."
Outro dado obtido pelo pesquisador, a partir do cruzamento de diferentes informações, é que nas três manchas o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é superior à média paulista.
Uso sustentável - No conjunto dos municípios pesquisados no Estado, a mata atlântica ganhou uma área de 23.048 hectares no período de 1995 a 2000. "Não é uma área gigantesca, mas significativa", diz. "Ajuda a derrubar a lei geral de que o crescimento econômico é antagônico à conservação. Depois de 500 anos de destruição, mostra que é possível crescer, ter indicadores sociais e de qualidade de vida mais adequados, ao mesmo tempo que se conserva e até se amplia a mata atlântica - que tem uma função de grande importância na manutenção dos recursos hídricos e na regulação da temperatura e do clima."
A tese, orientada pelo professor José Eli da Veiga, confirma a idéia, defendida há algum tempo por correntes de ambientalistas, de que a melhor maneira de preservar as nossas florestas é possibilitando seu uso de maneira sustentável, em vez de tentar mantê-las em completo isolamento. O projeto de lei sobre a mata atlântica que deve ser votado esta semana no Congresso, do ex-deputado tucano Fábio Feldman, aponta nessa direção. Há 11 anos, quando Feldman apresentou a proposta na Câmara, já se insistia que o estímulo de atividades econômicas de forma sustentável não só não destruía o ambiente como ajudava a mantê-lo.
"As empresas se tornam aliadas importantes da preservação, porque à medida que os rios são degradados e a floresta dilapidada, elas perdem a razão de existir, perdem lucros", afirma Ehlers, amante declarado da mata atlântica.
Gaúcho, com 38 anos, dos quais 34 em São Paulo, ele conta que começou a se interessar por ela quando ainda estudava agronomia, em Piracicaba, no interior do Estado. Já morou na Serra da Bocaina, no meio da mata, e foi um dos fundadores da Pro-Bocaina, uma ONG destinada à preservação ambiental da região. Também se dedicou à produção de alimentos sem agrotóxicos e já foi diretor-adjunto da Faculdade de Educação Ambiental do Senac.
A tese de doutorado, que dá continuidade ao seu histórico com a mata atlântica, é a primeira a ser apresentada na USP dentro do programa de pós-graduação de Ciência Ambiental, criado em 1990 pelo físico José Goldemberg, atual secretário do Meio Ambiente de São Paulo.

Brotas renasce, graças aos amantes da aventura
Turismo provoca reviravolta no desenvolvimento de cidade de 165 anos
Em Brotas, município de 20 mil habitantes na região central de São Paulo, a 240 quilômetros da capital, existem 17 agências que trabalham com turismo de aventura - expressão que abarca mais de uma dezena de atividades desenvolvidas em contato direto com a natureza, na água, na terra e até no ar. A maioria delas é desenvolvida no Jacaré Pepira, um rio de águas velozes que cruza vários municípios da região, numa extensão de 174 quilômetros, antes de se atirar no Tietê.
Elas variam do antigo e tranqüilo passeio de bóia, que virou bóia-cross, ao hidrospeed - descida acelerada pelas corredeiras, com o uso de pranchas e nadadeiras. Também existem agências que se dedicam ao arborismo - espécie de circuito acrobático pelas copas das árvores. Outras, ao mountain bike e a caminhadas ecológicas.
No conjunto, essas atividades rejuvenesceram a cidadezinha de 165 anos e provocaram uma reviravolta no rumo de seu desenvolvimento. Áreas de encostas de montanhas, com paredões de pedras e quedas d'água abruptas, que eram as mais desvalorizadas quando o município ainda dependia essencialmente da agricultura, passaram a ser as mais valorizadas. E também as mais preservadas.
"Os proprietários perceberam que o seu atrativo é a natureza e que quanto mais a conservam, mais podem aumentar seus lucros", diz a diretora de Turismo e Cultura de Brotas, Maria Luiza Jordani de Andrade. "Passaram a cuidar melhor e a recuperar as matas ciliares, a desenvolver trilhas mais adequadas e buscar ajuda de especialistas."
Segundo ela, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, desenvolveu estudos especiais de uso e manejo de solo nessas áreas turísticas, incluindo atividades nas beiras dos rios e nas cachoeiras.
De acordo com a tese de Eduardo Mazzaferro Ehlers, "Brotas tornou-se um pólo de atividades econômicas ligadas ao aproveitamento de atividades rurais" tão importante que acabou irradiando seus efeitos para os municípios vizinhos, como Bocaina, Barra Bonita, Iacanga, Dourado e outros.
Ainda segundo a tese, essa opção pelo turismo de aventura tem dado bons rendimentos. A cobertura de mata atlântica aumentou na região, assim como a riqueza das cidades.
Em 1986 foi criado na região o Consórcio da Bacia do Jacaré, voltado para a preservação do rio. Em 1992 surgiu a organização não-governamental Movimento Rio Vivo, com o mesmo objetivo. Por outro lado, os prefeitos têm dado ênfase aos programas de saneamento básico, para não poluir o rio. Maria Luiza Jordani conta que a cidade tem saneamento desde 1984. "Só um bairro está fora da rede", diz ela. "Mas isso será por pouco tempo, pois a instalação da rede neste bairro já está na fase final."
Já existem no município 13 leis voltadas para o turismo ecológico. Uma delas normatiza a exploração do rafting - o carro-chefe das aventuras no Jacaré Pepira. Outra regulamenta a ação das hospedarias e campings e a formação de guias e monitores ambientais. "Nossa meta é aprimorar o atendimento ao turista", diz Maria Luiza. "E estamos no caminho certo, pois, segundo uma pesquisa feita pela Esalq com mais de mil visitantes, 96% afirmaram que pretendem retornar."
De acordo com o presidente do Comitê de Desenvolvimento do Turismo da Região Centro Paulista (Codetur), Fernando Della Coletta, os empreendimentos tendem a se multiplicar, assim como os projetos de preservação ambiental. Ele cita como exemplo um programa que ainda está sendo elaborado e poderá contar com recursos do Banco Mundial, destinado a propiciar saneamento básico e tratamento de esgoto a todos os municípios da região.
Escolas - A Codetur é uma ONG que atua em toda a região por meio de parcerias com o governo estadual e prefeituras e com a iniciativa privada. Segundo seu presidente, a conscientização sobre a preservação ambiental na região começa nas escolas primárias e ganha cada vez mais espaço na área de ensino superior. "O Instituto Internacional de Ecologia da USP, em São Carlos, é um parceiro importante", diz. "Os simpósios, encontros e debates sobre o tema são cada vez mais freqüentes."

OESP, 30/11/2003, p. A14

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