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Autor: Ana Cláudia Leocádio
05 de Fev de 2025
BRASÍLIA (DF) - O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou à CENARIUM que o protocolo de intenções assinado com a empresa Ambipar, em janeiro de 2024, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, "não gera direitos ou obrigações entre as partes envolvidas e não possui força vinculante ou capacidade de transferir recursos" para projetos em terras indígenas.
O documento foi assinado pelo vice-presidente de Sustentabilidade da Ambipar, Rafael Tello, e pelo secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, e tem gerado controvérsias. Até agora, não ficou claro o motivo de o MPI ter escolhido a empresa para assinar a parceria e quais são os termos.
A Ambipar é uma multinacional brasileira, considerada líder global em soluções ambientais, com investimentos em projetos de descarbonização, economia circular, transição energética, regeneração ambiental e destinação de resíduos, com presença em 41 países e mais de 20 mil funcionários. A empresa tem ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e na Bolsa de Valores de Nova York (Ambi).
Conforme reportagem do site Metrópoles, a multinacional é, também, a empresa que somente no ano de 2024 assinou R$ 480,9 milhões em contratos com o governo federal para a prestação de serviços em territórios indígenas, como locação de helicópteros e aviões monomotores. Destes, três foram sem licitação. Somente em um contrato com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no valor de R$ 266,7 milhões, serão atendidos oito municípios no Amazonas e Roraima, segundo o portal.
Uma notícia publicada em inglês pelo website PRNewswire indicou que o acordo abrangeria um milhão de quilômetros quadrados, o que corresponde a 14% do território brasileiro. O espaço é equivalente à soma dos territórios da França e Inglaterra.
Na ocasião, de acordo com o site estrangeiro, Tello declarou que a parceria "reforça o compromisso da empresa com soluções que gerem impacto positivo para as pessoas e o planeta, especialmente para as comunidades indígenas, que desempenham papel fundamental na preservação ambiental".
Terena, por sua vez, disse que o MPI considera a parceria "uma ferramenta importante para consolidar políticas públicas culturalmente adequadas, voltadas à sustentabilidade e à proteção dos direitos dos povos indígenas, garantindo que os benefícios dessas ações cheguem às comunidades de forma efetiva".
Sob desconfiança
Após a repercussão negativa e a falta de clareza sobre o protocolo, o MPI negou as informações sobre a concessão de terras indígenas à Ambipar e classificou como "fake news" a informação sobre a abrangência de terras brasileiras.
"Esse tipo de instrumento - que sequer possui força vinculante ou capacidade de transferir recursos - não concede qualquer tipo de controle ou poder de ação para a empresa sobre as terras indígenas ou o território nacional. Tal alegação ignora a própria natureza do documento e visa gerar desinformação", informou o ministério em nota à CENARIUM.
Ainda segundo a pasta, como um protocolo de intenções, por definição, o documento não contempla um plano de trabalho concreto que delimite ou determine ações específicas ou os locais de implementação. "A empresa não está autorizada a atuar em territórios indígenas, com base nesse documento. Da mesma forma, o protocolo não dispõe de orçamento ou cronograma", ressaltou o MPI.
Por que a Ambipar?
O ministério não esclareceu quais são os requisitos para ter escolhido a Ambipar para assinar esse protocolo de intenções, se houve uma concorrência ou algum tipo de escolha formal. A nota apenas esclarece que o diálogo com a companhia "insere-se no contexto de interlocução entre o governo federal e diferentes setores da sociedade civil, sempre com o objetivo de fortalecer a proteção dos direitos indígenas".
"Essa iniciativa também está alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e à proposta de inclusão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 18 (igualdade étnico-racial) no conjunto dos ODS", diz a pasta.
Questionado se os indígenas foram ouvidos, segundo preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a nota do MPI diz que "qualquer atuação em território indígena depende exclusivamente da anuência expressa dos povos indígenas e, caso nenhuma comunidade aceite a implementação de ações derivadas do protocolo, este perderia automaticamente seu objeto".
"A informação que circula sobre a suposta atuação da empresa em 14% do território brasileiro é equivocada e falaciosa - o número faz referência a estimativas de estudos e pesquisadores sobre a área ocupada pelo total de Terras Indígenas (TIs) no Brasil", explica o ministério.
O documento, reiterou o MPI, "representa uma possibilidade para avaliação de projetos ou iniciativas que promovam os direitos dos povos indígenas, com vistas ao fortalecimento da gestão territorial e ambiental elaborada e realizada pelos povos indígenas em seus territórios, sempre com o devido respeito aos direitos constitucionais e internacionais".
"Da mesma forma, assim como qualquer outra iniciativa em territórios indígenas, deverão ser cumpridos os devidos processos de consulta prévia, livre e informada às comunidades, sem exceção, sendo salvaguarda essencial para garantir que os interesses e direitos das comunidades indígenas sejam respeitados em todos os momentos, assegurando sua autonomia e fortalecendo a dimensão participativa na construção das ações", afirma o ministério em nota.
'Protocolo é início do diálogo'
A Ambipar informou, em nota, que o protocolo de intenções "representa o início do diálogo entre as partes e elenca possibilidades de ações futuras". "Os próximos passos de uma possível parceria ainda serão dialogados entre a Ambipar e o Ministério dos Povos Indígenas", assegurou a multinacional.
Conforme a empresa, o escopo do protocolo busca envidar esforços recíprocos para promover o respeito aos direitos dos povos indígenas, em âmbito nacional e internacional. Para isso, podem ser estabelecidas ações de cooperação técnica para desenvolver projetos de conservação e recuperação ambiental, entre outras ações.
"O protocolo de intenções é um compromisso preliminar entre as partes, não permitindo nenhuma atuação da Ambipar nos territórios. A Ambipar pode contribuir por meio de sua linha de atuação em gestão ambiental e resposta a emergências, atuando em parceria com as comunidades indígenas, que já têm seus modos de atuação, para desenvolver soluções sustentáveis e alinhadas com suas necessidades e especificidades socioculturais", informou a companhia.
A CENARIUM também questionou os motivos da escolha da empresa para assinar esse protocolo de intenções com o MPI e que tipo de projetos a empresa já tem em seu portfólio, concretamente, para oferecer aos povos indígenas. Até o fechamento desta matéria, não obteve resposta.
A empresa reiterou que "qualquer ação decorrente do protocolo será implementada somente mediante consulta e consentimento das comunidades indígenas envolvidas, respeitando seus modos de vida e sua autonomia".
Íntegra da Nota da Ambipar
"O escopo do Protocolo de Intenções busca envidar os esforços recíprocos que promovam respeito aos direitos dos povos indígenas, em âmbito nacional e internacional, podendo, para isso, estabelecer ações de cooperação técnica visando o desenvolvimento de projetos de conservação e recuperação ambiental; projetos que promovam a economia circular e a ecoeficiência; projetos sociais para geração de renda, bem como projetos de gestão, destinação e disposição de resíduos sólidos, articulando temas que visam promover estudos e ações estratégicas voltados para impulsionar a qualidade de vida das comunidades indígenas; para o suporte técnico com vistas à prevenção e resposta a eventos extremos e desastres, para o reflorestamento em áreas desmatadas; e para o desenvolvimento de projetos de bioeconomia e monetização dos serviços ecossistêmicos, primando sempre pelos princípios previstos na Convenção 169 OIT e alinhado com o ODS 18 (igualdade étnico-racial) que o Brasil tem trabalhado para ser incluído no conjunto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O protocolo de intenções é um compromisso preliminar entre as partes, não permitindo nenhuma atuação da Ambipar nos territórios.
A Ambipar pode contribuir por meio de sua linha de atuação em gestão ambiental e resposta a emergências, atuando em parceria com as comunidades indígenas, as quais já têm seus modos de atuação, para desenvolver soluções sustentáveis e alinhadas com suas necessidades e especificidades socioculturais.
No que se refere ao fortalecimento da resiliência em territórios indígenas, a parceria visa apoiar ações voltadas à prevenção e mitigação de riscos ambientais, como incêndios florestais, contaminação de recursos hídricos e outros impactos que possam comprometer a sustentabilidade dos territórios. Isso pode incluir capacitação para resposta a emergências, disponibilização de tecnologias para monitoramento ambiental e suporte técnico para gestão de resíduos e mitigação de desastres.
Quanto a promoção da economia circular, o foco está na valorização de práticas sustentáveis já presentes nas comunidades indígenas, ampliando oportunidades para reaproveitamento de materiais, redução de desperdício e fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis. A Ambipar pode auxiliar com conhecimento técnico na destinação e reaproveitamento de resíduos, fomento a projetos de logística reversa e estímulo a iniciativas de geração de renda baseadas no uso consciente dos recursos naturais.
Importante destacar que qualquer ação decorrente do Protocolo será implementada somente mediante consulta e consentimento das comunidades indígenas envolvidas, respeitando seus modos de vida e sua autonomia.
O Protocolo de Intenções representa o início do diálogo entre as partes e elenca possibilidades de ações futuras. Os próximos passos de uma possível parceria ainda serão dialogados entre a Ambipar e o Ministério dos Povos Indígenas."
Íntegra da nota do MPI
"O protocolo de intenções em questão é um documento que estabelece um diálogo preliminar e não gera direitos ou obrigações entre as partes envolvidas.
Esse tipo de instrumento - que sequer possui força vinculante ou capacidade de transferir recursos - não concede qualquer tipo de controle ou poder de ação para a empresa sobre as terras indígenas ou o território nacional. Tal alegação ignora a própria natureza do documento e visa gerar desinformação.
Um protocolo de intenções, por definição, não contempla um plano de trabalho concreto que delimite ou determine ações específicas ou os locais de implementação. A empresa não está autorizada a atuar em territórios indígenas, com base nesse documento. Da mesma forma, o protocolo não dispõe de orçamento ou cronograma.
Qualquer atuação em território indígena depende exclusivamente da anuência expressa dos povos indígenas e, caso nenhuma comunidade aceite a implementação de ações derivadas do protocolo, ele perderia automaticamente seu objeto. A informação que circula sobre a suposta atuação da empresa em 14% do território brasileiro é equivocada e falaciosa - o número faz referência a estimativas de estudos e pesquisadores sobre a área ocupada pelo total de TIs no Brasil.
A atuação da empresa, caso venha a acontecer, será antecedida pelos ritos administrativos e jurídicos da Administração Pública. Essa atuação só poderá ser realizada com acompanhamento e atuação conjunta do Ministério dos Povos Indígenas. Nesse sentido, quaisquer atividades concretas que pudessem se originar deste protocolo de intenções devem, necessariamente, acontecer com respeito aos tratados internacionais e às normativas brasileiras, como a Convenção 169 e o artigo 231 da Constituição Federal.
Da mesma forma, assim como qualquer outra iniciativa em territórios indígenas, deverão ser cumpridos os devidos processos de consulta prévia, livre e informada às comunidades, sem exceção, sendo salvaguarda essencial para garantir que os interesses e direitos das comunidades indígenas sejam respeitados em todos os momentos, assegurando sua autonomia e fortalecendo a dimensão participativa na construção das ações.
O diálogo insere-se no contexto de interlocução entre o Governo Federal e diferentes setores da sociedade civil, sempre com o objetivo de fortalecer a proteção dos direitos indígenas. Essa iniciativa também está alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e à proposta de inclusão do ODS 18 (igualdade étnico-racial) no conjunto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O documento representa uma possibilidade para avaliação de projetos ou iniciativas que promovam os direitos dos povos indígenas, com vistas ao fortalecimento da gestão territorial e ambiental elaborada e realizada pelos povos indígenas em seus territórios, sempre com o devido respeito aos direitos constitucionais e internacionais. Levando em consideração as especificidades de cada contexto, primando sempre pelos princípios previstos na Convenção 169 OIT, poderão ou não ser desenvolvidas estratégias conjuntas, com protagonismo e ampla participação dos povos indígenas.
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