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MP quer remoção em áreas de risco

O Globo, Rio, p. 15-16
06 de Out de 2005

MP quer remoção em áreas de risco

Selma Schmidt

Os promotores Rosani da Cunha Gomes e Carlos Frederico Saturnino, titulares da Segunda e da Primeira Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Meio Ambiente, encaminharão uma recomendação ao prefeito Cesar Maia, fixando prazo de 20 dias para que ele apresente um projeto de remoção de 14 comunidades de quatro áreas onde existem cerca de quatro mil casas. As favelas foram eleitas pelo Ministério Público (MP) como prioritárias para a desocupação, por causa da velocidade do seu crescimento e por estarem em lugares de preservação permanente e de risco de desabamento e inundações. Caso o pedido seja ignorado por Cesar, os promotores ingressarão na Justiça com uma ação civil pública.
- Para remover essas favelas, o prefeito não precisa mudar a Lei Orgânica. As atuais legislações municipal, estadual e federal permitem que ele faça a desocupação de favelas, o reassentamento moradores e a recomposição da vegetação. Se o prefeito não atua, carateriza-se omissão - observou Rosani, acrescentando que o local de reassentamento deve ser próximo, mas não necessariamente ao lado das antigas favelas ou do lugar de trabalho dos moradores.
O MP se respalda em parecer do Grupo de Apoio Técnico do órgão, que elegeu quatro áreas com ocupações ilegais como as mais críticas da cidade, a partir de análise de mapas do Instituto Pereira Passos (IPP) e de visitas aos lugares. Entre as comunidades incluídas na lista do MP estão a Vila Parque da Cidade (na Gávea), a Mata Machado (Alto da Boa Vista) e a comunidade do Grotão (no fim da Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico).
Município diz que faltam recursos
Em 2003, a Segunda Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Meio Ambiente abriu inquérito para apurar a situação das ocupações ilegais. Além do estudo técnico, o MP ouviu representantes das secretarias municipais de Urbanismo, de Meio Ambiente e de Habitação.
De acordo com o termo de declarações, em seu depoimento a gerente do programa de favelas da Secretaria municipal de Habitação (SMH), Márcia Garrido, disse que, quando a ocupação ocorre em áreas de risco e de preservação ambiental, a prefeitura cadastra os moradores para posterior remoção. "Ocorre que os recursos são escassos e, apesar da continuidade do trabalho, ainda há necessidade de implementar esta ação de forma mais abrangente", afirmou Márcia no depoimento. Segundo ela, a SMH está tentando obter recursos externos, como os planejados para o Favela-Bairro 3.
Ainda no depoimento, Márcia informou que a SMH está atuando em remoção em áreas de risco nas comunidades da Formiga (Tijuca), do Juramento (Vicente de Carvalho) e Vila Catiri (Campo Grande). Ela, no entanto, disse que não poderia estimar um prazo para a conclusão do trabalho, "pois depende de liberação de recursos pelo Tesouro Municipal".
Na primeira área identificada como crítica por técnicos do MP, localizam-se as favelas Tijuaçu, Mata Machado, Sítio da Biquinha, Agrícola, Furnas, Fazenda e Morro do Banco, localizadas no Alto da Boa Vista e no Itanhangá. Segundo parecer assinado pelo engenheiro florestal Rogério de Lima e Silva Caldas, os recursos hídricos e a Mata Atlântica da região vêm sendo destruídos. "O grande risco é que essas comunidades possam se unir, destruindo todo o vale que se encontra adjacente ao Parque Nacional da Tijuca", disse Rogério no parecer.
De acordo com o documento, também devem ser removidas com urgência as favelas junto à Estrada da Covanca, em Jacarepaguá (Covanca, Tangará, Bela Vista e Inácio Dias). Elas seriam responsáveis "pela degradação dos recursos hídricos e da vegetação nativa " e se encontram em área de risco para os moradores.
Outra área a se liberada imediatamente, na avaliação dos técnicos do MP, é ocupada por duas favelas: o Grotão, no Jardim Botânico, e a Vila Parque da Cidade, na Gávea. O entorno da Vila Parque da Cidade é revestido de Mata Atlântica.
Nos limites do Parque Nacional da Tijuca, a pequena comunidade do Açude é mais uma favela incluída na lista do MP. Segundo informações obtidas por técnicos do órgão no Instituto Pereira Passos, da prefeitura, moradores captam água dentro do parque.

Prefeitura entre críticas e elogios nas favelas

Vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Parque da Cidade, uma das 14 favelas citadas pelo Ministério Público, Luiz Carlos da Silva admite que a comunidade vem crescendo, mas apenas verticalmente. Segundo ele, a culpa pelo aumento do número de construções irregulares é da própria prefeitura:
- Em 2000, a prefeitura começou um projeto chamado Favela-Bairrinho. Já se passaram cinco anos e está tudo parado. Acredito que nem 20% do que foi prometido se tornou realidade. Se tudo tivesse sido feito corretamente, o próprio projeto previa um gabarito máximo de três andares. Como não foi para frente, não temos como conter à força. Já há prédios de seis andares. O que posso garantir é que a favela não está crescendo para os lados.
Por outro lado, o presidente da Associação de Moradores da Favela Mata Machado, no Alto da Boa Vista, Josias Caldas Corrêa, citou a própria prefeitura para se defender da possibilidade de desocupação, levantada pelo Ministério Público. Ele lembrou que o local recebeu obras do programa Favela-Bairro e que a comunidade não está crescendo. Segundo dados do Instituto Pereira Passos, na favela há 503 casas.
- Nossa comunidade tem mais de 50 anos. É uma favela plana e ajudamos a proteger o meio ambiente. Além disso, a prefeitura já nos informou que dará título de propriedade para os moradores. Estamos aguardando - disse Josias.

Câmara já tem projetos para conter favelas

Luiz Ernesto Magalhães e Paulo Marqueiro

Uma decisão da Mesa Diretora abriu caminho ontem para que a Câmara de Vereadores discuta dois projetos de emenda à Lei Orgânica do Município com o objetivo de conter a expansão das favelas, mas sem a erradicação. Numa releitura do regimento interno, o presidente Ivan Moreira (PFL) dispensou as assinaturas de 17 vereadores (um terço da Casa) como co-autores de emendas à lei - regra adotada até então. Ivan decidiu seguir o regimento da Assembléia Legislativa que permite a tramitação de projetos se um terço dos parlamentares assinar em apoio às propostas.
Os projetos ainda não têm data para ser votados. Os textos passarão pela análise de cinco comissões. Cada uma tem um prazo de 14 dias úteis para emitir pareceres. Para ser transformado em lei são necessários dois terços dos votos (34). Caso as propostas fossem hoje a plenário, a tendência é que não fossem aprovadas. Ontem, um grupo de 27 vereadores divulgou um manifesto em que se declara contra mudanças na Lei Orgânica. No texto, sustenta que qualquer emenda seria inócua. E acusa a prefeitura de omissão por não ter uma política habitacional para a população de baixa renda. Para o grupo, a Lei Orgânica já tem instrumentos para coibir a verticalização e a ampliação das favelas.
Assembléia também analisa mudança na Constituição
Os dois projetos prevêem alterações do inciso VI do artigo 429 da Lei Orgânica, que só permite a remoção de casas se houver risco para os moradores. O primeiro, de autoria da presidente da Comissão de Meio Ambiente, Aspásia Camargo (PV), e da vereadora Leila do Flamengo (PFL), acrescenta outras situações em que a remoção seria possível. Foram incluídas na lista construções que representam risco à saúde dos moradores e imóveis que ameaçam áreas de interesse de preservação ambiental, do patrimônio cultural e da paisagem. Pelo projeto, o reassentamento seria garantido em lugares próximos de casa ou do trabalho.
Já o outro projeto, de Wanderley Mariz (PFL), é mais genérico. Ele exclui do artigo 429 o item que limita às remoções às áreas de risco. Mas sem detalhar as situações em que elas seriam possíveis, como ocorre no projeto de Leila e Aspásia.
Na Assembléia Legislativa, também já está tramitando uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria de Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) e Paulo Melo (PMDB). As remoções, que pela Constituição estadual só podem ser feitas em áreas de risco, seriam possíveis em outras situações. Como para fazer o chamado saneamento ambiental (implantação de água, esgoto, coleta de lixo e drenagem) ou para mudar as condições de habitação ou a circulação viária local.
Remoções para áreas de até dez quilômetros
O projeto de Luiz Paulo e Paulo Melo determina que, em qualquer dos casos, as remoções sejam feitas para áreas num raio de até dez quilômetros da comunidade original.
- Acredito que em 45 dias a proposta possa ser votada em plenário - disse Luiz Paulo.
De acordo com o regimento da Assembléia Legislativa, a votação será em dois turnos. Para ser aprovada, a proposta precisa ser apoiada por três quintos da Casa (42 votos).
O deputado Flávio Bolsonaro disse que apresentará nos próximos dias uma proposta para emendar o projeto de Luiz Paulo e Paulo Melo. Ele quer acabar com o limite dos dez quilômetros e incluir um programa de controle da natalidade.

Prefeito é acusado de desviar o foco das discussões sobre a favelização

Alba Valéria Mendonça e Ruben Berta

Para representantes da sociedade civil e do Ministério Público, as últimas atitudes do prefeito Cesar Maia foram uma tentativa de desviar o foco das discussões sobre a favelização para a questão da remoção, deixando de lado o fato de o município já ter instrumentos para conter o crescimento das comunidades. O advogado Rogério Zouein, integrante da ONG Ação Ecológica, ressaltou que a própria Lei Orgânica diz que é dever da prefeitura preservar as áreas de Mata Atlântica:
- O artigo 475 da Lei Orgânica diz que é vedada a redução, a qualquer título, de áreas de coberturas vegetais nativas ou recuperadas. O prefeito tentou mudar a discussão voltando a questão para a remoção de favelas, mas é preciso lembrar que ele tem todos os instrumentos para conter novas construções. Dezenas de novos barracos surgem a cada dia e a prefeitura continua inerte.
O promotor Carlos Frederico Saturnino, da 1 Promotoria de Tutela Coletiva e Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural, citou o Código Florestal, lei federal que, segundo ele, está acima da Lei Orgânica:
- É dever do poder público, segundo o código, preservar as áreas de proteção permanente e reparar eventuais danos. Como estamos em área urbana, o órgão mais adequado para cumprir esta missão é a prefeitura.
Sindicato de construtores sugere política habitacional
O ambientalista Franklin de Mattos, da Associação Permanente das Entidades de Defesa do Meio Ambiente (Apedema), disse que, se as leis ambientais já existentes estivessem sendo cumpridas, a cidade teria preservados de 60% a 70% da mata nativa. Para ele, muito pior que a ocupação ilegal é o loteamento clandestino nas favelas:
- São pessoas que estão lucrando às custas dos moradores das favelas, que aproveitam a falta de fiscalização para explorar a miséria, como os especuladores imobiliários. Isso vem ocorrendo com freqüência na Zona Oeste.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-RJ), Roberto Kauffmann, disse que é preciso que as três esferas de poder (municipal, estadual e federal) se unam numa política de habitação séria, construindo e oferecendo moradias dignas. Esta seria, para ele, uma forma de frear a ação dos especuladores imobiliários nas favelas:
- Não se trata da construção de conjuntos habitacionais, mas de minibairros bem servidos de transporte público. No Rio existem grandes áreas públicas desocupadas, no Centro, na Zona Portuária e na Avenida Brasil, que poderiam abrigar esses projetos. A estimativa é de que, com um investimento de R$ 3 bilhões, seria possível realocar até metade dos moradores que vivem nas favelas hoje - disse Kauffmann.
O presidente licenciado do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio (Crea-RJ), Reinaldo Barros, também acredita que o crescimento das favelas pode ser combatido com uma política planejada de ocupação da cidade, aliando habitação, transportes e outros serviços.
- A prefeitura já dispõe dos meios legais para barrar o crescimento das favelas, principalmente nas áreas de preservação ambiental. Mas, para isso, é necessária uma fiscalização eficiente - disse Barros.

O Globo, 06/10/2005, Rio, p. 15-16

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