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MP investiga vendas suspeitas de terras

JB, Pais, p.A2
14 de Mar de 2005

MP investiga vendas suspeitas de terras
Indenização pedida por empresários que compraram áreas desapropriadas na década de 70 é contestada por procurador
Sérgio Pardellas
No momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolve dar uma basta à grilagem e à cessão irregular de terras, à luz do caso Dorothy Stang, uma investigação do Ministério Público revela que a questão fundiária no país ainda gravita em torno de uma atmosfera nebulosa. Segundo o MP, uma venda suspeita de terras feita pelo governo do Amazonas na década de 70 em favor de empresários paulistas pode provocar um rombo de R$ 400 milhões nos cofres públicos.
A área, de 1,05 milhão de hectares, equivale a 25% do Estado do Rio de Janeiro. Parte do terreno - cerca de 250 mil hectares - foi inundada em 1981 para construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, pela Eletronorte - estatal federal da holding Eletrobrás. Há mais de 5 anos, 156 empresários proprietários dos títulos movem 27 ações indenizatórias na Justiça Federal por conta da inundação da área.
No último dia 6 de janeiro, o atual vice-governador do Amazonas, Omar Aziz, naquela data governador em exercício, baixou um decreto extinguindo uma comissão criada em 2002 para apurar preliminarmente o caso. O trabalho da Comissão havia paralisado o contencioso judicial desde então. Agora, com o encerramento dos trabalhos da comissão, as 27 ações de indenização devem voltar a tramitar normalmente na Justiça.
Até hoje, a Eletronorte já foi obrigada a desembolsar cerca de R$ 5 milhões em títulos do setor elétrico em indenizações para dois empresários. Para o advogado e topógrafo Petros Abi-Abi, ex-assessor especial do ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann, trata-se de uma das maiores fraudes fundiárias do país.
De acordo com relatório do MP, há fortes indícios de que os empresários adquiriram as terras no Amazonas de posse de informações privilegiadas. ''Vislumbra-se que tanto os administradores públicos estaduais quanto os adquirentes tinham conhecimento de que a área seria inundada para a construção da futura Usina Hidrelétrica de Balbina e, mesmo assim, procederam a transferência das terras que viria propiciar a estes o recebimento do valor das indenizações decorrentes das desapropriações, incorrendo em enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário'', diz trecho do relatório do MP.
Autor da investigação, o procurador regional da República Franklin Rodrigues da Costa alerta no relatório que os títulos foram vendidos seis anos antes da edição do decreto pelo então governador Danilo Areosa (PFL) definindo a área de implantação do projeto da Usina Hidrelétrica de Balbina. As concessões, ainda na década de 70, também seriam irregulares por não terem cumprido requisitos básicos imprescindíveis à titulação, como por exemplo, medição e demarcação - exigências da legislação vigente à época.
Além disso, embora o contrato de cessão estabelecesse que as áreas deveriam ser exploradas, isto nunca aconteceu, o que só reforça as suspeitas de fraude. Tempo não teria sido problema. Como o terreno foi entregue em 1971 e somente em 1981 foi feita a desapropriação dos lotes, os empresários tiveram 10 anos para investir no local. Os laudos desapropriatórios obtidos pelo Jornal do Brasil, datados de 27 de fevereiro de 1987, comprovam que parte da área estava inutilizada, em alguns casos totalmente coberta por mata virgem. Os laudos foram assinados pelo perito Ivan Guimarães.
Outro fato que intriga os procuradores é que a maior parte do terreno não poderia sequer ser explorada. Segundo mapa do Incra, ao qual o JB também teve acesso, os terrenos ficavam literalmente debaixo dos rios Pitinga e Uatumã. Dessa forma, questiona-se por que empresários paulistas teriam interesse numa área longínqua e sem qualquer perspectiva de uso. O MP suspeita que o governo teria promovido uma demarcação simulada em gabinete para justificar a venda simbólica de 550 mil lotes de 3 mil hectares cada. O procurador Franklin da Costa promete levar o caso ao procurador-geral da República, Claudio Fontelles.
- Se nenhuma providência foi realmente adotada pelo estado para rescisão dos contratos de titulação sob suspeita, vamos encaminhar a Fonteles para que examine a possibilidade de um processo por improbidade administrativa - disse o procurador na última quinta-feira, depois de encaminhar oficio ao governo do estado do Amazonas solicitando eventuais relatórios que teriam sido produzidos pela Comissão extinta em janeiro.
As autoridades envolvidas podem incorrer nos artigos 10 e 11 da lei, segundo os quais constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra o principio da administração pública, ''permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro enriqueça ilicitamente''. Como também ''retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício''.

Área pertenceria à União
Segundo o Ministério Público, a venda das terras na década de 70 pelo governo do Amazonas a empresários paulistas também seria irregular pelo simples fato de que a área não pertencia ao estado e sim à União. Na investigação preliminar que apurou a legalidade das desapropriações e das ofertas de preços pelos lotes, o Ministério Público verificou que a área de alagamento e do loteamento eram, à época, ''terras ocupadas por silvículas''.
Em depoimento ao MP em abril de 2002, o indigenista José Porfírio Fontenelle de Carvalho disse que em incursão ao local, em 1971, se deparou com mais de 50 índios Waimiri Atroari realizando atividade de caça e pesca. Em conversas com os indígenas, teria sido informado sobre a existência de de uma grande maloca em terras altas às margens dos Rios Uatumã e Pitinga. E que, durante a visita à sede do INCRA em Manaus, no mesmo ano, teria tomado conhecimento de que o governo do Amazonas pretendia lotear a região. Preocupado, informou a direção da FUNAI em Brasília.
Em 1986 , acrescentou o indigenista, ele chegou a ser convidado pela Eletronorte para auxiliar no processo de configuração do contorno do reservatório de Balbina, que incidia sobre as terras indígenas. Nesta ocasião, ficou sabendo que empresários paulistas diziam-se portadores de títulos de propriedade da região.
A diretora de comunicação do governo do estado do Amazonas, Lúcia Carla, foi contactada pela reportagem do Jornal do Brasil mas disse não ter encontrado, até o início da noite de sexta-feira, uma pessoa que pudesse prestar esclarecimentos ao jornal.
Por ocasião da instalação da comissão no estado para investigar o caso, o ex- senador Pedro Piva confirmou a veículos de comunicação do estado do Amazonas ter entrado na Justiça contra a Eletronorte para reaver o que gastara nas terras. Disse ter adquirido os títulos intermediado pelos irmãos Vergueiro (empresários Sérgio e Fernando Vergueiro, que também movem ações na Justiça contra a Eletronorte).
Acrescentou que chegou a visitar as terras entre 1975 e 1976, quando construiu na área a serraria Serrago. Para o investimento, teria contraído um financiamento junto ao Banco do Brasil, e amargado um prejuízo avaliado em R$ 1 milhão quando a represa hidrelétrica inundou a área.

Advogados negam informações privilegiadas
O escritório de advocacia Fernando Vergueiro, que representa os desapropriados de Balbina, encaminhou ao JB um dossiê em que acusa a Eletronorte de se utilizar de artimanhas para ''não pagar o que deve''.
Segundo os advogados, são falsas as alegações de que os empresários que compraram terras se valeram de informações privilegiadas, que não teria sido feita a medição das glebas e que a região estaria localizada em terras indígenas.
De acordo com os advogados, a primeira providência foi acautelar-se quanto à existência de aldeias indígenas na região. A ausência, dizem, foi assegurada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) através de certidões. Durante três anos, diz o dossiê, ''investiu-se tempo e dinheiro para obtenção dos títulos definitivos, ao mesmo tempo em que se investiu também em recursos humanos e materiais para a idealização, elaboração e detalhamento de um amplo projeto agropecuário e florestal de alto nível, capaz de proporcionar o desenvolvimento da região''.
A fase discriminatória, entre 1976 e 1983, acusa o dossiê, ''sofreu forte ingerência da Eletronorte que, criada em 1973, pretendia furtar-se ao pagamento das indenizações pelas terras que seriam inundadas pela usina hidrelétrica, cujos estudos iniciaram-se em 1975''. A ação direta perpetrada pela Eletronorte, acrescenta o documento, buscava deslegitimar os títulos irretratáveis de venda de terra emitidos pelo governo do Amazonas. Com o ajuizamento das ações de desapropriação, em 1986, ''enfrentaram-se batalhas jurídicas e, depois, com a derrota das teses da estatal de energia nos tribunais, enfrentaram-se também, com lisura e ética, a contínua pressão exercida pela Eletronorte, através de calúnias, injúrias e difamações nos mais diversos meios de comunicação''.
Ainda segundo o dossiê, foi graças ao esforço do então governador Danilo Areosa que grandes grupos empresariais do Sul decidiram optar pelo Amazonas e, em 1968, iniciaram o processo de aquisição de terras.
- Como os projetos exigiam áreas de grande porte, as vendas foram realizadas a pessoas físicas proprietárias das empresas que, no futuro, aportariam recursos, e com incentivos fiscais aos diversos empreendimentos a serem desenvolvidos - aponta o dossiê.

JB, 14/03/2005, p. A2

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