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Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu - MDTX

MDTX ,GTA, FETAGRI e FVPP
10 de Mar de 2002

Exmo. Sr.
Dr. Fernando Henrique Cardoso
Presidente da República do Brasil
Senhor Presidente,
Há um ano e meio, trava-se um debate tenso em torno da retomada do Complexo Hidrelétrico do Xingu, tendo a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, representado o Governo Brasileiro nas discussões.
Talvez a empresa não tenha informado aos escalões superiores do Governo sobre as questões que os movimentos sociais da Transamazônica e Xingu e os setores críticos do Estado do Pará vêm apresentando em oposição à construção de Hidrelétricas na Amazônia.
Somos um movimento que reúne 113 organizações sociais, criadas no curso de trinta anos de colonização nesta região. Nesses trinta anos, abandonados a nossa própria sorte, conseguimos, com o apoio das pastorais religiosas, da solidariedade internacional e de organizações de apoio e sindicais, construir um referencial de desenvolvimento apropriado para uma região de florestas tropicais.
A região em que se situa a Bacia Hidrográfica do Xingu é a fronteira da Amazônia Oriental, onde se trava uma das disputas mais acirradas e violentas pelo território e entre diferentes concepções de uso dos recursos naturais. Nesta região, estão situadas as últimas reservas maciças de mogno da Amazônia, uma das bacias hidrográficas mais preservadas do planeta e uma biodiversidade ainda desconhecida da comunidade científica. Cerca de 800 mil habitantes povoam esta região, combinando várias atividades baseadas na exploração, dosa recursos da floresta, aquáticos, minerais e agropecuários.
Na década de 80, a Eletronorte tentou iniciar a construção do Complexo Hidrlétrico do Xingu, iniciando por duas barragens: Babaquara e Kararaô. As duas usinas inundariam mais de 7 mil km2. A sociedade repudiou e os planos foram adiados.
Em 2000, a Eletronorte apresentou um plano reformulado, permeado de meias verdades e de uma prática autoritária e imediatista para justificar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Com a crise energética, os tecnocratas da empresa encontraram o ambiente ideal para convencer a opinião pública da necessidade de novas obras a qualquer custo.
No decorrer do debate, os movimentos sociais da região, manifestaram sua preocupação com a Barragem. Principalmente, como veio a se confirmar por declarações do próprio presidente da Eletronorte, porque não se trata de uma UHE e sim do retorno do Complexo de cinco barragens na Bacia do rio Xingu: Belo Monte, Altamira, Jarina, Ipixuna e Kokraimoro. As cinco barragens comprometem toda a Bacia, alagando cerca de 20 mil km2 do território. É um projeto insano, na contramão da história e um atentado com a Amazônia.
Sr. Presidente, chamamos sua atenção para a importância da decisão e os métodos com os quais seu Governo está decidindo sobre o futuro ecológico dessa região e suas conseqüências para a Amazônia e para os estoques de água doce do planeta. Nós queremos discutir, com o tempo e os cuidados necessários, o que representa o represamento dos rios da Amazônia, diante do valor estratégico das águas no milênio que se inicia.
Soluções energéticas a partir do recurso renovável - água - devem ser buscadas e aproveitadas, evitando os impactos dos alagamentos gigantescos e a desestruturação territorial, ecológica e social que acompanha esses empreendimentos. Tratando-se de Amazônia, esses efeitos são multiplicados.
Certamente, setores da indústria no mundo estão empenhados em soluções tecnológicas que minimizem os impactos desses empreendimentos. Certamente também, os setores industriais que detém as atuais tecnologias fazem lobbies junto aos governos dos países mais pobres para vender suas máquinas e equipamentos que, talvez, em dez anos, estarão sucateados.
Muito cuidado, Sr. Presidente, com a decisão de investir 7 bilhões do dinheiro da sociedade brasileira, sob responsabilidade do BNDES, na construção de uma obra que, quando for concluída, estará defasada, acarretando um custo ambiental e social impagáveis.
O mesmo cuidado, Sr. Presidente, deve ser dado às pressões que as firmas de engenharia exercem sobre as decisões de governo, para a construção dessas obras gigantescas de concreto, vistas unicamente do ponto de vista do mercado. Nenhum desses setores industriais se responsabiliza pelas conseqüências de seus investimentos. Mas, nós, que sabemos de onde vêm os recursos que financiam essas obras, sentimos o quanto eles faltam na educação, na saúde, na infra-estrutura local e nos investimentos para que as economias regionais encontrem seus caminhos e oportunidades de inserção nacional e internacional.
Chamamos a atenção também, Sr. Presidente, para que seu Governo, não ignore o significado da nossa opinião. A Eletronorte, com sua postura autoritária, repete na região, o que sofremos no período da ditadura. É proibido falar contra as barragens. A verdade das cinco hidrelétricas foi arrancada a duras penas.
Nosso principal líder, Ademir Federicci, foi assassinado no dia 25 de agosto do ano passado, quando denunciava as irregularidades da extinta Sudam, hoje ADA, na região e levantava um vigoroso movimento contra as barragens no Xingu. Estamos há quatro meses solicitando que a Polícia Federal esclareça o crime e não obtivemos respostas.
A Eletronorte utiliza-se do poder de uma estatal para aliciar prefeitos, fazer propaganda na grande mídia e nos meios locais. Essa prática, Sr. Presidente, nos lembra os tempos do General Médici, o executor dessa colonização. Só que o mundo mudou e a sociedade deve ser ouvida e, com atenção especial, aqueles que não estão nos escalões do poder.

O que será feito com as 32 tribos indígenas que existem nessa área? Recentemente, em um seminário promovido pela Universidade Federal do Pará, em Altamira, um Índio da área de abrangência do projeto, declarou que se a Eletronorte vier "empurrar" à força uma barragem, eles estão dispostos a invadir a cidade de Altamira para mostrar, pela força também, que existem visões diferentes sobre o rio e o desenvolvimento da região.

Diante desses pontos de vistas, Sr. Presidente, é preciso ouvir outras vozes que não apenas a tecnocracia da Eletrobrás. Saber mais da história das hidrelétricas na Amazônia. Não convêm colocar em jogo o futuro da Amazônia, para responder eleitoralmente para as regiões industrializadas, deixando aqui o caos social causado por um empreendimento dessa envergadura.

Ousamos fazer nosso próprio projeto de desenvolvimento. Isso é modernidade, Sr. Presidente: a sociedade local pensar políticas públicas e dialogar com seu governo sobre o futuro de uma região. Nosso projeto visa aproveitar os recursos da floresta e do Rio Xingu compatibilizando desenvolvimento, crescimento econômico e conservação da base de recursos naturais. Sobre esse projeto queremos discutir com o Governo. Porém, a construção de consensos de tal nível não é possível com a pressa, o autoritarismo e o receituário obreirista da Eletronorte.

Nesse sentido, reafirmamos o que solicitamos na carta do GTA, enviada a Vossa Excelência, no ano passado: suspensão de todas as obras de grande impacto ambiental na região, até que haja uma discussão exemplar e a construção de consensos com a sociedade local.

Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu - MDTX
Grupo de Trabalho Amazônico - GTA
Federação dos Trabalhadores na Agricultura - FETAGRI/Regional
Fundação Viver, Produzir e Preservar - FVPP

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