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Morte de índia deixa tensos ocupantes da Funasa

A Tarde-Salvador-BA
Autor: CRISTINA LAURA
05 de Jul de 2005

A morte da índia Adelaide Maria da Conceição, 58 anos, resultou em clima de tensão e desânimo entre os companheiros das tribos Atikuns Bahia e Tumbalalás, que estão, há um mês, no prédio da Fundação Nacional de Saúde em Juazeiro. Segundo a cacique Djanira da Silva, irmã da índia Adelaide, "ela já tinha problemas de saúde, que, sem assistência, devem ter piorado, e nós não soubemos", disse a cacique.

A indígena morreu em Curaçá, para onde retornou há poucos dias. Outro índio, Luiz Marciano da Silva, 77 anos, morreu, no dia 20 de junho, de problemas cardíacos em um hospital de Belo Horizonte, e, por não viver na tribo como os outros, não teve direito a tratamento pela Funasa, procurando ajuda do filho em outro Estado.

Sabendo das condições atuais dos atikuns, a Prefeitura de Curaçá providenciou o caixão, e um funcionário da Funasa esteve com a cacique Djanira para comunicar que a fundação se responsabilizará pelas despesas do velório e enterro de Adelaide Conceição.

DECISÃO - Apesar de apresentar sinais de cansaço e desânimo, a líder do movimento mantém a decisão de continuar onde está e assegura que "todas as dificuldades que surgirem vão servir para pressionar a Funasa e a Funai a resolverem a situação. "Só queremos o que é nosso por direito", salienta Djanira. Como a terra onde vivem ainda não foi homologada pela Funai, o corpo da irmã dela será enterrado no cemitério da cidade, fora dos costumes indígenas.

No município de Cabrobó/PE, no dia 30 de junho, onde assinou convênios para a construção de 140 casas dos índios trukás, o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, disse não ter conhecimento da situação dos atikuns e tumbalalás, mas garantiu que analisaria as reivindicações.

O chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) em Salvador, José Eduardo dos Santos Souza, disse a A TARDE (em 20/6) que havia colocado medicamentos, equipe médica, carro e lancha em Curaçá à disposição dos índios. Segundo a secretária da Saúde do município, Mara Lúcia Loureiro Lima, "apenas os medicamentos foram entregues à secretaria, e há uma equipe de enfermeiros prestando assistência aos índios da tribo Tumbalalá".

Aldeia espera homologação da terra

Hoje, faz 30 dias que os índios ocuparam o prédio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para chamar atenção sobre seus problemas, na região de Curaçá. A falta de estrutura denunciada pelos indígenas, durante todo o mês da ocupação, pode ser comprovada em visita ao local onde moram as 55 famílias que deixaram a aldeia de origem, em Pernambuco, há 20 anos, e se instalaram na parte baiana nas margens do Rio São Francisco.

Sem água encanada nem luz elétrica, moradores da aldeia esperam pela homologação da terra, que é responsabilidade da Funai. Moram em casas de taipa erguidas de forma desordenada numa área de vegetação seca e terra árida, onde crescem arbustos. Nos espaços abertos em crateras devido à erosão, vêem-se restos de cultivo de milho, cebola, feijão e mandioca. Um porco, um bode e um cabrito magros, ao lado de crianças empoeiradas, seminuas e descalças, mostram a realidade dos atikuns bahia, que vivem há 10 km do município de Curaçá.

- Os animais do dono da fazenda comem o que plantamos. Se não temos o que colher, nos falta o que comer, pois não temos nada que possa ser vendido na cidade para arrecadar dinheiro e comprar alimentos", afirma Maria Luíza da Conceição, que acha difícil "viver como índio, hoje". Ela mora com o marido Francisco Manoel Diniz e três filhos, de 7, 8 e 9 anos.

Maria Luíza fala sobre a ocupação do prédio da Funasa e diz não acreditar que "a cacique vá conseguir muita coisa". Para ela, é difícil acreditar no governo quando não se sabe, o que os filhos vão ter para o almoço. Há quatro meses, as cestas básicas enviadas pela Funai não chegam mais à aldeia dos atikuns, e toda a alimentação é conseguida nos pequenos trabalhos, como ajudante de pedreiro e doméstica, que eles fazem em Curaçá.

Parte da tribo mudou para evitar conflito

Na região norte da Bahia, há três tribos. Os índios tuxás, no município de Rodelas; os tumbalalás, próximo a Pedra Branca; e os atikuns, em Curaçá. Os últimos, originários de Carnaubeira da Penha, sertão de Pernambuco. Segundo a cacique Djanira, "uma parte da tribo resolveu deixar Pernambuco e passar para o lado da Bahia, para evitar conflitos com brancos e com os próprios atikuns". Segundo ela, veio quem foi contra "a intenção de alguns índios de aceitar o aliciamento de brancos para uso da terra no plantio de maconha". Eles chegaram a Curaçá em 1995, alguns moram na cidade, mas a maioria está numa aldeia com 700 hectares de terra, desde 2001, depois de um acordo com o dono da fazenda. Os atikuns se enquadram num estudo feito com os tumbalalás, pela antropóloga Mércia Rejane Rangel Batista, em 2003, que resultou num relatório onde essas tribos são classificadas como "emergentes".

MISCIGENADOS - Dados do Instituto Sócio Ambiental (ISA) mostram que, nos últimos anos, aumentou o número de populações que reivindicam pública e oficialmente a condição de indígenas no Brasil. São famílias miscigenadas que tiveram suas terras tomadas e se deslocaram para outros lugares, mas que, agora, descobriram contextos políticos e históricos favoráveis à retomada de identidades coletivas indígenas.

O fato de esses povos não serem tão facilmente identificados como indígenas faz com que o assunto seja tratado de maneira complexa e gere uma postura que é fruto da ignorância, do preconceito ou de disputas pela posse da terra, conforme pesquisadores do ISA. Os casos mais conhecidos estão nos Estados do Nordeste, e, na Bahia, os que se destacam são a comunidade Tupinambá, em Olivença, e os tumbalalás, em Abaré e Curaçá.

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