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Morre Jorge Terena, líder indígena e sociólogo

ISA
12 de Nov de 2007

Liderança indígena respeitada no Brasil e no exterior, Jorge morreu na última sexta-feira em Manaus, vítima de um acidente vascular cardíaco. Formado em sociologia nos Estados Unidos e uma das principais lideranças indígenas do Brasil, foi velado e enterrado na Terra Indígena Aldeinha, do povo Terena, no Mato Grosso do Sul.

O líder indígena Jorge Terena, 53 anos, faleceu sábado, em Manaus, no Hospital Santa Júlia, em onde estava internado, vítima de um acidente cardiovascular. Uma das principais lideranças indígenas do Brasil, ele coordenou o departamento etnoambiental da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e atualmente era consultor da The Nature Conservancy (TNC). Foi um dos signatários da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que deu aos índios cortadores de cana-de-açúcar do Mato Grosso do Sul os direitos da Consolidação das Leis do Trabalho. Depois de homenageado e velado em Manaus, seguiu para Mato Grosso do Sul, onde foi velado e enterrado na TI Aldeinha, onde nasceu.

Leia aqui artigo de Jorge Terena publicado ano passado na revista Galileu.

Índio com diploma não é índio?

31/8/2006 - Jorge Terena - Revista Galileu - Brasil

Algumas pessoas ainda acham estranho um índio ter bacharelado, mestrado e doutorado, mas muitos deles já são formados em áreas como história, direito, ciências sociais, engenharia, pedagogia e outras. A maioria dos que conseguiram essa formação não tiveram ajuda do governo para tal, e continuam não tendo.

Os estudantes indígenas às vezes passam por dificuldade nas cidades, mas por compromisso com suas comunidades insistem em adquirir ferramentas científicas e tecnológicas. Isso os permite discutir de igual para igual com os governos um planejamento de políticas públicas indígenas condizente com a realidade. Mas por que tanta dificuldade para ajudar um pequeno número de indígenas a concluir os estudos? Índio não precisa estudar?

Há 20 anos, o governo militar achava que lugar de índio era só na aldeia e queria mandar os estudantes indígenas de Brasília de volta para casa. Na época, os alunos adotaram uma frase de protesto: "Posso ser o que você é sem deixar de ser o que sou!". Contudo, a visão de que o índio que sai da aldeia abandona a própria cultura ainda persiste como preconceito. Ele não pode ter diploma e continuar sendo índio?

As escolas indígenas têm várias faces hoje. Podem ser mera imposição de modelos educacionais ou podem adotar métodos que não desprezam o pluralismo e a identidade cultural dos povos. Por isso é preciso fazer uma distinção entre educação indígena e a educação escolar indígena.

A educação indígena é o processo com que cada povo transmite conhecimento (em língua nativa) para garantir a sobrevivência e a reprodução cultural. Não é uma educação dentro de quatro paredes como todos estão acostumados, mas uma educação cotidiana. Quando um pai indígena leva o filho para caçar ou coletar material de artesanato, a criança passa por um processo de transmissão cultural de valores, história e crenças.

Já a educação escolar indígena deve congregar tanto o conhecimento tradicional dos povos quanto a cultura técnica e científica da sociedade brasileira como um todo. Um choque entre as educações escolar e indígena se deu por conta da existência de concepções de mundo diferentes.

A educação escolar seguia modelos dominantes, num incentivo à acumulação de bens, à competição e ao individualismo, contrária aos processos pedagógicos dos povos indígenas, que enfatizam diferentes formas de organização social. Mas a educação escolar indígena deve servir como um instrumento a serviço da autonomia de cada povo, que deve decidir o que é uma escola verdadeiramente indígena. É difícil para o Ministério da Educação integrar ações de ensino indígena nos três níveis de aprendizado. Se a educação escolar indígena ainda é capenga, imagine a superior. Existem algumas poucas experiências em universidades com licenciaturas específicas para atender à demanda de estudantes indígenas por cursos superiores. Mas será que estes cursos podem ajudar a solucionar os problemas enfrentados pelos povos no cotidiano?

Como os índios têm dificuldades para ingressar em universidades públicas, eles estão buscando o ensino particular, e a Funai não dispõe de verba para atender à demanda. Só um sistema integrado de educação escolar indígena, desde a educação básica até a superior, poderá garantir os princípios da especificidade, diferenciação e autonomia, que respeite a diversidade cultural, lingüística e as pedagogias próprias dos povos indígenas.

Jorge Terena é sociólogo formado pela Universidade de Maryland (EUA), integrante do povo Terena (MS) e consultor etnoambiental da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira)

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