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Moradias sem o básico

O Globo, Economia, p. 31
18 de Out de 2012

Moradias sem o básico
Metade dos domicílios brasileiros são apertados ou não têm água, esgoto ou coleta de lixo

CÁSSIA ALMEIDA, FABIANA RIBEIRO
E LETÍCIA LINS
economia@oglobo.com.br

Rio e Recife A sexta maior economia do planeta ainda carrega mazelas do subdesenvolvimento. Apenas 52,5% dos domicílios brasileiros - ou cerca de 30 milhões - são considerados adequados pelo IBGE, de acordo com novos dados do Censo 2010, divulgados ontem. Falta o básico em mais 27 milhões de moradias - ondem vivem quase 105 milhões de pessoas.
- Os dados confirmam o que outras pesquisas já mostraram. Estamos melhor nesse sentido, mas há déficit ainda a ser resolvido, principalmente no saneamento - afirmou Wasmália Bivar, presidente do IBGE.
Para ter o status de moradia adequada, o domicílio precisa ter abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede geral ou fossa séptica, coleta de lixo direta ou indireta e, no máximo, dois moradores por dormitório. Já foi pior. Em 2000, a parcela das residências brasileiras que eram consideradas adequadas era de 43,9%.
situação é pior em lares com crianças
O IBGE destacou o baixo percentual de domicílios adequados onde viviam crianças de até 6 anos. Enquanto no total há 52,5% de domicílios adequados, nas residências onde moram crianças de zero a 6 anos, essa parcela cai para menos de 30%. E na região Norte não chega a 10%: são apenas 8,8%
Os domicílios sem acesso a qualquer um dos serviços básicos (água, esgosto e coleta de lixo) e que, ainda, tinham muitos moradores (acima de dois por dormitório) somam 2,1% do total (1,2 milhão).
O Censo 2010 é um retrato das desigualdades do país, afirma Tatiane Menezes, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na Região Norte, o percentual de lares adequados cai para 16,3% e no Nordeste, 35%. Na outra ponta, o Sudeste tem taxa de 68,9% de residências adequadas e o Sul, 59,35%.
- Esse cenário é um atestado da desigualdade do país. E mais: da pobreza. Afinal, as moradias sem estrutura afetam os pobres naturalmente. O crescimento da economia brasileira não resolveu o problema da concentração de renda. Melhoramos, é fato. Mas há muito o que melhorar - comentou ela.
A pernambucana Ilsa Maria da Silva, de 29 anos, mora em uma área de invasão desde os quatro anos no bairro do Hipódromo, Zona Norte de Recife. Ilsa tem seis filhos, com idades que variam de 2 a 14 anos. Os dois mais velhos moram com a avó, mas os quatro mais novos - entre 2 e 6 anos - vivem com ela num barraco com paredes de madeira, móveis velhos e abastecimento clandestino de água.
Embora tenha latrina, o barraco não possui esgoto. Todos os dejetos da casa são descartados por um cano até um canal que corta a avenida próxima ao barraco, o que gera proliferação de insetos na localidade.
- O canal está cada dia mais podre, e aqui na favela tem tudo quanto é bicho: barata, rato, escorpião e muriçoca (pernilongo). Os meninos vivem pinicado por causa dos insetos - reclama a moça, que fatura apenas R$ 180 por mês, debulhando feijão verde em uma feira próxima, três vezes por semana.
Quando se olha por raça, os brancos moram em domicílios melhores. São 63% contra 45,9% dos negros morando em casas consideradas adequadas. Em 2000, eram 53,9% e 34%, respectivamente.
Quanto menor a renda, menor a parcela de domicílios adequados: o rendimento médio dos domicílios adequados era de R$ 3.403,57, enquanto o dos inadequados era de R$ 732,27. Já a renda média dos lares semiadequados (que têm ao menos um dos serviços básicos ou no máximo dois moradores por domicílio) estava em R$ 1.616,23.
Paula da Silva Ferreira, de 59 anos, mora desde os 15 em Recife, para onde veio em busca de emprego. Como quase todo imigrante que sai da roça, ocupou um terreno à margem de uma avenida que corta quatro bairros da Zona Norte da capital. Casada ainda bem jovem, ergueu com o marido um barraco de papelão, zinco e pedaços velhos de madeira. Paula teve onze filhos que se criaram sem direito a água, esgoto nem casa de alvenaria. Mas, ao longo dos últimos 20 anos, a família foi melhorando de vida.
- Quando os filhos começaram a trabalhar, também investiram na casa. A última reforma tem dois anos: a residência hoje é de alvenaria, tem água encanada, luz elétrica, grades e até toldo na porta de entrada - contou ela, que ainda fez um pavimento superior interno, onde dorme sozinha com o neto.
A qualidade da moradia melhorou, mas ela não tem direito a saneamento, problema que atinge cerca de 70% dos domicílios recifenses.
Segundo a pesquisa, aumentou a presença de televisão, geladeira e máquina de lavar roupa mesmo nos domicílios totalmente inadequados. Porém, caiu a participação do rádio.

As casas são inadequadas, mas o transporte é feito de moto
Em 22,5% dos domicílios sem qualquer serviço básico, há o veículo

RIO e RECIFE - A moto tomou o lugar do carro nas casas que têm pouco acesso a serviços públicos. Há moto em 22,5% dos lares considerados inadequados: sem água ligada à rede geral, sem saneamento, sem coleta de lixo e com mais de dois moradores por dormitório. Houve queda de 20% no número de carros nesses lares, segundo o Censo 2010.
A família do gari pernambucano Eduardo Cristiano da Silva cuida com carinho de sua moto, guardada na pequena sala onde são feitas as refeições. Ele, a mulher, a dona de casa Elizângela Maria da Silva, e os três filhos só usam o veículo no fim de semana, como opção de lazer.
Durante a semana, Eduardo usa vale transporte. A moto consome 42% do orçamento mensal e será quitada em um ano - as prestações são de R$ 300.
O casal paga R$130 na prestação de uma TV de LCD de 32 polegadas. A casa, numa favela no bairro do Arruda, tem paredes de alvenaria e só uma torneira. Não tem saneamento, mas comporta ainda uma bicicleta, duas geladeiras, potente sistema de som e forno de microondas.
- A moto é Shineray, roubam essa marca demais. Saindo pouco com ela, ele está menos exposto - diz Elizângela.

O Globo, 18/10/2012, Economia, p. 31

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