VOLTAR

Momento de decisão no Protocolo de Cartagena

CB, Opinião, p. 13
12 de Mai de 2008

Momento de decisão no Protocolo de Cartagena

José Maria da Silveira
Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB)

Os 130 países signatários do Protocolo de Cartagena - entre eles o Brasil - se reunirão na Alemanha para discutir mecanismos de responsabilização e compensação por eventuais danos que o transporte de organismos vivos geneticamente modificados (OVMs) possa causar no país importador. O objetivo dos encontros bienais do protocolo é, justamente, definir regras e procedimentos internacionais para o transporte internacional de OVMs, que podem ser sementes, mudas ou microorganismos capazes de se reproduzir.
Ao tomar posições na Alemanha, o Brasil deve olhar para trás e relembrar a principal decisão do último encontro, realizado em Curitiba, em 2006. Naquele momento, o Brasil defendeu oficialmente a adoção do termo "contém OVM" para cargas de exportação destinadas à alimentação humana ou animal que contenham OVMs, sendo necessário relacionar todos os genes que foram inseridos no produto. Isso implica que, sendo tal posição aceita pelo encontro de signatários do protocolo, em 2012, toda carga precisará ser acompanhada de documentos que comprovem quais são as variedades transgênicas que compõem o carregamento, além de informações mais específicas. Países que não tenham mecanismos de rastreamento estruturados, como o Brasil, terão, a princípio, de implementá-los.
Para o Brasil, a discussão sobre o transporte da soja é a mais pertinente, já que o país é um dos maiores exportadores mundiais do produto.
As variedades transgênicas de soja tolerante a herbicida vêm se difundindo em praticamente todas as regiões produtivas, do Rio Grande do Sul, onde a taxa de adoção é superior a 90%, até estados como Piauí e Maranhão, passando por Paraná, em que os níveis de utilização já se aproximam de 50%.
Mecanismos de rastreamento capazes de identificar detalhes da carga transgênica possuem alto custo, além de, a longo prazo, poderem afetar o uso da tecnologia. Trabalho publicado no livro Gene revolution (Earthscan, 2007) mostrou que, em função das características da tecnologia dos transgênicos, sistemas rígidos de preservação de identidade e de identificação reduziriam a flexibilidade do uso da técnica e interfeririam em seu processo de difusão, tornando-a inviável justamente nas regiões mais dinâmicas da agricultura de grãos do Brasil.
Ao mesmo tempo, estima-se que um sistema completo de identificação e rastreabilidade de cargas elevaria o custo da soja em grão em até 6%, dependendo da região e da logística de transporte. Os custos aumentam ainda mais se o carregamento contar com mais de um transgene (gene transferido de um organismo para o outro). Portanto, sistemas de identificação muito exigentes tornariam cada vez mais custosas as novas tecnologias transgênicas que já estão difundidas nos Estados Unidos e nem sequer começaram a ser utilizadas aqui, como a soja com dois genes inseridos: o da tolerância a herbicida e o da resistente a insetos.
Ao estimar os impactos de sistemas de identificação de cargas sobre o mercado internacional de soja e derivados, uma dissertação de mestrado defendida na Esalq-USP por Débora Simões mostrou um resultado tão interessante quanto surpreendente: ao não assinarem o Protocolo de Cartagena (PC), Argentina e Estados Unidos são beneficiados com a adesão do Brasil ao tratado.
Além disso, mesmo que os dois concorrentes do Brasil decidam atender as exigências de identificação de cargas feitas pelos países compradores signatários do PC, estes também ganham com a adesão brasileira porque continuam tendo mais
flexibilidade na adoção das regras.
Portanto, ao assinar o PC e, depois, ao defender a expressão "contém OVM", o Brasil reduziu sua margem de manobra para negociar as condições de atendimento às exigências dos países compradores. Ou seja, ficou mais difícil indicar sistemas mais simples e viáveis de identificação de cargas. O trabalho de Débora Simões é mais uma evidência de que pagamos preço elevado por nossa incapacidade de pensar e executar estratégias que contemplem não somente a inserção atual do agronegócio brasileiro no cenário mundial, mas, também, a direção de nossos interesses de longo prazo.
Resta esperar que nessa nova rodada de negociações sobre a responsabilização por eventuais danos causados por OVMs tenhamos claro que ainda existem escolhas a serem feitas. E que é fundamental pensar no impacto sobre o futuro da agricultura quando definirmos a forma de aderir às exigências do Protocolo de Cartagena.

CB, 12/05/2008, Opinião, p. 13

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.