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Mogno Instrução normativa do Ibama permite a exploração predatória no entorno de áreas de preservação

O Paraense-Belém-PA
Autor: Roberto Simeraldi
10 de Jan de 2002

Novas medidas do Ibama podem piorar a devastação das florestas amazônicas e são contestadas por ambientalistas

As recentes instruções normativas do Ibama em relação a manejo florestal e mogno tiveram grande repercussão no Brasil e no exterior. No Pará, alguns interpretaram isso como uma nova restrição à atividade madeireira ilegal, outros pensaram que se tratasse do resultado de pressões ambientalistas. Ambas coisas estão incorretas. A matéria é delicada e a interpretação destas iniciativas deu lugar a muitos equívocos. Cabe observar que vários observadores, ongs e jornalistas circularam comentários que apontam para uma séria falta de compreensão do conteúdo das normas e do contexto em que elas foram tomadas. Nesse artigo, estamos tentando esclarecer algumas questões básicas e comentar os fatos que mais chamam a atenção nesse "imbroglio". 1- Em março de 2001, o Ministro de Meio Ambiente José Sarney Filho criou a Comissão Regional para o Licenciamento Ambiental na Amazônia. Tal comissão, com participação de ongs, setor privado (incluindo os madeireiros da Amazônia) e governos locais, visa envolver a sociedade na definição das regras de licenciamento. O órgão ambiental federal (Ibama) faz parte da Comissão, exercendo sua vice-presidência, enquanto a presidência é da Secretaria de Coordenação da Amazônia. A Comissão realizou várias discussões e fez vários encaminhamentos com o objetivo de facilitar a prática do manejo florestal sustentável. Mesmo com interesses tão diversos ali representados, a Comissão chegou à unanimidade sobre a maioria das questões discutidas. Mesmo participando, muitas vezes com seu Presidente, da Comissão, o Ibama até agora não deu seguimento aos encaminhamentos da mesma. 2- A Instrução Normativa n. 15, expedida em outubro de 2001, foi originada por uma tentativa da Comissão de sugerir formas de "desburocratizar" o manejo florestal. Contudo, o Ibama expediu uma norma que cria uma nova figura jurídica, chamada "plano de manejo em regime de certificação". É importante observar que esta nova modalidade não tem qualquer ligação com o entendimento comum da expressão "certificação florestal", isto é um processo independente para atestar a procedência da matéria prima de florestas manejadas de acordo com determinados critérios sociais e ambientais (no caso do Brasil, existem algumas florestas certificadas com o sistema FSC, o principal sistema existente no mundo até hoje; duas dessas, muito grandes, se encontram inclusive no Pará, a Juruá Florestal e a Cikel). 3- A mesma IN 15, paradoxalmente, estabelece uma norma que de fato desmonta o próprio conceito de manejo florestal sustentável: isto é, oferece a possibilidade - aos que conseguirem uma licença nesta nova modalidade - de cortar até um metro cúbico por espécie, por ano e por hectare, adicionalmente ao que já seria permitido no âmbito do manejo. Sendo que o manejo na Amazônia envolve normalmente entre 60 e 80 espécies, e que o volume permitido está na faixa de 25-30 metros cúbicos por hectare, isso cria a possibilidade de cortar até mais de 100 metros cúbicos por hectare por ano. Tal atividade não pode ser caracterizada mais como manejo, e sim como uma destruição da floresta parecida com os efeitos do corte raso. Cabe observar que - caso um detentor de plano de manejo com certificação verdadeira implementasse essa norma - imediatamente perderia a certificação FSC. A Comissão protestou unanimemente após a publicação desta norma, mas o Ibama até agora não respondeu. 4- Em dezembro, o Ibama expediu uma nova norma, que utiliza e expande a figura jurídica acima mencionada. O enfoque, dessa vez, são os planos de manejo que contêm a espécie mogno (Swietenia Macrophylla) e os que estão localizados nos entornos de unidades de conservação, como parques, reservas, etc.. O Ibama passa a considerar a modalidade "em regime de certificação" como a única aplicável nesses casos. Isto faz com que as áreas próximas de unidades de conservação e as do arco do mogno apenas possam ser exploradas com um sistema de exploração que leva à destruição quase total da floresta. 5- Algumas entidades - notadamente a Greenpeace - chegaram paradoxalmente a organizar o envio de mensagens parabenizando as autoridades brasileiras por ter tomado medidas de tamanho descalabro (!). Mensagens eletrônicas são circuladas internet afora comemorando o fato. Jornalistas ligam do exterior para conhecer os detalhes da nova medida "ambientalista" no Brasil. O fato de o FSC ter imediatamente circulado uma nota repudiando a medida - e explicando que ela vai exatamente contra os objetivos da certificação - passou despercebido. O Ibama chegou a comunicar a ambientalistas de Washington, DC (EUA) a convocação de uma reunião em Brasília para discutir os desdobramentos com organizações ambientais. 6- Após fortes críticas por parte de instituições como Amigos da Terra, WWF e Grupo de Trabalho Amazônico (rede de ongs da região) - além de uma carta ao Ministro Sarney por parte da Comissão Regional de Licenciamento Ambiental - o Presidente do Ibama anunciou (inclusive em conversa telefônica com o diretor de Amigos da Terra - Amazônia Brasileira) ter determinado que as medidas sejam retiradas e reformuladas, e pediu para as diretorias relevantes que submetam os textos ao exame da Comissão. Tal atitude do Presidente do Ibama é correta. Amigos da Terra - Amazônia Brasileira estará monitorando e vigiando o processo, de forma que ele seja de fato implementado, cancelando assim rapidamente este novo e grave equívoco na política florestal para a Amazônia. É curioso que tenhamos de ser nós, ambientalistas, a trabalhar para garantir que os empresários sérios do setor madeireiro possam trabalhar em paz e sem concorrência desleal.

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