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Modelo em xeque

Valor Econômico, Especial/Economia Verde, p. G1
28 de Abr de 2016

Modelo em xeque

Sergio Adeodato

Após o marco da Conferência do Clima (CoP-21) em dezembro, com o engajamento histórico para conter o aquecimento global em limites seguros, a assinatura do novo acordo por 171 nações, dia 22, em Nova York (EUA), deu a largada para investimentos de maior escala na economia de baixo carbono. Em ambiente regulatório e de exigências de mercado quanto à questão climática, "negócios que levam em conta seus impactos aos recursos do planeta e que tragam soluções para processos produtivos mais sustentáveis terão mais chances de sucesso", prevê Paulo Branco, vice-coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes), da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
Da reorganização de espaços urbanos à mitigação de carbono, eficiência energética, reciclagem e uso racional da água e da biodiversidade, setores empresariais se articulam em diversas frentes para rever estratégias, fazer contas e pressionar decisões do governo - inclusive para tornar factíveis os compromissos nacionais para a redução de gases do efeitoestufa, independentemente da conjuntura política e das dificuldades econômicas do país.
Em busca de oportunidades e de adequação a um novo cenário competitivo, "empresas e sociedade não podem perder as conquistas dos últimos anos no caminho da economia verde", adverte Branco. Para ele, há clara sinalização do acordo do clima sobre a urgência de mudanças na produção e consumo, tendência que se evidencia mais fortemente no setor energético, com reflexo na indústria automobilística, que rompe resistências e busca alternativas "zero-fóssil".
É crescente a demanda por transparência, inclusive quanto à origem de insumos e matérias-primas. Assim, conceitos como o de "rastreabilidade", "cadeia de valor" e "ciclo de vida" de produtos e serviços ganham espaço no mercado, juntamente a plataformas tecnológicas que aproximam produtores e consumidores com eliminação de intermediários, além da cultura "maker" - a produção customizada sob demanda, impulsionada, por exemplo, pelo boom das impressoras 3D. Surgem inovações que impactam diretamente os modais de logística e a gestão de estoques, aumentando a fluidez do capital e promovendo o consumo com menor desperdício. Em paralelo, o desafio de reduzir desigualdades faz proliferar os "negócios de impacto social" na saúde, educação e habitação.
"O que é restrição para uns pode ser oportunidade para outros na busca por atributos e soluções sustentáveis", afirma Branco, para quem, "além de mudanças de comportamento do mercado consumidor, são necessárias políticas para dar impulso ao processo, incorporando às contas empresariais os custos ambientais hoje pagos por toda a sociedade".
Aron Belinky, também do GVCes, coordenador do programa de desempenho e transparência, é taxativo: "Territórios mais inseguros e tensos sob o ponto de vista ambiental e social são menos favoráveis aos negócios". E quem não se mexer agora, diz ele, "perderá o jogo, porque o prazo climático está curto".
Também coordenador executivo do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da BM&F Bovespa, Belink afirma que investidores em todo o mundo atentam para o risco dos chamados "ativos encalhados" (stranded assets, no termo em inglês), referentes a capitais imobilizados que tendem a perder valor na busca por sustentabilidade. Usinas termelétricas ineficientes e o petróleo do pré-sal brasileiro são exemplos.
Recente estudo da Smith School of Enterprise and the Environment (SSEE), da Universidade de Oxford, indica que a perspectiva de riscos financeiros devidos às mudanças do clima deverá descolar capitais e promover a revisão de investimentos e ativos patrimoniais.
"A preocupação ainda está restrita a investidores de longo prazo", afirma Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas. No ano passado, no relatório "The Financial System We Need", a ONU enfatizou que o esforço global pelo desenvolvimento sustentável exige a redução de recursos para ativos que degradam o capital natural, já em declínio em 116 dos 140 países, "ameaçando os modelos de desenvolvimento e danificando irreversivelmente os sistemas de suporte à vida".
Atribuir preço ao carbono, mediante sistemas de taxação ou comércio de certificados de emissões, é visto como um dos principais mecanismos para a transferência de capital da velha para a nova economia. "As empresas precisam de indicações seguras para investimento na economia verde, bem como ferramentas de mercado que valorizem produto com esse diferencial", ressalta Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem e membro do comitê diretor da Carbon Pricing Leadership Coalition, liderada pelo Banco Mundial.
"O atual sistema de preços não representa a realidade dos impactos ambientais", diz Soto. A precificação de carbono cobre hoje 12% do PIB mundial. A meta é dobrar para 25% até 2020 e atingir 30% em 2030, segundo Soto.
"A reciclagem de investimentos é chave para a indústria fazer a reconversão tecnológica, mas isso passa por maior ambição dos compromissos climáticos e por políticas de governo", enfatiza Pedro Faria, diretor técnico do Carbon Disclosure Project (CDP), que abrange 830 bancos, seguradoras e investidores corporativos, totalizando mais de US$ 100 trilhões em ativos.
De acordo com Juliana Lopes, diretora do CDP para a América Latina, o aumento da demanda pelos "greenbonds" -títulos de dívidas para financiar soluções ambientais - retrata o ritmo dos aportes em tecnologias limpas. Em 2015 foram emitidos US$ 41,8 bilhões, o quádruplo de 2013, e a meta para 2016 é alcançar US$ 100 bilhões, segundo a Climate Bonds Iniciative.
O Brasil tem potencial para avançar e integrar o novo fluxo financeiro que se desenha globalmente. "Faremos um movimento coordenado com os setores produtivos para, ainda neste ano, iniciar o planejamento de como colocar em prática os compromissos do país", diz José Domingos Miguez, secretário de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Na análise de Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o desafio da economia verde "está à margem das prioridades nacionais e não é tratado de forma estratégica pelo governo". Ele conclui: "A solução da crise econômica e da climática passa pelo aproveitamento do potencial que temos em energias renováveis, agropecuária de baixo carbono e uso da biodiversidade, e cabe à sociedade brasileira colocar essa agenda adiante".
Uma fronteira é o aproveitamento das florestas como fonte de matéria-prima renovável e sumidouro de carbono capturado da atmosfera. "A base tecnológica da restauração florestal em larga escala com espécies nativas precisa ser concebida via articulação entre iniciativa privada, governo, ONGs e academia", diz Roberto Waack, membro da Coalizão

Agenda internacional dá o tom às companhias

Sergio Adeodato

O movimento de transição para a economia verde tem como referência os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), lançados em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU) a partir de um processo participativo de construção global, reunindo 169 metas que abordam temas sociais, ambientais, econômicos e institucionais para 2030.
"A iniciativa, somada ao novo acordo climático, orienta a agenda internacional e os caminhos que serão seguidos pelas empresas", revela Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
Com prioridade na erradicação da pobreza, estão previstas variadas ações que vão da segurança alimentar, à saúde, educação, redução das desigualdades e padrões sustentáveis de produção e consumo, além do crescimento econômico inclusivo.
O enfrentamento das mudanças climáticas, incluído entre os itens ambientais, é transversal a vários objetivos sociais e econômicos. "O papel da iniciativa privada é citado cerca de 40 vezes nos ODS", diz Grossi, ao lembrar que nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vigoraram de 2000 a 2015, só havia duas referências à contribuição empresarial.
"A principal discussão no momento está na necessidade de novas tecnologias, porque a agenda climática e do desenvolvimento sustentável alteram a lógica do mercado e as soluções verdes precisam se tornar mais competitivas", analisa a executiva. Para ela, o setor empresarial e a sociedade já atingiram maturidade para essa transição, efetivada a partir do diálogo e união de forças em coligações que abrangem diferentes setores. "O desafio atual é planejamento para a economia verde ser incorporada", afirma.
No campo da energia, o compromisso brasileiro na Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC) para o acordo de Paris estabelece a meta de melhoria de eficiência elétrica de 10% até 2030. Porém, mediante ações empresariais e políticas públicas, o potencial de aumento poderia ser de 20% no mesmo período, segundo estudo apresentado pelo Cebds no Conselho de Líderes - fórum criado pela instituição para o desenvolvimento de planos conjuntos de trabalho entre iniciativa privada e governo.
Outra pesquisa aponta a necessidade de se criar normas e mecanismos financeiros para o alcance de maior escala em tecnologias de energia renovável.
A iniciativa Parcerias de Tecnologia de Baixo Carbono (LCTPi, na sigla em inglês), lançada em 2015 pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, identificou a existência de soluções de negócio que poderão mobilizar US$ 5 trilhões a US$ 10 trilhões em investimentos para os setores de baixo carbono e gerar de 20 a 45 mil postos de trabalho por ano, com capacidade de viabilizar 65% da redução de emissões proposta pelos países no acordo do clima.
A Organização das Nações Unidas estima a necessidade de US$ 5 trilhões a US$ 7 trilhões por ano até 2030 para investimento nas metas do desenvolvimento sustentável, de forma a gerar inovações e mudar padrões. "A economia verde busca melhoria de eficiência e gera oportunidades, com o aproveitamento de vantagens competitivas", diz Beatriz Carneiro, secretária executiva da Rede Brasil do Pacto Global, ressaltando que o acordo climático turbinará o processo de transição.
A organização, ligada às Nações Unidas, elabora indicadores destinados ao monitoramento dos ODS pelas empresas e desenvolve projeto em Piracicaba (SP) para a difusão de conhecimento sobre como reduzir perdas hídricas nos sistemas públicos de abastecimento.

Valor Econômico, 28/04/2016, Especial/Economia Verde, p. G1

http://www.valor.com.br/brasil/4541559/modelo-em-xeque#

http://www.valor.com.br/brasil/4541561/agenda-internacional-da-o-tom-co…

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