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Modelo de saneamento que deu certo no Juruá será estendido a dez outras reservas da Amazônia

ICMBio - www.icmbio.gov.br
Autor: Carla Lisboa
29 de Jul de 2009

A comunidade de São Raimundo, localizada na Reserva Extrativista (Resex) do Médio Juruá, adotou recentemente o uso do banheiro com vaso sanitário e chuveiro, bem como o hábito de beber água potável. É a primeira vez que uma comunidade extrativista do Amazonas consegue instalar, com sucesso, uma infraestrutura de saneamento básico na região. A novidade é que, além da participação ativa nas decisões sobre a estrutura a ser implantada e na gestão do sistema de saneamento, os comunitários foram capacitados para manter e monitorar a qualidade da água e efetuar a coleta das fezes das crianças para análise laboratorial a fim de acompanhar a efetividade do saneamento por meio do índice de contaminação por parasitas nas crianças.

Moradores aprenderam ainda a transformar o lixo orgânico em adubo e a depositar em aterro sanitário o lixo inorgânico. O projeto incluiu também orientações sobre educação sanitária. É a primeira vez também que uma comunidade extrativista escolhe, delibera e atua na construção e na implantação de um projeto que contempla o saneamento em todas as suas formas. "Não só abastecimento de água, mas também esgoto e lixo e, ainda, na educação sanitária e treinamento em manutenção e monitoramento do sistema", afirma a chefe substituta da Resex, Paula Pinheiro.

Apesar de o modelo adotado ser ainda considerado anacrônico se comparado aos padrões de desenvolvimento das regiões ricas das grandes cidades, o sistema melhorou as condições de vida das 130 pessoas que residem na comunidade de São Raimundo. A infraestrutura implantada foi tão bem-sucedida que será expandida para mais dez comunidades extrativistas. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari, uma unidade de conservação estadual, no Pará, será a próxima a receber o benefício, já em 2010. Com isso, cerca de 290 famílias terão acesso ao saneamento básico.

DOENÇAS - Até o ano passado, a comunidade de São Raimundo não tinha acesso a nenhum tipo de saneamento básico, a não ser um poço artesiano, instalado, em 2007, em local inadequado. A população convivia com a alta incidência de doenças adquiridas pelo uso de água contaminada e com a elevada taxa de mortalidade infantil. O novo sistema introduziu novos conceitos sobre os cuidados com a água e modificou um cenário que remetia a quatro séculos atrás.

Na época de seca, a comunidade consumia água quente e com gosto de ferro do lago, imprópria para uso. Na época de cheia do rio Juruá, época das chuvas, bebia água da chuva de um riacho no interior da mata (igarapé). O lixo era queimado ou enterrado e não havia esgoto. As necessidades fisiológicas eram feitas a céu aberto, sobre troncos caídos, nas proximidades das residências ou nas casas de madeira, construídas como fossas secas.

Todas as tentativas do governo de implantar saneamento nessas regiões não deram certo. "Os fracassos foram resultado de instalações inadequadas, sem treinamento das pessoas para gerir o sistema e, quando algo quebrava, ficavam dependendo da ida do governo no local para consertar. Além disso, apenas contemplavam água e esgoto e não previam tratamento e disposição correta do lixo", explica Paula, subchefe da Resex.

PARCERIA - Financiado pela Petrobras ao custo de R$ 80 mil, o projeto surgiu a partir de uma parceria entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o engenheiro civil e professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Silveira Bernardes. Coordenador geral do projeto, o professor Bernardes conta que as condições de vida da população antes da implantação da infra-estrutura de saneamento eram tão atrasadas que as 20 famílias da comunidade tinham problemas sérios de saúde adquiridos por meio da água usada para beber, para cozinhar e para tomar banho.

"Era uma comunidade que vivia em séculos de atraso, com características anteriores às do século XVII. A falta de higiene em função da inexistência de saneamento era tão grave que várias crianças tinham sarna na face e todas, sem exceção, eram portadoras de quatro a cinco tipos de parasitose intestinal. Sem banheiro, as mulheres também eram doentes. Agora, com o saneamento, digamos que ela foi tansportada para o século XIX", afirma o professor da UnB.

QUALIDADE DE VIDA - Bernardes diz isso porque ainda falta muito para que a comunidade passe a usufruir dos benefícios do saneamento, educação, saúde, dentre outras políticas públicas. Ele compara a qualidade da água como semelhante à de "um vaso sanitário de um estádio de futebol em dia de jogo, como, por exemplo, a do banheiro do estádio Mané Garrincha, em Brasília", garante. Segundo ele, "a melhoria da qualidade de vida é evidente, mas falta fluoretar a água", acrescenta.

"A mudança deve ser gradual numa região como essa em que as relações são complexas, culturas e crenças diferentes e onde a população rural nunca teve acesso a saneamento básico", explica o professor da UnB. Segundo ele, atualmente 20% da população rural brasileira, entre 30 e 40 milhões de habitantes, não tem acesso ao saneamento. "É praticamente zero de saneamento. Um país como Portugal da época de Dom João VI já contava com sistema coletivo de água no século 17", afirma Bernardes.

Paula Pinheiro ressalta que ao fim do sexto mês de implantação da estrutura de saneamento, constatou-se uma redução de 80% de parasitose nas crianças. "Não é exagero. Em alguns casos os pais contam que as crianças aumentaram de peso", declara a analista do ICMBio. Outro aspecto interessante da implantação de saneamento básico em São Raimundo foi a contrapartida da comunidade para viabilizar o projeto.

PARTICIPAÇÃO - Paula Pinheiro diz que como o edital era de apenas R$ 80 mil e a estrutura de saneamento é de alto custo, bem como sua implantação, a comunidade ofereceu toda a mão-de-obra para construção dos banheiros, pias, tanques e estrutura para colocar as caixas d'água. "Isso foi fundamental para que eles tomassem o projeto para si e dessem valor ao que construíram", garante. Ela disse ainda que "a Petrobras gostou tanto do projeto e dos seus resultados que vai financiar a implantação do saneamento em mais dez comunidades da Resex do Médio Juruá e entorno, incluindo aí a RDS Uacari, uma unidade de conservação estadual.

No plano de expansão do saneamento para a região, o desafio dos executores do projeto é a implantação na região de várzea, uma vez que metade do ano a área fica alagada por causa da cheia do rio Juruá. A implantação do saneamento básico em São Raimundo foi proposta pela Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), em parceria com o Conselho Nacional dos Seringueiros, Associação de Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo e com a Prefeitura de Carauari. A Asproc é a associação que pediu a criação da Resex, em 1997.

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