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Mistério cerca as toneladas de lixo importadas da Inglaterra

OESP, Metrópole, p. C6
18 de Jul de 2009

Mistério cerca as toneladas de lixo importadas da Inglaterra
Autoridades ainda não sabem como o material tóxico veio parar no porto de Santos

Adriana Carranca e Rejane Lima

Entre as 680 toneladas de lixo despachadas em 25 contêineres da Inglaterra para o Porto de Santos, uma sacola plástica do supermercado britânico Morrisons avisa: "Reutilizar sacolas ajuda a proteger o meio ambiente." O que os ambientalmente conscientes consumidores ingleses não sabiam é que, ao virar lixo, a correta sacolinha teria como destino o Brasil e viraria crime ambiental. Com as sacolinhas, encontradas ontem durante vistoria do Ibama, estão embalagens usadas no transporte de produtos químicos industriais, como da empresa britânica Albion Chemicals, bombonas plásticas para transporte de corrosivos, óleo queimado, tinta, cápsulas de gás e muito lixo eletrônico - entre os quais, ironicamente, centenas de DVDs com um documentário sobre o rápido processo de mudança climática, de 2008.

Os contêineres vieram dos portos ingleses de Tilbury e Felixstowe e estavam abandonados desde novembro no terminal Localfrio, no Guarujá, despachados pelas empresas exportadoras Worldwide Biorecyclabes Ltda. e UK Multiplas Recycling Ltda.. A carga, transportada pela multinacional de navios MSC, entrou ilegalmente no País, declarada pela importadora brasileira Bes, de Bento Gonçalves (RS), como "polímeros de etileno" (plástico reciclável). Segundo uma fonte do Ibama, a Polícia Federal investiga a destinação de outras 500 toneladas importadas pela mesma empresa, a Bes.

A constatação: na maior porta de entrada e saída de produtos no Brasil, o Porto de Santos, não há fiscais suficientes do Ibama para vistoriar cargas que podem ter impacto no meio ambiente. A equipe local, com apenas cinco fiscais para assuntos tão complexos em toda a região como a proteção da mata atlântica e da biodiversidade marítima, não atua nos contêineres com mercadorias importadas - como nos 41 já localizados, contendo 970 toneladas de lixo tóxico vindas da Inglaterra.

Na exportação, os fiscais só atuam quando solicitados. E isso, quando aquilo que está declarado é fiel ao que está sendo transportado. Não foi o caso do que ocorreu com o lixo. "As empresas declaram uma coisa, mas transportam outra. Esse lixo impressiona e preocupa porque é só a ponta do iceberg. Sem fiscalização, você imagina quanta lixo já deve ter passado por esse porto", desabafa o chefe de fiscalização do Ibama no Estado, Antonio Ganme.

"Todos os órgãos fiscalizadores no Brasil são deficitários", diz Ganme. Segundo ele, o Ibama tem apenas 46 fiscais para identificar e acompanhar todos os crimes ambientais no Estado. "Trabalhamos com planos para a proteção de áreas mais importantes como a mata atlântica, corpos d?água e projetos industriais de maior impacto. Fora esses setores, corremos atrás de denúncias."

MULTA

A Bes e a MSC foram multadas em R$ 155 mil cada uma. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente do Guarujá pretende notificar também o terminal e entrar com pedido juntamente ao Ministério Público para acelerar o envio da carga de volta para a Inglaterra. Já visivelmente se decompondo, o lixo forma um fedorento e tóxico chorume a escapar pelas beiradas dos contêineres. O Ibama recolheu amostras do material para análise, mas já adiantou que são resíduos "altamente perigosos", segundo Ganme. "O óleo hidrocarboneto é tóxico e, nesse local, próximo do Porto de Santos, pode chegar à água e afetar a biodiversidade local", disse. "A degradação disso demoraria gerações. E causaria impacto na biodiversidade."

"Exportar produtos nocivos ao meio ambiente sem a autorização do órgão fiscalizador é crime, passível de prisão", diz Ingrid Maria Furlan Oberg, chefe do Ibama em Santos. A exportação de lixo doméstico para o Brasil viola a Resolução 23 do Conama e a Convenção Internacional da Basileia, da qual o país é signatário. "Queremos que esse lixo volte o mais rápido possível para a Inglaterra", diz Ingrid. As empresas serão notificadas para transportar o material de volta dentro de dez dias. "Despachar lixo doméstico para o Brasil é crime e os responsáveis podem receber até mesmo pena de prisão."

Em Santos, outros 16 contêineres com 293 toneladas de lixo haviam sido descobertos no dia 6. Com mais essa descoberta, já chegam a 89 os contêineres de lixo inglês despachados para o Brasil. No Rio Grande do Sul, o prazo inicial estabelecido para a retirada do lixo terminou. As empresas entraram em contato com o Ibama e se prontificaram a fazer o transporte de volta, o que ainda não ocorreu pela necessidade de estabelecer os inúmeros procedimentos, até internacionais.

Ontem, representantes da empresa gaúcha responsável pela importação de 64 contêineres se reuniram com fiscais da Receita, na Alfândega do Porto do Rio Grande. "Eles disseram que não tinham conhecimento da natureza da carga, que foram enganados e pretendiam importar plástico para reciclagem", afirmou o auditor fiscal Rolf Abel. O fiscal explicou que, no âmbito administrativo, a penalidade aplicada no caso é a perda da mercadoria e completa que a reunião serviu também para formalizar uma autorização para a devolução da carga.

As empresas importadoras Estefenon e Alfatech receberam multa ambiental de R$ 408,8 mil cada uma, assim como a Fox Cargo, que atua como consolidador intermediário da empresa Safco, ambas autuadas. Os transportadores MSC Mediterranean Shipping do Brasil Ltda e MaersK Brasil Brasmar Ltda também receberam multa de igual valor.

Ibama pede ação do Itamaraty: ''Aqui não é lixeira do mundo''

Na segunda-feira, o Ibama vai encaminhar ofício, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, para o Ministério das Relações Exteriores para comunicar sobre os episódios e pedir o agendamento de uma reunião. A ideia é solicitar que o Itamaraty avalie as medidas diplomáticas cabíveis. ''Definitivamente, o Brasil não é lixeira do mundo'', disse o presidente do Ibama, Messias Franco, em nota publicada no site do órgão em que reclama da situação.

OESP, 18/07/2009, Metrópole, p. C6

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