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Missionários indigenistas estão "marcos para morrer" em Mato Grosso

24 horas news
Autor: Edilson Almeida
12 de Fev de 2007

Pelo menos seis missionários que atuam na defesa das causas indígenas em Mato Grosso, particularmente na luta pela terra, estão marcados para morrer. São eles: Sebastião Carlos Moreira, o Tião do Cimi”; padre Balduíno Loebens, mestre Mário, e padre Felício. A denúncia consta da revista Sina”, lançada na última sexta-feira. Editada pelo jornalista Mário Hashimoto, a matéria que trata especificamente dos riscos de vida que sofrem aqueles com maior envergadura que se dedicam à causa indígena é assinada pelo jornalista João Negrão. Poucas vezes uma lista tão grande de pessoas com cabeça a prêmio surgiu em tão pouco tempo” – escreveu o jornalista.

O motivo, segundo analisam para a revista, é a sensação de impunidade gerada após a absolvição dos acusados de assassinar o jesuíta Vicente Cañas. Não seria uma coincidência que as ameaças se intensificaram logo depois do julgamento do último acusado, finalizado em 9 de novembro do ano passado. A revista Sina” lembra que Tião do Cimi vinha sofrendo ameaças desde antes do julgamento, do qual foi testemunha e um dos responsáveis pela reabertura do processo.

Durante o julgamento, as ameaças contra Tião aumentaram” – acrescenta Sina”. Recados davam conta de que sua cabeça estava prometida independente do resultado do júri. ''Na última etapa do júri, um índio Rikbaktsa informou que ele não podia nem pensar em aparecer em Juína que lá já tinha um pistoleiro pago para fazer o serviço'' - relata uma missionária que não quis que fosse identificada. João Negrão diz que manteve, a rigor, todas as fontes do levantamento em sigilo porque todos temem a inclusão na lista dos marcados para morrer.

A revista destaca ainda que o padre Balduino Loebens, jesuíta, mora com os Rikbaktsa, na região de Juruena. Ele atua em Mato Grosso há mais de 40 anos e, ao longo desse tempo, já esteve perto da morte por duas vezes. Em ambas foi vítima de prisão arbitrária e espancamento por policiais a mando de fazendeiros. Os episódios ocorreram na década de 80. O primeiro aconteceu em Juína, onde foi acusado de apoiar trabalhadores rurais sem-terra. O segundo ocorreu em Juruena, acusado pelos fazendeiros de armar os índios que tentaram retomar uma área invadida por grileiros. Agora as ameaças pesam por conta do julgamento dos acusados de matar Vicente Cañas. Padre Balduino é uma das testemunhas, mas resolveu não participar do julgamento por causa das ameaças. ''Caso abrisse a boca seria morto imediatamente'', contou uma fonte.

Outro caso envolve a irmã Lourdes Christ, 61 anos, natural de Santa Catarina, membro da congregação Fraternidade e Esperança, da Igreja Católica. Ela atua com os índios Arara, em Aripuanã, há cerca de 30 anos, desde os primeiros contatos com aquela comunidade indígena, no final da década de 70. Segundo a revista, Lourdes vem tendo desde então dificuldades com fazendeiros e madeireiros na região, que constantemente ameaçam invadir as terras dos Arara. Nos últimos anos, a situação ficou mais tensa e, há dois meses, a irmã Lourdes teve que abandonar a área sob forte investida dos madeireiros que, impunemente, invadem o território indígena para extrair madeira. ''Ela teve que sair da região, escondida à noite, por que sua cabeça, conforme anunciaram, já havia sido entregue aos pistoleiros'', informou outra fonte.

Isidoro Salomão é um padre diocesano que trabalha com os índios Chiquitano, etnia que ocupa tradicionalmente a área de fronteira de Mato Grosso com a Bolívia. Ao longo dos anos essas comunidades foram sendo expulsas de suas terras e por muito tempo não eram considerados pelos ''brancos'' sequer como índios: eram chamados de ''bolivianos'' ou ''bugres''. Graças à resistência dos índios e o apoio dos missionários, a Funai já identificou a Terra Indígena Portal do Encantado e a Justiça Federal está num processo de reconhecimento de suas terras e já determinou que Vila Nova Barbecho pode ocupar a fazenda para a sua sobrevivência, por exemplo. A partir de então, as ameaças se acirraram e o padre Salomão não teve mais sossego. Volta e meia é alvo de ameaças e abordagens violentas.

Também por causa dos Chiquitano, o padre jesuíta Felício Fritsch é outro que figura na lista macabra, segundo a revista Sina”. Ele trabalha com os índios de modo geral em Mato Grosso, num trabalho sem fronteiras. Iniciou com os Nambikwara, no Vale do Guaporé, e depois focou mais com os Kayabi, no rio dos Peixes. No ano passado foi levar duas pessoas da Pastoral da Criança Indígena à aldeia Santa Aparecida, no município de Vila Bela da Santíssima Trindade. A área da aldeia foi invadida por uma fazendeira e lá os índios Chiquitano vivem praticamente sitiados e sob constante ameaça. A visita do padre Felício foi interpretada pela fazendeira como uma organização de resistência e, quando almoçava com os caciques, a mulher chegou com pistoleiros e expulsou o jesuíta de lá. ''Dias depois, a polícia foi à fazenda, prendeu a fazendeira e apreendeu várias armas'', contou uma terceira fonte.

Mestre Mário Bordignon é religioso salesiano, que trabalha com os índios Bororo em Mato Grosso há quase 30 anos. Ajuda na implantação de projetos de agricultura e alternativas de produção. Atualmente ele desenvolve atividades nas aldeias para dotar as comunidades com infra-estrutura de saneamento básico, especialmente a captação de água potável. Como a maioria das comunidades fica ilhada por plantações de soja, os recursos naturais de água estão praticamente todos contaminados por agrotóxicos. O trabalho dele, junto com outros mestres salesianos, vai desde a perfuração de poços artesianos até a fabricação de bombas d'água. Nesses contatos permanentes com os Bororo, mestre Mário acompanha o drama das comunidades, sempre ameaçadas pelos interesses de fazendeiros e grileiros.

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