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Ministro do Meio Ambiente admite que ações contra a devastação marinha ainda estão longe do ideal

Correio Braziliense - www.correiobraziliense.com.br
Autor: Leonardo Cavalcanti
11 de Mai de 2009

As referências diretas à degradação do mar brasileiro, durante a cerimônia de posse do carioca Carlos Minc no Ministério do Meio Ambiente, resumiram-se a brincadeiras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Explica-se. Em maio do ano passado, em uma das analogias para comparar o novo integrante da Esplanada com Marina Silva - que naquele momento deixava o governo -, Lula disse: "Você (Minc) e a Marina militaram muito tempo juntos. Só que um levantando de manhã, abrindo a janela e vendo a floresta do Acre. E o outro, vendo a Praia de Copacabana. As duas precisam ser preservadas, a Praia de Copacabana e a Floresta Amazônica." Daqui a 16 dias, o ativista e deputado estadual do Rio de Janeiro Carlos Minc completa o primeiro aniversário à frente do Ministério do Meio Ambiente e admite dificuldades iniciais com o tema marinho e os 8.000km de costa. "Eu não tinha uma dimensão do oceano brasileiro como um todo, toda a imensidão da costa, de todo nosso mar, das espécies. Mas rapidamente eu não só incorporei como me contagiei (pelo tema)", disse Minc ao Correio.

Ao longo da última semana, o jornal publicou uma série inédita de oito reportagens sobre a devastação marinha. Nesta entrevista, que teve como único tema a destruição do oceano, Minc reforçou a ideia de aumentar o percentual de reservas marinhas - hoje, menos de 0,5% do mar brasileiro é protegido por alguma legislação. A meta do ministro é ampliar em 20 vezes esse número em 10 anos.

Ao fazer o balanço do primeiro aniversário, Minc citou a publicação de um decreto definindo o mar brasileiro como um santuário de baleias e golfinhos e o estímulo a pesquisas para avaliar a sensibilidade do oceano ao óleo. Minc revelou a intenção do governo de simplificar a implantação de arrecifes artificiais para aumentar a concentração de peixes na costa e estimular o turismo praticado por mergulhadores recreativos. Durante a entrevista, voltou a atacar a destruição provocada pelos usineiros na região costeira e defendeu a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, criticada por integrantes do Ibama e do próprio Ministério do Meio Ambiente.

Sem tempo a perder

O governo federal dá a devida atenção ao litoral brasileiro?
Eu acho que sempre pode dar muito mais, está longe do ideal. Eu completo, no próximo dia 27, o primeiro ano no governo. E nós tomamos algumas posições em relação ao mar. Conseguimos e fizemos pesquisas com as universidades relacionadas à sensibilidade do mar ao óleo, em pontos do costa, segundo as características do litoral, dos peixes, das tartarugas, da reprodução, dos manguezais, qual o impacto do óleo derramado em cada ponto do litoral.

E qual a consequência desse estudo?
São vários atlas que a gente publicou, o de São Paulo e o do Rio. Estamos fechando o da Bahia, e, até o fim do ano, estará pronto o do Brasil inteiro. Os dados mostram as áreas em que não podem haver portos e refinarias, prospecção de petróleo. Os cuidados que se deve tomar, qual a direção do vento, onde estão os viveiros de peixes, de tartarugas, tudo que deve ser protegido antes de qualquer acidente.

Mas os riscos continuam existindo.
É impossível ter risco zero. Vou dar um exemplo concreto. Existe um terminal importante da Petrobras em frente à Ilha Grande. Se esse estudo estivesse em vigor, esse terminal nunca seria feito naquele local. Eu me lembro que uma das minhas primeiras ações como deputado estadual foi pedir o embargo dele ainda no fim dos anos 1980.

Por que o mar é tão desprotegido?
Enquanto as unidades de terra no Brasil têm proteção de aproximadamente 25%, o nosso mar territorial tem 0,5% de áreas protegidas, o que é ridículo, é muito pouco. Então, a gente tem uma meta de chegar, em oito anos, a 10% de áreas protegidas dentro do mar. Essa definição foi tomada ainda no ano passado.

O senhor já sabia do número mínimo de áreas protegidas quando chegou ao ministério?
Passados dois meses de reuniões que eu fiz com o Instituto Chico Mendes e com a minha Secretaria de Biodiversidade e Floresta, eu disse: "Vamos criar novas unidades de conservação". Aí a gente começou a ver as áreas mais importantes, a caatinga, o cerrado, que tem um percentual de área protegida muito pequeno. Eu perguntei, naturalmente, sobre a questão do mar e eles me deram essas informações (sobre o tamanho das áreas protegidas). E aí pedi que eles apresentassem os estudos. Minha função é batalhar no governo, tourear no Ministério de Minas e Energia, na Petrobras, aparar as arestas e avançar. As próximas duas unidades de conservação que eu devo criar têm parte no mar. Uma é no sul da Bahia, perto de Ilhéus, e outra é no Ceará, em Campo Verde, que é uma reserva grande, que vai ter 90% da sua área marítima. Teve um ato importante também. Um decreto do presidente Lula tornando todo o litoral brasileiro um santuário de golfinhos e baleias. Na verdade, a caça da baleia já é proibida há algum tempo. Mas, ao tornar o nosso litoral um santuário, o passo seguinte é fazer o mesmo em todo o Atlântico Sul. Estamos em negociação com outros países.

O senhor tem uma proposta para ampliar os recifes artificiais.
Tem um ato que estou sancionando no fim do mês que simplifica a questão dos recifes artificiais. Eu fui um daqueles que jogava, nos anos 1980, recifes artificiais para diminuir a pesca predatória, de arrastão, para evitar a depredação marinha. O cara capturava até o neto da lagosta. Em tese, os recifes artificiais poderiam ser um atrativo para o pescador capturar mais. Mas se criou tantas restrições, então você tem mais pesca predatória. Esse ato vai simplificar a colocação de recifes artificiais, inclusive barcos, com limpeza adequada. Mas tudo com orientação do Ibama, se não qualquer um joga barcos em qualquer lado.

E a pesca predatória, como é possível combatê-la?
A gente triplicou o combate à pesca predatória, principalmente no Rio Grande do Norte, capturando barcos, que estavam fazendo a pesca predatória da lagosta. Eles usam fios de aço e, inclusive, arrastam o coral.

Em julho do ano passado, o senhor criticou de forma muito dura os usineiros pernambucanos. O senhor disse: "Os usineiros de Pernambuco são o pior exemplo do país"
É verdade. No estado, só restaram 3,5% da Mata Atlântica, quando a média nacional, que é um horror, é de 8%. Então, isso acabava sendo um terço de quase nada.

O senhor continua com a mesma opinião sobre os usineiros?
Discutimos com usineiros e com órgãos ambientais para fazer um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) e colocar prazo para que eles (os usineiros) cumpram, fiscalizando todas as vezes que eles descumprem regras como, por exemplo, o afastamento em relação aos rios, a queima desautorizada, a devastação das APPs (Áreas de Proteção Permanente). Eles fazem todas as lambanças possíveis e imaginárias, metem fogo em tudo, plantam cana até dentro do rio, não têm licenças, não preservam os 100% de reserva legal. E nós continuamos multando. Mas temos conversado e eles aceitam recompor reserva legal. A nossa expectativa é que até o fim de julho esse TAC seja assinado sob pena de execução, um TAC judicial, dentro do processo judicial de crime ambiental. Se eles descumprem aquilo, podem ter embargos e multas.

O senhor tem uma batalha grande com o Ministério da Agricultura… Várias.

Com o aumento da atenção do Ministério do Meio Ambiente aos oceanos, o senhor vai acabar também com embates com o futuro Ministério da Pesca, se seguirmos a mesma lógica?
Não obrigatoriamente. Primeiro, eu tenho uma relação muito forte com o Gregolin (Altemir Gregolin, da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca), inclusive na discussão do ministério, tinha toda a questão de quem fiscaliza o sobrexplotado (espécies capturadas além do ponto em que se permite a reprodução). Eu fiz um acordo com o Gregolin, até porque eles dependiam da gente sobre várias coisas do Ministério da Pesca, algumas coisas estavam com a antiga secretaria, outras com o Ibama. Enfim, não era fácil aprovar, a primeira medida provisória foi rejeitada. Teve várias tensões. O presidente Lula quer dobrar o pescado em cinco anos. Isso seria em 90% com aquicultura principalmente em barragens e 10% em captura, porque hoje em dia várias espécies estão sobrexplotadas. E, com isso, é uma forma de você produzir um alimento mais barato, fresco, colocar proteína na mesa do trabalhador e ao mesmo tempo diminuir a pressão sobre as espécies sobrexplotadas. Você criar peixe em cativeiro, em rio, em represa, em barragem, em lago, é que nem criar gado em pasto. Você não está ameaçando aquelas espécies que estão soltas no meio ambiente. Por outro lado, a base principal do Ministério da Pesca é o pescador artesanal. E quando você cria essas reservas extrativistas, cria melhores condições para os pescadores artesanais. A gente acha que a pesca não predatória, a pesca orientada, com defeso direito, com a rede correta, com o apoio ao pescador em atividades complementares, é uma questão que combina a defesa do meio ambiente com o lado social. Tem outra questão com os grandes armadores em algumas áreas que vão ser interditadas à pesca, mas não obrigatoriamente com o Ministério da Pesca.

O senhor já imaginou um Ministério da Caça, para as espécies terrestres? A questão é: um Ministério da Pesca é mesmo necessário?
Eu não vejo dessa forma. Ser secretaria ou ser ministério não significa uma política mais sustentável ou mais predatória. Não é o status que diz se a política vai ser predatória ou não. O único acordo que temos, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria da Pesca, é pelo lado da psicultura. Então, realmente, você colocar milhares de toneladas de peixe fresco, barato na mesa do trabalhador é um esforço notável.

Quais as áreas de conflito, então?
Acho que pode haver (conflito) na área de Minas e Energia, que é a questão do petróleo. Mas a gente também tem uma discussão boa com a Petrobras.

No discurso de posse, o senhor não chegou a citar de uma forma específica a proteção dos oceanos.
A minha experiência política foi ser deputado estadual pelo Rio de Janeiro durante 20 anos. Eu fiz muitas leis, entre as quais de educação ambiental, a lei de recursos hídricos é minha, a lei do tratamento de esgoto antes do lançamento nos portos receptores, a lei de proteção das lagoas é minha. Eu fiz uma lei em defesa dos pescadores que garante às populações ribeirinhas e tradicionais, que estão há mais de 50 anos dentro do unidades de conservação, o direito de lá permanecerem desde que protejam a área. Eu fiz várias ações como secretário estadual de Meio Ambiente do Rio contra a pesca predatória. Sou uma pessoa ligada a rio, a lagoa, à Ilha Grande, a pescador, ao combate da pesca predatória. Tenho preocupações. Agora, como deputado estadual e secretário estadual, eu não tinha uma dimensão do oceano brasileiro como um todo. Mas rapidamente eu não só incorporei, como me contagiei. Agora, estou incorporando além da dimensão amazônica, que ocupa boa parte do meu cerebelo e do meu tempo. Tenho que incorporar essa imensidão da amazônia Azul, que é esse mar todo. Esse mar está muito mais descoberto, muito menos protegido, muito menos vigiado, muito menos falado do que a amazônia.

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