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Ministro da Justiça vai ampliar terra dos Yawanawá

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Romerito Aquino
18 de Mar de 2004

Índios recebem garantia de Márcio Thomaz Bastos para recuperar áreas de pesca, de caça e das cabeceiras de rios do município de Tarauacá ainda este ano

- O Acre e sua população receberam ontem do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um presente que, se concretizado, será de importância vital para o equilíbrio ecológico de seu território e para a vida da atual e das futuras gerações do Estado.

O presente foi a promessa feita pelo ministro ao povo indígena Yawanawá, do rio Gregório, em Tarauacá, de que o governo federal vai rever ainda este ano a demarcação de suas terras imemoriais para que nelas sejam incluídas as áreas onde estão situadas as nascentes de muitos rios acreanos, tais como o Gregório, o Riozinho da Liberdade, o Bagé, o Tejo, o Primavera e muitos igarapés, entre eles o São Salvador, considerados vitais para a preservação de toda a bacia hidrográfica desta importante região acreana.

A promessa do ministro foi feita ao cacique Biraci Brasil e outras quatro lideranças do povo Yawanawá, que estiveram em seu gabinete acompanhados do senador Geraldinho Mesquita (PSB-AC) e da deputada federal Perpetua Almeida (PCdoB-AC), que foram até Thomaz Bastos testemunhar a importância da luta deste povo indígena para preservar a fauna, a flora e o precioso manancial de água desta que eles também consideram uma das regiões mais estratégicas do Estado.

O encontro do ministro com os índios e os parlamentares transcorreu num clima de muita cordialidade e amizade, dando a oportunidade para os Yawanawá explicarem, em detalhes, porque eles querem ampliar a sua terra indígena, que foi demarcada erradamente pela Funai em 1984.

Segundo disseram ao ministro os líderes Yawanawá Biraci Brasil, Raimundo Sales, Juca Brasil, Raimundo Luiz e Letícia Luiza, a demarcação de sua terra, que foi a primeira a ser concretizada no Acre, deixou de fora as cabeceiras do rio Gregório, que têm um inestimável valor ambiental, social e econômico não só para os índios, mas para todo o povo tarauacaense que depende dos rios para viver. Afinal, água é vida, segundo também atesta a campanha da fraternidade deste ano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A preservação das nascentes do rio Gregório e das florestas nelas existentes, segundo relataram os índios, é imprescindível para a manutenção de sua cultura tradicional e do modo de vida de seu povo. "A área das cabeceiras do Gregório é o local onde se concentra uma das maiores riquezas de nossa terra tradicional, que são as águas puras e não contaminadas de nosso rio, além de importantes áreas de caça e pesca, refúgios da fauna terrestre e aquática, antigos cemitérios indígenas, onde estão enterrados os nossos antepassados, além de lagos piscosos, tradicionalmente ocupados pelo povo Yawanawá", disse ao ministro o líder Biraci Brasil. Biraci foi, aliás, o índio convidado pelo governador Jorge Viana para saudar, em nome de todos os povos indígenas do Acre, o então presidente Fernando Henrique em sua primeira ida ao estado.

Quanto mais as lideranças Yawanawá explicavam a importância social, cultural e ambiental da revisão de sua terra indígena, mais o ministro Márcio Thomaz Bastos demonstrava interesse em conhecer de perto a beleza amazônica ali existente, que ele pode imaginar nas entrelinhas das explicações dadas pelos índios. Ao final da audiência, os índios retribuíram ao ministro o "presente" da promessa de revisão de sua terra, convidando-o para ir até ela, conhecê-la de perto, sentindo de "corpo e espírito" o que significa, de fato, preservar os rios, os lagos, os igarapés, os cemitérios, a fauna e a flora daquela região para todo o povo do vale do Tarauacá.

O convite ao ministro da Justiça foi feito para ele visitar a terra indígena em agosto por ocasião do Festival do Mariri, quando os Yawanawá, que significa "o povo da Queixada", revivem por uma semana, durante o dia e a noite, suas mais importantes manifestações culturais, cantando, dançando e fazendo jogos e brincadeiras dos tempos antigos. O festival dos Yawanawá, do qual até o governador Jorge Viana já participou, estará sendo mostrado este ano no México, nos Estados Unidos e em vários países da Europa, no belo filme realizado recentemente pelo cineasta indígena Joaquim Tashkã, também da tribo Yawanawá.

"Não temos palavras para agradecer a especial atenção que nos foi dada pelo ministro da Justiça, que soube compreender porque queremos rever a nossa terra para incluir as áreas que consideramos de vital importância para o nosso povo e para a Amazônia", disse Biraci Brasil. Raimundo Luiz, o mais idoso dos líderes Yawanawá, resumiu de maneira simples a reivindicação de seu povo ao ministro da Justiça, ao qual a Funai, que é a responsável pelos assuntos indígenas do país, está vinculada. "Nós fomos pedir ao ministro que nos desse a cabeça e os pés do tronco de nossa terra. Dissemos ao ministro que o tronco, como no ser humano, não vive sem a cabeça e os pés", sintetizou Raimundo, pai do cineasta Joaquim Tashkã.

Desculpa absurda da Funai reduziu terra indígena

Com uma população hoje de mais de 600 habitantes, entre velhos, adultos, crianças e jovens, que são a maioria em suas quatro aldeias, a terra indígena Yawanawá foi a primeira a ser demarcada no Acre. Medindo 92,8 mil hectares, ela foi identificada em 1977 pela Funai e demarcada em 1984, sendo registrada no Cartório de Imóveis de Tarauacá em 1985 e no Serviço de Patrimônio da União (SPU) em 1987, homologada em 1991 pelo decreto presidencial 281/91.

Segundo depoimento do líder indígena Raimundo Luiz, durante o último estudo de identificação e delimitação da terra indígena, ocorrido em 1982, ele foi forçado por um antropólogo e técnicos da Funai a abrir mão da reivindicação de incluir as cabeceiras do rio Gregório e áreas de pesca, caça e de cemitérios tribais, sob a alegação de que isso iria dificultar e atrasar ainda mais a sua demarcação.

Depois de perceberem que haviam perdido suas áreas mais preciosas para o absurdo obstáculo burocrático que lhes foram impostos pelos tecnocratas da Funai, os Yawanawá e os Katukina, que também estão inseridos na terra indígena, passaram a cobrar a integralidade de seus direitos imemoriais. Daí veio a audiência de ontem com o ministro da Justiça, quando puderam, enfim, colocar para uma das autoridades mais importantes do país o que lhes é devido ainda, em termos de direito, pelo governo brasileiro. As áreas solicitadas pelos índios praticamente vão dobrar a terra indígena Yawanawá, que deve ser ampliada para mais de 180 mil hectares.

Os índios convenceram o ministro dizendo que se as áreas reivindicadas não forem incorporadas à sua terra poderão ser facilmente degradadas e destruídas por ações de madeireiros, caçadores profissionais, fazendeiros, garimpeiros e colonos sem terra, como já ocorreu, segundo eles, em Rondônia e na região dos vales do Acre e Purus.

Isso sem contar outras fortes pressões exploratórias que, segundo os índios, devem vir sobre as populações indígenas e sobre os recursos naturais de suas terras, principalmente aquelas situadas na BR-364, que está sendo pavimentada pelo governo acreano com recursos federais e empréstimos concedidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Em carta que endereçaram ao ministro antes da audiência de ontem, os Yawanawá propõem, acima de tudo, a abertura de diálogo com ele e a Presidência da Funai para que seja encontrada uma solução para a antiga reivindicação de seu povo e do povo Katukina.

"Achamos mais justo dialogar, negociar e conversar amigavelmente com as autoridades brasileiras do que, por exemplo, ir ao BID denunciar as ameaças que pairam sobre nossas populações e nossa terra indígena provocadas pelo asfaltamento desta rodovia federal (BR-364), a cargo do governo do nosso Estado. Também não é isso que deseja o governador Jorge Viana e os deputados federais e senadores da bancada do Acre, que apóiam nossas justas reivindicações", advertem os índios na carta.

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