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Ministérios ensaiam aproximação por crise da Amazônia

OESP, Economia, p. B4
21 de Out de 2019

Ministérios ensaiam aproximação por crise da Amazônia
Com imagem do País abalada no exterior, ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura buscam se unir na defesa do agronegócio

Mônica Scaramuzzo, O Estado de S.Paulo
21 de outubro de 2019 | 05h00

Em meio à imagem abalada do Brasil pelos incêndios na Amazônia, os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente tentam alinhar o discurso para fazer frente a um possível ataque de importadores, sobretudo da Europa, aos produtos do agronegócio brasileiro.
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Desde que a crise veio à tona, há quase dois meses, as duas pastas tentam reduzir as turbulências externas, mas cada uma com agenda própria. A falta de uma estratégia de defesa comum tem gerado preocupações entre as lideranças do agronegócio, que temem um boicote ao País.
Parlamentares da bancada ruralista no Congresso e no Senado evitam fazer críticas abertas à maneira como o governo tem conduzido a crise. Sob reserva, contudo, deputados e senadores da base ruralista afirmaram ao Estado que faltam respostas rápidas e um maior alinhamento do governo para evitar potenciais perdas ao País, com risco de comprometer o acordo Mercosul e União Europeia.
Nos últimos dias, os ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que nunca foram próximos, estão tentando se aproximar, segundo fontes a par do assunto.
O desalinhamento entre as duas pastas não é de hoje. Entre o fim de 2018 e o início do ano, o clima pesou na Agricultura e Meio Ambiente, quando o presidente Jair Bolsonaro cogitou unir os dois ministérios. Desde então, cada ministro seguiu com suas agendas.
Quando a crise da Amazônia ficou mais aguda, cada pasta preparou suas estratégias de discussões para conduzir o assunto.
Mas a falta de um discurso conciliatório entre as duas pastas é vista como um ponto sensível na defesa dos interesses do Brasil lá fora, afirmaram pessoas próximas aos ministros.
Tereza Cristina e Salles viajaram, separadamente, para a Europa nas últimas semanas para conversar com importadores, governos e setor privado para explicar que o Brasil não incentiva o desmatamento ilegal, que o governo brasileiro está atento às questões da Amazônia e apertando o cerco contra exploração de áreas da região.
Preocupação
Embora ainda não haja uma retaliação aos produtos brasileiros - diversos países importadores e empresas globais consultaram o ministério da Agricultura sobre eventuais riscos -, a ameaça de imposição de barreiras preocupa exportadores de grãos e carnes, principais itens da pauta de exportações brasileira.
"Não há hoje uma ameaça real de barrar as exportações brasileiras. O governo está trabalhando para reverter a imagem lá fora. Mas claro que há uma preocupação sobre como o consumidor internacional vê os produtos brasileiros", disse Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
O Ministério da Agricultura admite que falhas na comunicação são apontadas como principal fator que o impede o Brasil de ser difundido como uma potência agrícola sustentável. A apresentação de dados mais consistentes sobre preservação das florestas também precisa ter um plano de ação mais contundente.
"Temos erros muito sérios de comunicação tanto internamente como externamente. Precisamos corrigi-los se quisermos continuar vendendo mais e desbravando novas oportunidades", disse Tereza Cristina, no dia 10 de outubro, durante o Fórum de Investimentos Brasil 2019, realizado em São Paulo. "Precisamos não só falar lá fora o que fazemos, mas mostrar a quantidade de área que preservamos", afirmou.
Ao Estado, o ministro Ricardo Salles disse que as discussões sobre Amazônia vão muito além da parte da Agricultura (ver mais abaixo). Segundo ele, o ministério do Meio Ambiente está em conversas intensas com vários ministérios. "A missão do Ministério da Agricultura é uma e a do Meio Ambiente é outra."
Procurado, o Ministério da Agricultura não quis comentar o assunto.

'Temos de nos preocupar menos com boicote e mais com a imagem', diz Ricardo Salles
Segundo o ministro, governo trabalha em uma campanha para Amazônia que envolve vários ministérios

Mônica Scaramuzzo, O Estado de S.Paulo
21 de outubro de 2019 | 05h00

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse ao Estado que os encontros fora do País ajudaram a desmistificar muitos conceitos que os estrangeiros tinham sobre a Amazônia. Segundo ele, o governo discute um plano conjunto para melhorar a imagem do Brasil fora. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Há razão para o agronegócio se preocupar com um possível boicote aos produtos brasileiros?
Acho que tem de se preocupar, menos pelo boicote, mas pelo dano da imagem. Como é o consumidor que decide o que vai consumir em qualquer lugar do mundo, a imagem prejudica diretamente a demanda. Isso é um ponto importante. Minha ida à Europa foi para isso.
Como o sr. foi recebido?
Falei com diversos segmentos: setor privado (investidores, importadores e bancos), entidades do terceiro setor, autoridades governamentais e imprensa, em cinco cidades. O que sentimos é que do lado da imprensa havia muita desinformação. Foi muito importante falar, mostrar dados. Melhorou muito. No governo também. Mas, no geral, as autoridades têm mais informações. O setor privado conhece bastante, mas eles sentem falta das interpretações, das explicações do dado frio. Além de levar o dado, você explica a complexidade e porque tais assuntos não são tão simples de serem resolvidos. E eles entendem perfeitamente. E, para minha surpresa, as ONGs com as quais nos reunimos - e foram muitas - entenderam nosso grau de desafio. Com essas viagens, não só a minha, mas da própria Tereza Cristina (Agricultura) e do Tarcisio de Freitas (Infraestrutura), você vai dando um pouco de bom senso para as coisas.

O governo vai fazer uma campanha nacional pró-Amazônia?
Temos de estruturar e o governo está trabalhando em um plano de desenvolvimento para Amazônia. É fundamental.
Isso já está sendo feito?
Está sendo feito, mas é um assunto que engloba diversos ministérios: Agricultura, Meio Ambiente, Ciências e Tecnologia. Não é coisa de um só ministério. Não é uma resposta. É complexo, precisa de um esforço conjunto.
Como é a sua interlocução com as lideranças do agronegócio?
Fui diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), me dou muito bem com o setor. Como todo e qualquer segmento da economia, você tem diversas opiniões. Se olhar o agronegócio no Brasil, tem um grupo que é contra todas essas discussões. Eles têm pontos importantes e entendemos. Mas o agronegócio não é só o que eles pensam. O agronegócio tem outros grupos, outras visões. O papel de quem está no governo é trabalhar em prol de todos. Não escolher um grupo contra o outro.
O sr. também tem bom trânsito com o presidente. Qual foi a missão que ele te deu nessa crise?
O presidente dá autonomia para todos os ministros, não só para mim. Ele escolheu os ministros pelo critério técnico. É claro que, para questões mais sensíveis, a gente consulta o presidente antes. Mas, no dia a dia, os ministros que decidem sobre as suas respectivas pastas e vão harmonizando com o presidente.
Temos números e dados suficientes para explicar para o mercado externo que não há desmatamento ilegal?
Os europeus entenderam muito quando mostramos os dados sobre desmatamento. Houve uma redução a partir de 2004. Em 2004, a gente tinha três vezes mais desmatamento que hoje - 28 mil km² - e até 2018 quase 9 mil km². Entre 2004 e 2012, caiu muito. De 2012 a 2019, há uma curva ascendente.
E qual explicação?
Essa pergunta eu fiz nessa viagem: quais os motivos que nos levaram a ter um aumento de desmatamento de 2012 até agora? Dizer que o Bolsonaro é a favor do desmatamento não cola. Se esse argumento é verdadeiro, por que há sete anos, mesmo com a atuação de ambientalistas e governos com outras visões, houve aumento do desmatamento? Foi bom explicar esse contexto lá fora.

OESP, 21/10/2019, Economia, p. B4

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