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Ministério não faz pirotecnia, mas dá resultado, diz Marina

FSP, Entrevista da 2ª, p. A11
Autor: SILVA, Marina
09 de Jan de 2006

Ministério não faz pirotecnia, mas dá resultado, diz Marina
Ministra do Meio Ambiente afirma que não sairá do PT, defende Lula e cobra ação de Estados e municípios

Entrevista da 2ª
Marina Silva

Cristina Fibe

No dia do aniversário de 17 anos da morte de Chico Mendes, seu companheiro de lutas no Acre e mentor, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), 47, recebe a Folha em seu gabinete, acompanhada por três assessores.
O jeito discreto ganha intensidade quando o assunto é violência no campo, e Marina, com a voz embargada, se esforça para mudar o tom. Para ela, o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, no Pará, no ano passado, foi uma reação às medidas do governo em favor do ambiente. Entre os atos da sua pasta, ela reivindica o mérito pela redução dos desmatamentos na Amazônia, com aumento na fiscalização e operações de inteligência. "Viemos fazer um trabalho sério, estruturante, já criamos mais unidades de conservação em áreas de conflito na Amazônia nesses três anos do que foi criado nos oito anos anteriores."

Sobre as críticas que tem recebido de que faz concessões demais, ela diz que é cobrada porque não faz "pirotecnia" de suas ações. "Você tem que ter um pouco de paciência e muita salmoura para passar no couro", declarou.
A ministra afirma que não se decepcionou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo depois das denúncias que atingiram o governo: "Ele me acolhe, ele que me dá chancela".

Leia a seguir trechos da entrevista, realizada no gabinete da ministra, em 22 de dezembro:

Folha - A que se deve a redução do desmatamento na Amazônia, que caiu 30,5% de 2004 para 2005?

Marina Silva - Nossa constatação foi que o problema do desmatamento não poderia continuar sendo tratado como historicamente vinha sendo. Levamos para a Casa Civil e para o presidente a idéia de que se deveria apostar num processo estruturante para enfrentar o desmatamento, a partir de um programa de prevenção e combate que não deveria ser uma ação só do ministério, mas de vários setores, coordenado pelo centro de governo, embora ficássemos no papel de uma espécie de coordenação executiva.
Além disso, tivemos um aumento na capacidade de fiscalização de 63%, com a realização de 197 operações de fiscalização, e também uma ação combinada com a Polícia Federal. Foram realizadas sete operações de inteligência, que até agora já significaram a prisão de 247 pessoas.

Folha - Há descaso do governo Lula em relação ao meio ambiente?

Marina - Esses números que acabei de mencionar, eles podem ser concretamente aferidos. Como eles não existiam em 2002, devo crer que nós conseguimos ampliar o esforço que o Ministério do Meio Ambiente já tinha, ao longo dos seus 13 anos de vida.
A decisão foi, e a minha decisão particular, de que nós não iríamos fazer pirotecnia ambiental. Eu poderia até descer numa região, prender dois ou três contraventores e espantaria a maioria. Nós optamos por um caminho de fazer inteligência. Tem que ter um pouco de paciência e muita salmoura para passar no couro, mas queremos fazer algo que possa ficar para a sociedade brasileira. Viemos fazer um trabalho sério, estruturante, já criamos mais unidades de conservação em áreas de conflito na Amazônia nesses três anos do que foi criado nos oito anos anteriores.

Folha - A sra. relaciona as críticas que tem recebido a essa falta de divulgação?

Marina - As pessoas que de fato acompanham a agenda sabem o que está sendo feito, e essas operações todas são uma ação concreta de que as coisas estão sendo feitas. Valorizo muito mais o resultado correto do meu trabalho do que o sucesso passageiro que poderia ter com frases de efeito que não levariam a nada.

Folha - Quais as dificuldades que a sra. encontrou no ministério?

Marina - São dificuldades históricas. Não ter ordenamento territorial há 30 anos no país é um déficit muito grande, e se alguém acha que é possível em três anos responder a uma década de ausência... Isso não é mágica, é trabalho. Eu diria que a mídia cobra com razão, mas é preciso dar um sinal de que as coisas estão sendo feitas de forma concreta, não de forma pirotécnica, que muitas vezes é isso que alguns políticos fazem, na expectativa de ter o louro imediato. Eu nunca fiz isso.

Folha - Em 2005, a missionária Dorothy foi assassinada no Pará e o ambientalista Francisco Anselmo de Barros se suicidou contra as usinas de álcool no Pantanal. Por que as duas mortes relacionadas a questões ambientais no ano?

Marina - No caso da irmã Dorothy, não tenho dúvida de que foi uma reação para tentar intimidar o governo, que havia chegado com a forte determinação de fazer todas essas ações.
Em relação ao Franselmo não quero fazer nenhum juízo de valor, porque, embora eu tenha as minhas convicções de que Deus é o autor da vida e de que só Ele pode lançar mão dela, as pessoas têm livre-arbítrio. Mas a questão do projeto que o governador [Zeca do PT] mandou para a Assembléia Legislativa [de Mato Grosso do Sul] não tinha a concordância do ministério, e não tinha base legal para acontecer. A decisão do ambientalista em cessar a sua vida é um julgamento que eu não posso fazer. Mas o ministério em nenhum momento ficou omisso.

Folha - E o caso da greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio contra a transposição do São Francisco?

Marina - A transposição do São Francisco é um programa complexo, e o presidente Lula me deu total autonomia para não ter que me meter nos aspectos de oportunidade e conveniência do projeto. Isso quem faz é um empreendedor, o ministro Ciro Gomes [Integração Nacional]. Fiquei com total autonomia para fazer o processo de licenciamento ambiental. Do ponto de vista da qualidade socio-ambiental do projeto, eu me sinto inteiramente segura e eticamente respaldada.

Folha - Então o ministério é a favor da transposição?

Marina - Olha, tecnicamente, ambientalmente, você não tem como dizer que o projeto é inviável, é isso que eu posso dizer.

Folha - Depois de três anos de ministério, qual o seu balanço? A sra. está satisfeita com as ações que concluiu?

Marina - Quando o presidente Lula me fez o convite eu sabia que seria um grande desafio. Esses resultados que eu estou mencionando, essas são conquistas que a sociedade brasileira e o Estado brasileiro devem estar amadurecidos para elas. Acho que em serviço público você tem que estar pronto para ir respondendo aos desafios e, se esses desafios estão sendo respondidos, você tem que se preparar para os próximos.

Folha - A sra. cogita deixar o ministério para se candidatar?

Marina - Não. Quero trabalhar... Este ano é um ano de grandes desafios, porque é um ano eleitoral, o desmatamento teve um pico de 27% exatamente em 2002, um ano eleitoral, e essas políticas todas precisam continuar sem baixar a guarda um milímetro.

Folha - Gostaria que respondesse às críticas de que a sra. seria o escudo de um governo que não vê a política ambiental como prioridade.

Marina - Tudo o que eu falei são ações de governo. Essa idéia tem que ser aferida nos fatos, na prática. Mas talvez quando eu tiver 70 anos as pessoas possam fazer melhor essa aferição. Sou formada em história e os historiadores aprenderam a ter paciência.

Folha - A que se devem as críticas, então?

Marina - Eu não sei, porque é muito difícil divulgar as ações. Às vezes as pessoas dizem: "mas você sempre teve um capital tão grande, você está perdendo todo o seu capital". E eu não estou gerenciando um capital pessoal, acho que tudo isso que Deus me deu não teria sentido se fosse para acumular ou mofar na prateleira. Tem que se colocar à disposição desse esforço que está sendo feito.

Folha - A sra. não se preocupa com a sua imagem?

Marina - O maior pecado é sempre o da vaidade, né? Então quando você é acossado de todos os lados e às vezes até maldosamente desqualificado também sente dor, porque é difícil, mas você tem que olhar e verificar, poxa, além dessa minha dorzinha vaidosa, o que é mais importante que está sendo feito? Então você tem que trincar os dentes e continuar fazendo.
O que faz com que todo mundo reconheça Chico Mendes é a grande virtude de, mesmo em situações adversas, continuar fazendo o que acreditava. O que faz com que [Nelson] Mandela seja respeitado é que ele foi capaz de enfrentar o apartheid mesmo quando teve que ficar 27 anos na cadeia sendo humilhado. Digo isso porque essas pessoas, a nós, pequeninos, grãozinhos de mostarda, nos inspiram. É disso que este país está precisando.

Folha - A sra. já cogitou ou pensa em, no futuro, sair do PT?

Marina - Não. Eu acho que os 800 mil filiados, militantes do PT não podem pagar pelo preço do erro de alguns.

Folha - A sra. se decepcionou com o governo Lula?

Marina - Olha, sou parte do governo e acho que nós estamos passando por um momento muito difícil. Os erros do PT têm que ser julgados pela sociedade e pela Justiça. Mas o esforço que está sendo feito por esse governo na agenda social, na ambiental, mesmo na de desenvolvimento, é um esforço que não pode ser negligenciado em absoluto.
Acredito em processos cumulativos. Cada um é capaz de dar a sua contribuição e eu sei que o presidente Lula está dando uma grande contribuição. Acho muito difícil que qualquer outro presidente da República, até por tudo que dizem, que eu sou xiita, que sou isso, que sou aquilo outro, quisesse ter uma ministra como eu. Só é possível porque ele me acolhe, ele que me dá chancela para fazer todas essas coisas.

Folha - Há como evitar novas mortes por conflitos ambientais?

Marina - O tensionamento do século é a disputa por recursos naturais. Quando do processo de ocupação do 1,3 milhão de km2 da Mata Atlântica não se tinha a consciência que se tem hoje. Este país tinha cinco milhões de índios quando os brancos chegaram aqui. Morreu um milhão a cada século. Então, temos uma fronteira que pressiona. Que bom que hoje temos uma legislação e uma consciência que nos acolhem.
O que se tem que buscar é um esforço de coerência. As instituições públicas, as polícias estaduais precisam se aparelhar, nós vivemos numa federação. Eu sempre digo: é claro que a cobrança vai vir sempre em cima da ministra, mas nós temos um sistema nacional, que tem competências da União, do Estado e do município. Essas competências todas têm que ser trabalhadas para que a gente possa evitar novas mortes.

FSP, 09/01/2006, Entrevista da 2ª, p. A12

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