Diário de Cuiabá
Autor: Rodrigo Vargas
04 de Set de 2006
Antigos caciques da etnia negociaram exploração de granito com técnicos do Paraná, mas foram depostos por novos líderes
Técnicos de uma empresa mineradora do Estado do Pará foram flagrados enquanto pesquisavam possíveis fontes de granito em dois dos principais morros da Terra Indígena Urubu Branco, dos índios Tapirapés (município de Confresa, 1.150 quilômetros de Cuiabá).
A expedição foi autorizada por três dos cinco caciques da etnia, mediante uma negociação que envolveu promessas de dinheiro em espécie e também veículos. Os demais caciques e o restante da comunidade não foram sequer consultados.
A descoberta chocou as lideranças mais jovens, que impediram a continuidade da operação, expulsaram os invasores e enviaram ao Ministério Público Federal uma denúncia contendo o nome e o endereço de cada um.
E, em uma decisão inédita na história da etnia, depuseram todos os caciques incluindo o líder do processo que levou ao reconhecimento, demarcação e homologação das terras tradicionais, Xiwaeri José Pio, que não havia participado do acordo.
Ele não estava envolvido, mas consideramos que era o momento de renovar todas as lideranças, explicou Xarioi Carlos Tapirapé, novo líder da aldeia Tapiitawa, o mais importante e tradicional agrupamento da TI Urubu Branco.
Em abaixo-assinado ao procurador da República Mário Lúcio Avelar, 75 alunos que cursam o 2o grau na aldeia expressaram preocupação e revolta com a estratégia da mineradora que estaria sediada no município de Santana do Araguaia (PA), de onde vieram dois dos três invasores, Benedito Ferreira da Silva e Altamiro Cortez Tonaco.
Estes invasores enganaram algumas lideranças prometendo veículos e muito dinheiro (...) com essas promessas, as lideranças acompanharam os invasores até o local que nós chamamos Towajaãwa e que aparece nos mapas como Serra São João, diz um trecho.
O local é considerado sagrado para a etnia (ver matéria). Também estava nos planos dos pesquisadores uma varredura na região da serra do Urubu Branco, outro fundamental componente da mitologia dos Tapirapés.
Homologada em 1998 com 167 mil hectares, a TI Urubu Branco sempre enfrentou problemas com invasores de todo o tipo (ver matéria). Na carta, os jovens alertam para o risco de que a situação se torne irreversível.
Faz pouco tempo que conseguimos a demarcação da nossa terra, com muita luta e dificuldade. Ainda não conseguimos retirar todos os invasores. Por isso, não podemos deixar mais invasores, como estes mineradores, entrar em nossa área (...) Com tantos brancos dentro da nossa área, corremos o risco de ficar sem terra.
Graduados
As novas lideranças assumem sob grande expectativa e responsabilidade. Todos com diplomas de nível superior (ver matéria) eles prometem buscar alternativas que tragam sustentabilidade econômica, mas impeçam a degradação do patrimônio da etnia.
Para nós, minério não é o mais importante. O que mais queremos é que não haja conflito nem divisão interna, assegurou Xarioi. Cada novo cacique assumiu um compromisso com o seu povo e é assim que cada um vai trabalhar, sempre em conjunto.
Área é considerada sagrada
As áreas cobiçadas para a extração de granito abrigam pontos considerados sagrados para os índios tapirapés. Na Serra São João Towajaãwa, na denominação tapirapé -, vivem espíritos responsáveis pela fartura ou escassez de caça na região.
É neste local que vivem os espíritos donos dos animais. São estes espíritos que dão a caça para nós. Sem a caça não podemos fazer nossos rituais, diz um trecho da carta encaminhada pelos jovens da etnia ao procurador da República, Mário Lúcio Avelar.
Além destes espíritos, a serra abrigaria ainda entidades malignas, perigosas que trazem doenças e outras coisas ruins. Por isso, todo Tapirapé respeita e não mexe com nossa serra. Só os pajés têm permissão para entrar lá, relata o índio Reginaldo Tapirapé, filho de um dos caciques comprovadamente envolvidos com a negociação.
Chocado com o que aconteceu, ele disse que seu pai foi envolvido pelas promessas dos mineradores. Ninguém sabia deste negócio.
Índios se apegam à educação para reagir contra exploração
Todos os novos caciques receberam em junho diplomas do projeto Terceiro Grau Indígena, promovido pela Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat). A educação, segundo eles, os ajudou a perceber o perigo e a reagir.
Lemos nos livros como é a situação dos Yanomâmi e do povo Cinta-Larga, que sofrem com a existência da mineração em suas áreas. Não queríamos que isto acontecesse conosco, diz o cacique Xarioi Carlos, que também é professor na aldeia Tapiitawa.
Em uma carta endereçada à comunidade Tapirapé, o novo cacique e seus alunos apontam os perigos da mineração. Com ela, os rios e as águas ficam poluídos e acabam os bichos, os peixes e as aves. Além disso, muitos buracos são feitos na terra na hora da escavação, diz a carta.
A entrada dos trabalhadores para a extração de minério também é apontada como um grande risco à comunidade. Muitas doenças vão chegar para o nosso povo, porque muitos brancos vão entrar na nossa terra para trabalhar (...) não queremos este tipo de coisa.
Sobre as novas lideranças, o texto pede transparência e o fim das divisões internas. Não podemos ficar divididos, pois isso facilita mais ainda a invasão da nossa terra. Cada cacique, cada liderança e cada um do nosso povo tem que pensar bem no futuro.
Povo ainda vive degradação trazida por posseiros
Denunciada há um ano pelo Diário, a ocupação irregular das áreas da TI Urubu Branco continua a se expandir sem qualquer fiscalização. De acordo com os índios Tapirapés, mais de 200 famílias de posseiros já ocupam, desmatam, queimam lotes dentro de suas áreas.
Fizemos a denúncia, mostramos como a situação era grave, mas nada foi feito, nem pela Funai, nem pela Polícia Federal, o resultado é que mais gente entrou, relata Reginaldo Tapirapé, liderança da etnia. Estão destruindo tudo o que resta de matas da nossa área.
Quando visitou a região sob a escolta de 40 guerreiros da etnia, armados com revólveres, espingardas, arcos e flechas a reportagem flagrou desmatamentos recentes, construção de novas cercas e currais e trechos queimados.
Também ficou evidenciada a exploração ilegal de madeira, por meio de picadões, tocos e trilhas de arraste. Alguns dos posseiros permanecem na área amparados por uma liminar da Justiça Federal, que não lhes permitiu, contudo, qualquer alteração na área em litígio.
Eles não respeitam a Justiça e não respeitam nosso patrimônio, que está acabando aos poucos. Aquela área era uma reserva de caça muito boa, com muitos animais. Agora são apenas cercas, queimadas e destruição. É preciso que isso acabe imediatamente.
Título original - Tapirapés: Extrativismo iminente
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