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Mineradoras buscam formas de ganhar com fechamento de minas

OESP, Negócios, p. B10
23 de Jul de 2007

Mineradoras buscam formas de ganhar com fechamento de minas
Em Nova Lima (MG), Vale quer transformar o entorno de uma cratera em complexo comercial e habitacional

Eduardo Kattah

Mineradoras que atuam no Brasil encontram novas destinações para reabilitação de áreas degradadas e o fechamento de minas exauridas. Além de representar mais uma oportunidade de as empresas colocarem em prática o discurso da responsabilidade social e ambiental, em alguns casos o fim da atividade mineral em uma região pode até representar para as companhias a ampliação do seu nicho de negócios, além do extrativismo. Ou mesmo uma importante redução dos custos que envolvem o processo.

Não há regras para os procedimentos a serem adotados - cada mina tem suas particularidades. Porém o uso sustentável de áreas cuja viabilidade econômica da exploração chegou ao fim consolida-se como uma alternativa para diminuir os impactos sociais e fomentar futuros empreendimentos que promovam a geração de empregos e renda.

No Brasil não existe legislação específica sobre o encerramento das minas. A lei prevê compensação aos danos ambientais causados pela atividade do empreendimento durante sua vida útil. Mas grandes mineradoras costumam incluir no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) proposta prévia para o fechamento. E a simples recuperação vegetal da área já não é considerada a única ou melhor alternativa. As mineradoras têm se debruçado em estudos sobre o melhor aproveitamento das áreas e a conseqüente redução do revés financeiro da desmobilização.

'Esse impacto, que até algumas décadas atrás era considerado apenas um ônus e tirava parte do lucro, pode se tornar agora um bônus. Muitas vezes direto e em outros casos um bônus de natureza indireta, por causa da imagem da empresa', diz o diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Marcelo Ribeiro Tunes.

Envolvida em negociações bilionárias para aquisição de novos ativos e em meio à frenética cobiça internacional por minério de ferro, a Companhia Vale do Rio Doce prevê investir este ano R$ 34,2 milhões em projetos de reabilitação de áreas de mineração no País. O montante é quase a metade do investimento feito entre 2001 e 2006, de cerca de R$ 74,4 milhões. Deste total, R$ 27,5 milhões foram utilizados na reabilitação de áreas em minas desativadas de ouro e de minério de ferro.

A Vale anunciou recentemente inovador projeto de destinação para a antiga Mina de Águas Claras, de sua controlada Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Dessa mina - desativada em 2002, após quase 30 anos de exploração -, na divisa de Nova Lima com a capital mineira, foram extraídas 291 milhões de toneladas de minério de ferro. Após oito anos de estudos, a Vale decidiu transformar o entorno da imensa cratera formada na Serra do Curral em um complexo de uso comercial, habitação, lazer e pesquisas, com a expectativa de criar futuramente até 20 mil empregos.

PARCERIAS

A mineradora está à procura de parceiros que queiram atuar no negócio. O custo do projeto, que deverá ser desenvolvido ao longo de 20 anos, ainda não foi definido, mas a previsão é que as obras tenham início em 2008. O gerente-geral de Meio Ambiente da empresa, Cláudio Lyra, diz que se trata de uma preocupação com a sustentabilidade. 'Não só ambiental, mas social e econômica. Trata-se de dar uma destinação de uma área nobre para outro fim, proporcionando ganhos para a Vale e municípios envolvidos.'

No relatório de demonstrações contábeis da mineradora no padrão americano, de 31 de março, a provisão para obrigações com desmobilização de ativos chega ao valor de US$ 699 milhões. Desse montante, a provisão com fechamento de minas é de US$ 331 milhões, considerando a estimativa de custo para as empresas da Vale. A mineradora desenvolveu há três anos um guia que orienta seus profissionais na elaboração de planos de fechamento de minas, considerando as particularidades de cada unidade.

Tunes acredita que nas grandes empresas o desenvolvimento de projetos alternativos para o aproveitamento das minas fechadas é uma tendência irreversível. 'Faz parte de um espírito empresarial. Em vez de simplesmente empatar um dinheiro, você tentar tirar proveito.' Mas, segundo ele, esse movimento não é exclusividade das grandes companhias.

Para Germano Mendes de Paula, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a possibilidade de ganhos com o fechamento de minas está relacionada principalmente com a proximidade das unidades com centros urbanos e áreas metropolitanas. Segundo ele, o projeto Águas Claras, da Vale, na verdade representa uma particularidade para a Vale. 'Parte significativa dos ativos da empresa está localizada na região de Carajás (PA)', diz. 'É uma região afastada geograficamente de grandes áreas populacionais.'

AngloGold quer projeto turístico em Morro Velho
Mina de ouro em Nova Lima, que foi desativada em 2003, reúne imóveis históricos e maquinário antigo

Surgida junto com o início da produção de ouro nas Minas Gerais, no começo do século 18, a cidade de Nova Lima vive nova expectativa após o fechamento, nos últimos anos, de importantes minas. Mas, para consolidar uma vocação econômica, o município conta com o sucesso de projetos anunciados pelas próprias empresas em áreas de antigas minas. A AngloGold Ashanti encomendou à Fundação Dom Cabral (FDC) estudo para a destinação de área de 246 mil m2, localizada no centro da cidade mineira, onde durante quase 300 anos se explorou ouro a céu aberto e em minas subterrâneas.

O antigo complexo Mina Morro Velho foi desativado por completo em 2003, com o encerramento da extração da Mina Velha - até então considerada a mais antiga mina de ouro em atividade no mundo. A exploração da Mina Grande, que compunha o complexo, chegou ao fim em 1995. No local restaram imóveis históricos, maquinários antigos, galpões e outras edificações da área industrial erguida pelos ingleses.

A intenção da AngloGold é transformar a região em espaço empresarial e de serviços, com empreendimentos culturais e turísticos, além de uma vila residencial. Está previsto também a instalação na área de um pólo joalheiro, uma espécie de arranjo produtivo local (APL). O projeto já foi batizado de Gold City e deve sair do papel em três anos, com a previsão de ser concluído em uma década, por meio de parcerias. A mineradora estima que para sua conclusão serão necessários investimentos de R$ 150 milhões.

'Foi feita uma análise da viabilidade econômica e a Anglo está sendo a promotora disso tudo, está investindo para que o trabalho se consolide. A partir daí vamos buscar os parceiros, que serão os grandes promotores desse investimento', diz o consultor Francisco de Paula Neto, coordenador do projeto. A mineradora pretende iniciar a busca de parceiros e os investimentos próprios em obras viárias no próximo ano.

NOVA VOCAÇÃO

A AngloGold, que no Brasil explora ouro apenas na Mina Cuiabá, em Sabará, também na região metropolitana de Belo Horizonte, já é parceira da Construtora Norberto Odebrecht em um grande empreendimento imobiliário em Nova Lima. O Vale dos Cristais, condomínio residencial de luxo, está sendo erguido. Uma extensa área de serras adquirida pela mineradora, onde não se identificou nenhuma jazida ou a exploração não se mostrou viável economicamente.

Nas últimas décadas, os condomínios habitacionais proliferaram em Nova Lima, que tem absorvido o crescimento da capital mineira. O prefeito Carlos Rodrigues (PT) considera esses projetos importantes instrumentos para que a cidade consolide uma nova vocação econômica. Mas alerta para a necessidade de obras viárias de acesso.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ouro e Metais Preciosos de Nova Lima e Região, Marcelino Antônio Edwirges, vê com 'bons olhos' os projetos e espera que muitos ex-empregados da mineração possam ser aproveitados nos novos empreendimentos. Em pouco menos de duas décadas, somente na antiga Morro Velho foram extintos cerca de 6 mil postos de trabalho. Em 1989 a empresa tinha 7,2 mil trabalhadores.

Ministério Público pede lei para o setor
Fundação do Meio Ambiente de MG estuda legislação para o Estado

A coordenadora das Promotorias de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MPE), Shirley Fenzi Bertão, diz acompanhar com atenção os projetos de fechamento de minas. Ela lamenta, porém, a inexistência de legislação específica para os procedimentos. 'A Constituição determina que o degradador tem de recuperar a área degradada, mas não diz como.' A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) disse ter um grupo de trabalho pesquisando a elaboração de proposta para a criação de uma legislação estadual sobre o assunto.

O gerente-geral de Meio Ambiente da Companhia Vale do Rio Doce, Cláudio Lyra, também defende a implantação de regras legais. 'É preciso começar a pensar numa licença de descontingenciamento', diz, salientando que os empreendimentos devem sempre levar em consideração a destinação ambiental e social das áreas.

De acordo com a Vale, no projeto de Águas Claras, dos mais de 2 mil hectares que compõem a propriedade da MBR, somente 9% da área (194 hectares) serão utilizados no empreendimento. No restante da área - onde está localizada a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Jambreiro - não haverá nenhuma alteração.

Para destacar a importância do cuidado ambiental, Lyra cita a revegetação da Mina de Piçarrão, em Nova Era (MG), onde foram utilizadas plantas da Mata Atlântica, promovendo o resgate e o incremento da biodiversidade local.

OESP, 23/07/2007, Negócios, p. B10

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