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Mineradora desafia reforma agraria

JB, Pais, p.A2
01 de Fev de 2004

Mineradora desafia o Incra
Exploração de mármore em assentamento revolta pequenos produtores que temem pelo fim da lavoura

Hugo Marques
BRASÍLIA - Nas festas de fim de ano das famílias do assentamento Palmeiras, em Formosa (GO), o que mais se ouviu foram bombas. Não fogos de artifício, mas estrondos de dinamites explodindo pedras. A empresa Pedreiras do Brasil S/A, do Espírito Santo, pôs em operação na reserva de mata uma máquina escavadeira, compressores e vários equipamentos de mineração. Parte da vegetação foi devastada.
As famílias do assentamento estão muito preocupadas. A empresa informou que vai explorar mármore na área, uma encosta da Serra do Barreiro. É na serra que fica a única nascente de água que abastece as casas, os currais e chiqueiros de uma parcela dos lotes de 240 famílias assentadas. Palmeiras é um dos poucos assentamentos da região que deram certo, onde as famílias se auto-sustentam com a produção. Do local onde a mata foi derrubada, é possível avistar o Salto do Itiquira, uma cachoeira de 168 metros de altura, cartão-postal de Goiás.
– É no morro que nasce a única mina d'água do assentamento. Todas as famílias dependem dessa água para viver. Estou muito preocupado com o futuro dos meus filhos – diz o assentado Antônio Alves Carvalho.
Dono de 20 hectares, em área próxima à pedreira, Carvalho conta que os estrondos causados pelas explosões de dinamite por diversas vezes tremeram o chão. As famílias também estão preocupadas com a erosão. O assentamento fica em um grande vale e a água das chuvas desce sem resistência no solo.
A área desmatada tem cerca de 400 metros de extensão. É uma espécie de grande estrada no meio da mata, intercalada por três grandes círculos, onde estão as máquinas e equipamentos. Pelo chão, vêem-se espalhados pneus velhos, garrafas plásticas, cabos de aço enferrujados, mangueiras e estacas de aço para abrir fendas nas rochas.
A serra é o refúgio natural de animais silvestres, como lobos e veados. Desde o início das explosões, os moradores já não encontram algumas espécies de animais.
Em novembro, antes do início da exploração comercial da serra, a Associação dos Produtores do Projeto Palmeiras enviou ofício ao Incra pedindo providências urgentes, antes do início da exploração comercial da serra. O assentamento não é banhado por nenhum rio. O que temos é somente a água da mina e de um poço artesiano, para uso doméstico e dos animais no assentamento”, relatou a associação. No mesmo ofício, os assentados indagaram sobre o impacto ambiental para a região.
Os técnicos do Incra visitaram o assentamento no dia 31 de dezembro do ano passado e ouviram três assentados pela reforma agrária, que arrendaram os lotes para a exploração mineral. No contrato, a empresa se prontificava a pagar um salário mínimo mensal para cada envolvido, mas até aquela data eles não tinham recebido nenhum centavo pelos trabalhos prestados”, segundo relatório do Incra.
Os representantes da empresa Pedreiras do Brasil foram notificados pelo órgão, em 22 de dezembro, para que suspendessem imediatamente” toda e qualquer atividade referente à exploração de minério no projeto de assentamento. Trata-se de área desapropriada por interesse social, para fins de reforma agrária”, informou o Incra. No ofício, o governo solicitou documentação ambiental e de posse da área.
A empresa enviou ao Incra uma minuta de alvará do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), obtida em 28 de fevereiro do ano passado, com autorização para pesquisar minério de titânio” naquela região. A empresa Pedreiras do Brasil também apresentou ao Incra uma licença de instalação” da Agência Goiana do Meio Ambiente, autorizando extração de quartzito” no local.
O superintendente Regional do Incra, José Angelino Barbosa, afirmou que a pesquisa e a exploração de minerais dentro de assentamento da reforma agrária é ilegal, mesmo que a empresa tenha obtido autorização do DNPM e do governo de Goiás. Os contratos de arrendamento assinados por alguns assentados, disse o superintendente, também são ilegais.
O procurador da empresa Pedreiras do Brasil, Luiz Antônio Vessani, negou que as máquinas e equipamentos estejam depredando o meio ambiente da região ou ameaçando de secar nascentes de água. Ele confirmou ter fechado contratos de arrendamento com os assentados da reforma agrária. Vessani não vê qualquer ilegalidade na exploração de mármore na serra.
– Não sei de quem é o solo lá. Há um conflito entre o Incra e o DNPM. Não achei que precisava de autorização do Incra. Numa conversa com funcionários de lá, concluímos que não era necessário a autorização deles – disse Vessani.

JB, 01/02/2004, p. A12

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