VOLTAR

Mineração implica degradação social, dizem especialistas

FSP, Brasil, p. A6
Autor: Ana Paula Boni
24 de Nov de 2007

Mineração implica degradação social, dizem especialistas
Além disso, entidades apontam risco de perda de território se as mineradoras forem instaladas em terras indígenas
Para antropólogos, perigos vão de doenças nas tribos a desestruturação social; "há populações que podem desaparecer", diz analista

Da Redação

Especialistas alertam que empreendimentos para exploração mineral instalados em terras indígenas podem causar impactos tão grandes nos povos que, se não implicarem apenas sua degradação social e perda de território, podem mesmo levá-los à extinção.
Devido a isso, as organizações em defesa do índio ouvidas pela Folha afirmam que, para ser aprovado no Congresso o projeto de lei que regulamenta a mineração, ele deve ter as regras detalhadas minuciosamente e aprovadas pelos indígenas.
O antropólogo Rogério Duarte do Pateo, do ISA (Instituto Socioambiental), explica que, de acordo com a magnitude da presença da mineradora e a proximidade das aldeias, as populações podem ter hábitos alterados. Isso porque o barulho das máquinas para a extração dos minérios, por exemplo, assustaria animais num local onde a caça é o principal meio de subsistência.
Com isso, somado ao dinheiro dos royalties que os índios receberiam, eles passariam a comer produtos industrializados. "Daí vem doença de branco, como diabetes, colesterol, problemas dentários. É uma espécie de reação em cadeia", diz Pateo. "Os índios encostam a barriga no empreendimento e passam a depender de uma fonte externa", completa ele, para quem essa dependência financeira acarretaria desestruturação social.
Há também o impacto ambiental, já que toda atividade de exploração de minérios implica uma área de "servidão", onde vivem os funcionários da empresa, complementa o advogado Paulo Machado, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). "Cria-se uma verdadeira cidade para dar suporte à atividade mineradora. Isso por décadas." Dessa forma, o entorno é alterado devido à construção de estradas para escoar a produção, rios podem ser desviados e sua água, poluída.
Para o antropólogo Ricardo Verdum, assessor de políticas indigenistas do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o maior dos males seria a perda da autoridade do índio sobre seu território, sendo os povos colocados em segundo plano e podendo, inclusive, ter de sair de uma aldeia por conta de uma jazida de minério.
Com a mineração avalizada por lei e as mudanças sendo absorvidas pelas culturas indígenas, "há populações que podem desaparecer", afirma Pateo, que diz não estarem previstos muitos desses problemas no projeto de lei em discussão.
Além disso, as organizações criticam a forma da divisão dos royalties, já que a proposta prevê que 50% da renda da mineração vão para um fundo gerido pela Funai. "Isso para nós consiste em confisco. E confisco é inconstitucional", afirma o advogado do Cimi, que destaca um mérito no projeto -o de a escolha das empresas ter de ser feita por meio de licitação.
(Ana Paula Boni)

Para antropólogo, argumento para permitir garimpo é frágil

Da Redação

Entre quem defende a aceleração do projeto que regulamenta a mineração, um dos argumentos usados é que a legalização vai evitar novos conflitos entre índios e garimpeiros ilegais. Esse raciocínio tomou fôlego em 2004, após o massacre de 29 garimpeiros por índios cintas-largas na reserva Roosevelt, em Rondônia.
Porém, é um argumento frágil, pondera o antropólogo Rogério Duarte do Pateo, do Instituto Socioambiental. "Se o problema fosse esse, bastava regulamentar o garimpo indígena, que tira minério de aluvião. Por que não se deixa a mineração industrial para uma discussão mais cuidadosa, dentro do estatuto, como querem os índios?"
Segundo o antropólogo, o garimpo de aluvião está contemplado no anteprojeto que o Planalto apresentou à CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista) neste ano, para atualizar o projeto de lei que tramita desde 1996. Suas propostas devem entrar no PL se forem apresentadas como emendas pelos parlamentares.
No PL, está previsto que os índios receberão 3% do faturamento bruto da exploração -hoje, o dono de uma terra não indígena recebe até 3% do faturamento líquido.
O deputado Eduardo Valverde (PT-RO), relator da comissão especial na Câmara, defende que os índios não deixarão de ser ouvidos. "A consulta à população é o primeiro passo para tocar essa questão. Podemos pautar a parte econômica aliada à parte social." Na última terça-feira, a comissão aprovou pedidos para as primeiras audiências com organizações indígenas e órgãos do governo.
Pelo roteiro de trabalho apresentado, o parecer de Valverde só deve ser lido em maio do ano que vem. Diante disso, a idéia é pressionar os deputados nesse período, para que atendam aos apelos da CNPI. A próxima reunião dessa comissão deve ocorrer entre os dias 12 e 14 de dezembro.

saiba mais
Mineradoras têm interesse na Amazônia

Da Redação

É na região amazônica onde o interesse minerário é maior e onde estão as etnias mais preservadas, como os yanomami. Principalmente no Amazonas e em Roraima, onde 32 terras indígenas ocupam 46,4% do território do Estado, segundo o antropólogo Carlos Alberto Cirino, professor da Universidade Federal de Roraima.
Só na reserva Raposa/ Serra do Sol (RR), estão cerca de 17 mil índios, diz Dionito José de Souza, índio macuxi e coordenador do Conselho Indígena de Roraima. "Com a exploração, a terra já ficaria para a empresa, porque tem minério em toda parte. E os índios iriam para onde?"
No país, são 488 terras delimitadas, que somam mais de 105 milhões de hectares, segundo a Funai. Isso significa 12,41% do território do país e equivalem à área de São Paulo, Minas e Paraná juntos.
Há hoje no Brasil cerca de 460 mil índios distribuídos em 225 povos. Além desses, a Funai estima que deve haver entre 100 mil e 190 mil indígenas fora das terras, como em áreas urbana

LEI: Constituição permite mineração, mas exige projeto que a regulamente

A Constituição criou a possibilidade de exploração de minérios em terra indígena, mas impôs a necessidade de sua regulamentação em lei. Em 1991, o então deputado Aloizio Mercadante (PT-SP) apresentou projeto que liberaria a mineração, dentro do Estatuto das Sociedades Indígenas. A proposta chegou a ser aprovada em comissão na Câmara, mas desde 1994 está paralisada na Mesa, aguardando julgamento de recurso. Em 1996, Romero Jucá (PMDB-RR), hoje líder do governo no Senado, apresentou PL apenas sobre mineração, que foi aprovado no Senado e hoje está na Câmara.

FSP, 24/11/2007, Brasil, p. A6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.