VOLTAR

Minas d'agua, os tesouros

CB, Cidades, p.30
31 de Mai de 2005

Minas d´água, os tesouros
Moradores do Distrito Federal descobrem o risco de viver na seca e já adotam 120 nascentes
Cecília Brandim e Marcela Duarte
Da equipe do Correio
Resistente aos longos períodos de estiagem, a vegetação de Cerrado que cobre os 16 mil quilômetros quadrados do solo do Distrito Federal esconde minas de água límpida. É possível que abrigue cerca de quatro mil nascentes. Pontos em que a distância entre a superfície de terra vermelha e os lençóis freáticos fica pequena e a água que abastece a população da capital federal aflora. Mas, com a mesma facilidade que chega à superfície, ela pode desaparecer, se não for preservada.
No último ano, a cada semana pelo menos três cidadãos preocupados com o futuro assumiram a responsabilidade por um desses pontos. Defensores da natureza, ingressaram no programa Adote uma Nascente, da Secretaria de Meio Ambiente do DF (Semarh). Criado há quatro anos, o programa nunca teve tantas adesões – 120 adoções, de fevereiro de 2004 a maio deste ano.
Somente 142 unidades estão mapeadas pelo programa e com o futuro garantido. Ganharam vegetação e tiveram a qualidade da água analisada por um técnico em recursos hídricos. Hoje são monitoradas para evitar que sejam eliminadas do mapa hídrico do DF pela ação do homem. A maioria (56%) está em área particular.
Pela lei ambiental, o dono do terreno é responsável pela preservação do manancial, córregos, riachos ou ribeirões. Mas não há recursos para fazer um levantamento dos pontos onde a água brota na terra e nem para onde corre. A coordenação do projeto ainda tenta captar recursos para essa pesquisa e por enquanto conta com a boa vontade da população para mantê-las intactas.
A análise da água revelou sinais de degradação. Um terço das nascentes está com as espécies de vegetação nativa ao seu redor abaixo de 30%, o que eleva o risco de erosão e desaparecimento da mina. Outra ameaça é a proximidade de chácaras, loteamentos urbanos, criações de animais.
O processo de destruição começou a ser desacelerado com a ajuda de pessoas como o dentista Mauro Figueiredo, 65 anos. No terreno onde mora, uma ponta de picolé na QL 2 do Lago Norte, há uma nascente, que ele preserva há 22 anos. Faço por amor. Prefiro ter plantas nativas e um espelho d`água natural em casa a aterrar tudo e colocar uma piscina, afirma.
A quadra do dentista preocupa ambientalistas. Há mais de quatro anos, a Prefeitura Comunitária do Lago Norte tentou impedir que os conjuntos 1, 2 e 3 fossem ocupados, devido às diversas nascentes no local. Uma teria vazão de 1,2 mil litros por hora. O esforço foi em vão e a ocupação, aprovada. No mapa das nascentes cadastradas pela Semarh, consta apenas a do terreno de Mauro Figueiredo.
O Programa Brasília Sustentável, do Governo do Distrito Federal, prevê recursos para nascentes e bacias dentre os US$ 57 milhões (R$ 142 milhões) de empréstimo do Banco Mundial (Bird) para obras de saneamento e gestão territorial. Segundo Davi Matos, diretor-presidente da Agência Reguladora de Água e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), quase US$ 6 milhões serão destinados à preservação de nascentes e implantação dos comitês de bacias, consideradas prioridades.
Dolores Pierson, secretária-executiva do Fórum das ONGs Ambientalistas, alerta que não adianta buscar financiamento para mitigar danos ambientais do passado, se continuamos provocando danos e muitas nascentes já foram aterradas. Para Gustavo Souto Maior, coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília, a população já começa a pagar caro pela falta de zelo com os recursos hídricos.
Ele cita estudos que, em 1983, apontavam Rio São Bartolomeu como fonte principal de abastecimento de Brasília. Com a ocupação desordenada das áreas próximas a nascentes e riachos que abasteciam o rio, a captação foi prejudicada. Hoje, 25% da água de Brasília vêm da Barragem de Santa Maria e 65%, da Barragem do Descoberto.
Preocupação com o futuro
Reconhecer que, ao preservar nascentes, Brasília estará garantindo o abastecimento no futuro levou Elias José Barbosa, 71 anos, proprietário de uma chácara na região da Cabeceira do Barrocão, em Brazlândia, a lutar pela parte que lhe cabe. Ao procurar uma área afastada da cidade para cultivar hortaliças, ele descobriu, há três anos, o que chama de paraíso. Terra sem água não presta. Quando vi essa chácara comprei logo, conta. Em suas terras, que somam cerca de 30 hectares, há três nascentes que desembocam no Córrego Barrocão e abastecem a Bacia do Descoberto, uma das maiores do Brasil.
O chacareiro tratou logo de afastar a criação de gado, carneiro e ovelha das nascentes para manter a qualidade da água. Preocupado em ver a água jorrar por muitos anos, procurou ajuda do programa Adote uma Nascente e cadastrou-se nele. Preservar é a melhor garantia que podemos contar com água em abundância daqui há alguns anos. Cada um tem que fazer a sua parte, afirma.
As fontes que ficam nas terras de Elias ainda não foram reflorestadas. A Semarh aguarda recursos do programa para começar a plantar mudas de ipê, quaresmeira e ingá, indicadas para o solo de terra vermelha da região. As plantas, por terem raízes profundas, sugam a água e estimulam a nascente a ficar ativa, explica o engenheiro florestal Inti Arantes, 31 anos, que trabalha no projeto.
Não foi preciso ingressar em projetos de educação ambiental ou receber incentivos do governo para que a comunidade rural onde o comerciante Dionísio de Araújo Carneiro, 42, vive, nos arredores de São Sebastião, entendesse a urgência de cuidar das nascentes da região. Nos 14 hectares onde moram nove famílias, inclusive a do comerciante, foram encontradas seis nascentes. Dali a água que brota escorre para a zona urbana, onde córregos se formam. A exploração excessiva dos recursos hídricos pelos chacareiros estava fazendo as minas sumirem. Uma delas não pôde ser recuperada. As outras cinco foram adotadas por Dionísio e a vizinhança. Com a ajuda de técnicos, ele iniciou o plantio de mudas e, com a comunidade, encontrou o limite de uso da água. Nós percebemos que ia chegar o dia que não teríamos água para beber e tomar banho, explica. Há sete anos, as famílias controlam o uso dos recursos hídricos e Dionísio é responsável pela vegetação. (C.B. e M.D.)

Como proteger
Para entrar no programa é preciso ir à Semarh e preencher uma ficha. Os técnicos vão ao local e orientam o adotante. Semarh: Bloco L (Edifício Lino Martins Pinto), Quadra 2, Setor Bancário Sul.
Semana do Meio Ambiente
O lançamento de um selo comemorativo dos Correios hoje às 12h, na Praça Central do Pátio Brasil, abre a programação da Secretaria do Meio Ambiente para comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Às 13h, as tribos Pataxó (BH) e Gaviões (PA) mostram o Toré, dança indígena tradicional que celebra a natureza. Durante todo o dia, até as 22h, haverá distribuição de panfletos explicativos sobre projetos ambientais que visam a preservação de parques e a prevenção de incêndios florestais. Até o dia 5 de junho, os visitantes poderão conferir exposições de fotos da fauna e flora do cerrado e peças artesanais feitas com material reciclado, no horário de funcionamento do shopping. Entrada franca.

CB, 31/05/2005, p. 30

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.