VOLTAR

Militares ignoram aviões que decolam de terras ianomâmis

OESP, Nacional, p. A7
Autor: ZACQUINI, Carlo
02 de Jan de 2009

'Militares ignoram aviões que decolam de terras ianomâmis'
Carlo Zacquini: coordenador da Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima

Roldão Arruda, BOA VISTA

Os recentes alertas feitos por autoridades militares da Amazônia sobre o risco que as áreas indígenas representam para a segurança do País, especialmente na fronteira amazônica, não encontram respaldo nos fatos. O discurso militar é ideológico e foge da questão principal: a permanente invasão das terras indígenas pelo garimpo ilegal. Essa é a opinião do missionário católico Carlo Zacquini, italiano de origem, que viveu durante 45 anos entre os índios ianomâmis e hoje coordena a Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima.

"Os militares falam do risco das ONGs internacionais, mas ignoram os aviões que pousam e decolam - todos os dias - de pistas clandestinas rasgadas no meio das terras dos ianomâmis em Roraima", diz o religioso. Ligado à congregação Missionários da Consolata, Zacquini é admirado entre os índios e respeitado entre estudiosos da questão indígena no País e no exterior. Brigou nos anos 80 pela criação da Terra Indígena Ianomâmi - homologada em 1992 pelo presidente Fernando Collor de Mello, com uma área de 96.650 km2 - e, mais recentemente, envolveu-se com a disputa pela Raposa Serra do Sol, que está sendo julgada no STF.

Pressionado pelos militares, o governo pretende estabelecer normas mais rígidas para a entrada de representantes de ONGs, missões religiosas e científicas nas terras indígenas. Como o senhor vê isso?

Ouço muitas injúrias contra ONGs que atuam na região e que são realmente boas. Não sei o motivo de tanto alarde, pois a PF sabe quem entra e quem sai, a Funai conhece as pessoas que atuam ali e a Funasa também tem referências. A terra dos ianomâmis foi homologada há 16 anos e até hoje existem fazendeiros que se recusam a deixar a área.

'Sinal de melhora é aumento de população'

Boa vista

No debate sobre a Raposa, os militares insistem que não pode haver restrições à entrada deles nas grandes áreas indígenas de fronteira, sob risco de comprometer a segurança nacional.

Nunca houve restrições. Eles sempre entraram onde quiseram, sempre construíram quartéis nos locais que determinaram - mesmo sem consultar as populações indígenas. Os índios não constituem nenhum problema para a segurança da fronteira brasileira. Nem as ONGs. Os militares falam do risco das ONGs internacionais, mas ignoram os aviões que pousam e decolam de pistas clandestinas rasgadas nas terras dos ianomâmis em Roraima.

Por ordem do presidente Collor, as pistas clandestinas foram explodidas na época da criação da terra dos ianomâmis.

Pelos relatos dos índios, não passa um dia sem pousos e decolagens. Calcula-se que são 2 mil garimpeiros atuando lá dentro. Esses homens perceberam que a lei não os alcança e agem estimulados pela sensação de impunidade.

Áreas tão extensas e pouco povoadas podem constituir um risco?

No caso dos ianomâmis, sei que têm um controle muito grande sobre as áreas onde vivem. Eles costumam passar pela fronteira, em direção a países vizinhos, como a Venezuela, porque mantêm relações com os seus parentes que vivem lá. Mas são visitas com objetivos determinados, para intercâmbios entre os xamãs, casamentos, trocas de objetos. Ao mesmo tempo, porém, eles detectam rapidamente qualquer movimento estranho em suas terras. Um cachorro diferente que aparece numa aldeia torna-se logo objeto de atenção. O sistema de comunicação é muito confiável. Na Raposa, em mais de uma ocasião, os índios identificaram a presença de traficantes e chamaram as autoridades.

Por que resolveu trabalhar entre os índios brasileiros?

Não foi uma decisão minha. Quando me tornei missionário, no início dos anos 60, meu desejo era ir para a África. Mas os superiores da congregação me mandaram para o Brasil, aqui para Roraima. Passei alguns meses na cidade, até que, no dia 1.o de Maio de 1965 (nunca esqueço essa data), tive contato com um grupo de ianomâmis que nos visitava. Fiquei impressionado. Comecei a trabalhar com eles e nunca mais parei.

Mas houve melhoras, não?

Sim. Um dos sinais é o aumento da população indígena.

Quem é:
Carlo Zacquini

Missionário italiano, coordena a Pastoral Indigenista de RR
Defensor da criação da Terra Indígena Ianomâmi, ele viveu 45 anos com os índios

OESP, 02/01/2009, Nacional, p. A7

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.