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Militares brasileiros aprendem a amar a selva

Universo On-Line-São Paulo-SP
09 de Abr de 2005

"As lágrimas começam aqui", diz a placa que saúda os jovens militares brasileiros que descem dos caminhões e começam a marchar por uma trilha na floresta amazônica.

Sob o peso de duas mochilas, de dois rifles e do forte calor, vários tropeçam e caem pelo caminho. São repreendidos por instrutores com apitos, que os obrigam a ficar em pé novamente sem a ajuda dos companheiros. O grupo cruza um igarapé com água pelos ombros, sob o olhar ameaçador de dois jacarés enjaulados.

"Agora vocês estão na selva", grita o capitão Marcelo Vila. "Acelerem, acelerem."

Os cerca de cem sargentos e oficiais estão no segundo dia do curso de dez semanas oferecido pelo Centro de Instrução de Guerra da Selva. Eles vão passar a noite sozinhos na floresta, cercados por cobras, onças e outros perigos.

Depois, vão se embrenhar na mata durante cinco dias, em pequenos grupos, equipados apenas com uma arma e um facão. Até então, já terão aprendido a sobreviver com o que a selva oferece.

"Nossa missão principal é a formação do guerreiro da selva", disse o comandante do CIGS, tenente-coronel Gustavo de Souza Abreu, já de volta ao quartel, em Manaus. "Chamamos os soldados de defensores da Amazônia."

A vasta região é uma prioridade estratégica para o Brasil. Ela abrange mais de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, uma das áreas com maior biodiversidade no mundo.

O CIGS foi fundado em 1964, mesmo ano do golpe que manteria os militares no poder durante 21 anos. Na época, havia guerrilhas revolucionárias atuando em todo o mundo, inclusive na América Latina.

"Hoje, a realidade é diferente. Não temos movimentos revolucionários, mas temos de proteger a nossa fronteira", disse Abreu.

A Amazônia tem 11 mil quilômetros de fronteiras com sete países. Contrabando, inclusive de armas e drogas, é comum. A "migração" da guerra civil colombiana é sempre uma possibilidade.

Além disso, a extração ilegal de madeira e a grilagem de terras provocam danos ambientais generalizados e frequentes episódios violentos. O governo e a polícia estão em geral ausentes, e as comunicações são difíceis.

Os próprios militares já tiveram uma política de desenvolvimento da Amazônia, ancorada na construção da Transamazônica, na década de 1960. Na época, as autoridades viam a exploração da região como um "destino manifesto" do Brasil.

Nos últimos anos, o Exército reforçou o seu contingente na área, que agora atinge cerca de 22 mil militares. O treinamento de soldados para sobreviverem e operarem na selva é essencial.

"SELVA!"

Na sessão de apresentação do treinamento, o capitão Mario Brayer berra o credo dos guerreiros da selva aos seus pupilos: "Para quem ousar desafiar a nossa Amazônia, a aventura pode custar caro." Os soldados respondem da mesma forma.

Os cadetes e sargentos são voluntários de diferentes batalhões estacionados na Amazônia. A maioria vem de Estados distantes, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e sabe pouco sobre a floresta.

"O problema da selva é pânico e medo. Eles têm de aprender a serem calmos e a usar a razão", disse o tenente Antonio Santos Filho.

Os militares são orientados a pensar como caçador, não como caça. Eles aprendem o que comer --castanhas, vegetais, cobras, peixes e porcos do mato. Guias índios os ensinam a caçar e que plantas usar para fins medicinais. Os soldados são orientados na construção de abrigos com folhas e galhos.

"Para quem a conhece, a floresta é um shopping center. Para que não conhece, é o inferno. Vocês têm de aprender suas vantagens. Tudo de que precisam está aqui", disse Santos Filho.

Os soldados aprendem também a se localizar em um emaranhado de rios e a nadar com uma mochila pesada. Aprendem a se orientar pelas estrelas e pela lua, a manter a marcha em condições difíceis, sem descansar. E aprendem a patrulhar e combater.

A maior parte do treinamento ocorre em um terreno de 1.150 quilômetros quadrados ao norte do rio Amazonas, um pouco a leste de Manaus.

Durante a marcha até lá, os pupilos têm de recitar a oração dos guerreiros da floresta. Em determinando momento, se depararam com uma mesa cheia de jarros tentadores. "Quem quer suco?", pergunta um instrutor. Ninguém aceita.

Os alunos são tratados apenas por um número inscrito no boné, não pelo nome. Sempre que falam a um instrutor, eles terminam a frase com o grito de "selva!".

Tanta dureza tem um propósito. "Ele tem de estar preparado física e acima de tudo psicologicamente", disse o major Leudo Bellochio. "Há um estresse psicológico constante, como em combate."

Após dois dias, 17 dos 103 alunos desistiram. Quem completa o treinamento volta para suas bases, localizadas em nove Estados da Amazônia.

Ao todo, 4.026 oficiais e sargentos completaram o curso nos últimos 40 anos. Entre eles há 345 militares de Exércitos estrangeiros, todos de países vizinhos e da França, cujo território da Guiana Francesa faz fronteira com a Amazônia brasileira.

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