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Milícia, conflitos armados, 'guerra do dendê': entenda a ação da PF que prendeu lideranças indígenas no Pará

O Globo - https://oglobo.globo.com
Autor: Arthur Leal
31 de Jan de 2024

Milícia, conflitos armados, 'guerra do dendê': entenda a ação da PF que prendeu lideranças indígenas no Pará
Delegado cita 'comportamento violento' de dupla presa. Quadrilha teria promovido ataques entre povos originários

Por Arthur Leal
31/01/2024 04h30 Atualizado há uma semana

Dois líderes indígenas do povo Tembé Tenetehar, do Pará, foram presos numa ação da Polícia Federal, na segunda-feira (29) por liderar conflitos armados envolvendo povos originários no município de Tomé-Açu, cenário da chamada "guerra do dendê" no estado. Segundo o inquérito da PF que culminou na Operação Guaicuru, eles são suspeitos de tentativa de homicídio, associação criminosa, formação de uma milícia privada e posse ilegal de arma de fogo.

As investigações apontam que os dois líderes Tembé criaram uma milícia e se envolveram em conflitos armados por terras produtivas de dendê, de onde se extrai o azeite também conhecido na indústria como óleo de palma. Além de ser usado na culinária e em cosméticos, o óleo é uma das matérias-primas mais eficientes para produção de biocombustíveis e está em alta no mercado internacional.

O delegado federal Vinícius Lima, à frente do inquérito, esclareceu que não se trata de uma comunidade inteira comandada por uma milícia, mas de um grupo criminoso privado e supostamente chefiado pelos dois presos. A organização contaria também com não-indígenas.

- As tribos não se transformaram em milícias. Algumas lideranças constituíram milícias privadas com não indígenas - frisa. - Algumas ações violentas e criminosas são mobilizadas por indígenas e com participação e fomento dessas lideranças. Boa parte da comunidade age pacificamente sem ter problema.

Lima afirma que a polícia ainda investiga de onde viriam as armas e o dinheiro que financia a suposta organização criminosa. Segundo o delegado o inquérito foi instaurado por conta do aumento da violência da comunidade indígena. A ação teve como objetivo "restabelecer a ordem pública na região de Tomé-Açu, sobretudo em relação aos conflitos que envolvem as comunidades tradicionais".

Um dos indígenas teve mandado de prisão cumprido no Aeroporto Internacional de Belém. Também investigado por uma suposta ameaça a servidores do Ibama, ele estava a caminho de São Paulo quando foi abordado pela Polícia Federal. O outro líder foi preso pela Polícia Rodoviária Federal na rodovia BR-010, a caminho de Tomé-Açu.

Briga entre indígenas e empresa de extração de dendê
Nas regiões de Tomé-Açu e Vale do Acará, há uma antiga disputa territorial travada entre os povos originários e a empresa Brasil BioFuels (Grupo BFF), antiga Biopalma, que extrai e produz mais de 200 toneladas do óleo de palma anualmente em cerca de 75 mil hectares na Floresta Amazônica. Indígenas afirmam que a BFF avança em territórios demarcados e que age com violência. A empresa diz que atua em áreas autorizadas e que sofre com "invasões ilegais" e igualmente violentas.

Em junho do ano passado, após uma tentativa de assassinato contra o cacique Lúcio Tembé, a promotoria paraense chegou a citar que, desde a instalação da empresa, em 2008, "vários episódios de violência contra indígena ocorreram". O posicionamento fez com que o grupo reagisse, afirmando que "Tomé Açu e Acará estão dominadas pelo crime" e que "invasores indígenas e o crime organizado tomam conta do local". A nota dizia ainda que "as áreas invadidas se tornaram pontos de tráfico de drogas, motivação da tentativa de assassinato do cacique", e acrescentava que "trabalhadores e moradores são vítimas desta teia do crime, que age no roubo de frutos de dendê para vendê-los a empresas receptadoras que atuam de forma ilegal na região".

Procurada nesta terça-feira (30) pelo GLOBO, após a notícia da prisão das lideranças indígenas Tembé, o Grupo BFF afirmou que "não teve qualquer participação no caso" e que "a companhia reforça promover diálogo aberto e construtivo com as comunidades onde atua, buscando o bem viver e o desenvolvimento socioeconômico do entorno de suas operações na região Amazônica".

A reportagem não conseguiu contato com representantes da Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu, cujo líder foi preso, ou com a Federação dos Povos Indígenas do Pará. Também procurada, a secretária estadual dos Povos Indígenas do Pará e líder da etnia, Puyr Tembé, não retornou o contato.

No ano passado, em nota assinada pelo líder da Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu, Paratê Tembé, de 29 anos, os indígenas afirmaram que a BBF tentou, através de seu posicionamento, "criminalizar suas lideranças e a luta que travada pela retomada de seus territórios ancestrais, ocupados atualmente pela empresa".

"A BBF, aproveitando-se dos eventos que cercam a tentativa de homicídio de uma de nossas principais lideranças, o cacique Lúcio Tembé, passou a fazer acusações graves e mentirosas contra o nosso povo, com o intuito leviano de desvirtuar as narrativas e ofuscar a verdadeira origem dos problemas que fazem parte do cotidiano de nossas aldeias", dizia a nota.

"Em nota enviada à imprensa pela empresa, insinuam e tentam vincular os indígenas à práticas criminosas que não fazem parte das nossas tradições e as quais abominamos, como tráfico de drogas. Nosso povo não tem nenhuma associação com grupos criminosos que atuam na região, como quer fazer parecer a empresa. Ao contrário disso, como já mostrou a investigação comandada pelos órgãos de segurança, o cacique Lúcio Tembé foi alvo de um atentado justamente por combater possíveis usuários e traficantes de drogas em nossa Terra Indígena", prossegue.

"As ilações da BBF contra o nosso povo nos deixa em uma situação ainda maior de vulnerabilidade porque desperta a revolta popular contra nós indígenas, porque faz com que seus funcionários alimentem um ódio injustificável contra nossas lideranças, as mulheres, crianças e todos os integrantes das nossas aldeias", conclui o texto.

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