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Microprogressos climáticos

O Globo, Ciência, p. 36
14 de Dez de 2010

Microprogressos climáticos
Para especialistas, cúpula de Cancún avançou pouco no combate do aquecimento

Renato Grandelle

Os aplausos que encerraram a 16ª Convenção das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, no sábado, não foram suficientes para silenciar um alerta: os cortes nas emissões de gases-estufa estão muito aquém do necessário. Se as metas atuais não forem atualizadas, o mundo chegará a 2020 emitindo até 12 bilhões de toneladas de carbono a mais do que o recomendável. É mais do que o suficiente para tornar as mudanças climáticas incontroláveis. E o encontro em Cancún pouco fez para mudar este quadro. EUA e China, os maiores poluidores da atmosfera, seguem retardando, por motivos políticos e econômicos, um engajamento mais expressivo na luta contra o aquecimento global.
Para o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a inércia das potências globais pode dominar também as próximas conferências. Nobre faz eco a analistas internacionais, incrédulos que o presidente Barack Obama conseguirá aprovar uma legislação climática em seu mandato.
- Se ele for reeleito com ampla margem de votos, aí ele poderá atuar com força para promulgar o projeto a partir de 2013 - pondera Nobre. - Do contrário, nem o texto que tramita agora, que impõe metas muito modestas, será aprovado.
A China, de acordo com Nobre, observa os EUA enquanto investe em energia limpa. Em quatro anos, sua geração de energia eólica e solar será maior do que dos EUA. Em 2020, vai superar toda a produção energética brasileira.
- Como potência que é, a China quer vender tecnologia verde para o mundo - ressalta Nobre. - E, em 2050, o mercado de painéis solares, que poderão fornecer até metade da energia produzida no mundo, será extremamente lucrativo. Enquanto a China não dominar este setor, ela não assumirá metas para reduzir sua liberação de gases na atmosfera. Até lá, continuará com sua estratégia atual: prometendo que o crescimento das emissões não será tão grande quanto o projetado.
Como este debate só ganhará contornos nas próximas décadas, Cancún registrou só "microprogressos", diz Nobre. Seu maior feito pode ter sido evitar a morte do Protocolo de Kioto, dada como certa no início da COP-16. Trata-se do único acordo que estabelece metas legais para seus signatários - embora estes compromissos só sejam cobrados dos países desenvolvidos. Ainda assim, as metas são muito modestas. Espera-se que, até 2012, seus signatários tenham cortado 5,3% de suas emissões. Na segunda etapa (2013-2020), será preciso reduzir entre 25 e 30% dos gases-estufa.

REDD já movimenta US$ 4,5 bilhões

Os negociadores ainda hesitam em debater o aquecimento global, mas já progrediram na discussão sobre o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), um fundo destinado à preservação de florestas tropicais como as da Amazônia e da Indonésia.
- Sabemos que o REDD terá três fases: na primeira, já em vigor, os países montarão redes de monitoramento das florestas - explica Paulo Moutinho, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). - O REDD usará recursos do Fundo Verde, que terá US$ 100 bilhões por ano. Mas falta decidir se os países ricos podem cumprir seus cortes de emissões investindo na floresta de nações pobres. Parece um mercado interessante, mas ainda gera controvérsia.
Investimentos como este e na montagem de redes de vigilância de florestas, segundo Moutinho, já movimentam US$ 4,5 bilhões no planeta.

O legado de Cancún

METAS FRACAS: Se as metas atuais não forem atualizadas, o mundo chegará a 2020 emitindo até 12 bilhões de toneladas de carbono a mais do que o recomendável. Esse volume, para especialistas, vai agravar as mudanças climáticas.

GIGANTE: Maior emissora atual de CO2, paradoxalmente, a China deixou claro em Cancún que caminha para se tornar também a superpotência das energias alternativas. Em quatro anos, sua geração de energia eólica e solar será maior do que a dos EUA. Em 2020, vai superar toda a produção energética brasileira.

FLORESTAS: Foi o acordo mais significativo aprovado, embora ainda tenha partes em aberto. Investimentos em florestas já movimentam hoje cerca de US$ 4,5 bilhões por ano.

O Globo, 14/12/2010, Ciência, p. 36

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