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Michael Schmidlehner: Um estrangeiro defensor da floresta

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Flaviano Schneider
06 de Mar de 2003

O austríaco Michael Schmidlehner mora no Acre desde 1995. É casado com a mato-grossense Rosa Helena e tem visto permanente. Ele pode ser considerado um grande guerreiro contra os biopiratas. O site www.amazonlink.org que ele organizou destina-se a informar e alertar as pessoas sobre o que está acontecendo em relação a esse apaixonante assunto. Veja os melhores trechos da entrevista.

Desde quando surgiu este site?

O site www.amazonlink.org existe desde setembro de 2001 e trabalha com informações para as comunidades amazônicas. Em maio de 2002 teve um workshopp organizado pela Ong Recursos Genéticos - Ação Internacional (Grain), que foi uma das primeiras ONGs a combater a biopirataria através do patenteamento e apropriação de direitos intelectuais sobre a biodiversidade.

O evento reuniu cerca de 40 pessoas da Ásia, África, Américas todas falando que também enfrentam problemas locais com a biopirataria. Fizemos então um site para documentar as atividades deste workshop.

E por que resolveu iniciar através dele uma campanha contra a biopirataria?

Em novembro do ano passado mandamos amostras de cupuaçu para a Alemanha e apareceu um obstáculo à sua exportação. Fizemos uma pesquisa como funcionaria a exportação destes produtos ao exterior, para a comunidade européia e descobrimos que o nome cupuaçu foi registrado como marca.

O que significar registrar uma marca?

A empresas registram marcas para assegurar o direito de usar um nome ou restringir o uso deste nome por outras pessoas ou empresas. Geralmente isso se faz com nomes de fantasia, como Coca-Cola, Nike, Antarctica, etc. Mas achamos que fazer isto com o nome de uma fruta é um absurdo. Na Alemanha uma empresa que vendia geléia de cupuaçu para a Europa foi ameaçada de mula de 10 mil dólares por isto.

Também existem registros de patentes relacionados ao cupuaçu?

Ao fazer pesquisas sobre os registros das marcas descobrimos também o patenteamento pirata. Achamos uma série de patentes sobre a extração do óleo de cupuaçu e a produção do chocolate de cupuaçu - o cupulate, todas no nome da Asahi Foods, uma empresa japonesa.

Outros produtos também foram biopirateados?

Pesquisamos outros produtos importantes para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e também achamos patentes sobre a copaíba, andiroba. Depois ficamos sabendo sobre a patente da Ayahuasca e resolvemos lançar esta campanha, pois parece que no Brasil ninguém sabia destes registros, principalmente o registro do cupuaçu, com o objetivo de despertar a consciência sobre a problemática da biopirataria. Colocamos as informações sobre estas pesquisas no site, em português e inglês.

Mas a biopirataria não é coisa nova no Brasil...

Fizemos também uma pesquisa sobre o histórico da biopirataria no Brasil que não é um fato novo. Já começou com os portugueses com o caso do Pau Brasil. Tem o importante caso da borracha. As sementes da seringueira foram levadas para a Malásia e quando as árvores de lá começaram a produzir acabou com a economia da borracha no Brasil. Hoje, o assunto é mais polêmico porque a possibilidade de se apropriar destes recursos é maior porque existe a biotecnologia e a facilidade de registrar patentes e esta facilidade é cada vez maior.

Em que consiste o perigo dessa facilidade?

Existem acordos internacionais e a Organização Mundial do Comércio, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual que querem no fundo um sistema globalizado de patentes, ou seja, pode-se registrar uma patente que vai ter validade no mundo inteiro. Isto é desastroso. É claro que não é importante apenas reverter as patentes, mas reformular a postura em relação aos direitos sobre a biodiversidade.

Sua organização atuou diretamente junto aos órgãos competentes?

Preparamos um dossiê que foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente e outras entidades em dezembro do ano passado. Já havíamos entrado em contato com órgãos estaduais também, mas não tivemos resultados concretos e então resolvemos divulgar isto para servir de alerta a estes órgãos.

Como foi a repercussão do site?

A repercussão na mídia foi muito grande. Primeiro em nível local e depois o jornal O Estado de São Paulo divulgou. O jornal O Liberal, do Pará, divulgou exatamente quando estava acontecendo o Fórum Panamazônico, em Belém, reunindo pessoas de toda a Amazônia e nestas reuniões o assunto foi discutido e resolveram apoiar a nossa campanha, principalmente o GTA. Saiu também no Jornal Nacional, na Revista Veja e depois disto vários órgãos resolveram entrar em ação.

O que a Amazonlink pretende alcançar com essa campanha?

Nós queremos que este movimento seja bastante abrangente. Não queremos apenas fazer barulho na mídia, mas que sejam realizados estudos profundos que façam uma relação de todos nossos recursos biológicos, o estudo do uso histórico destes recursos, as possibilidades legais de questionar estes registros e os impactos e prejuízos para o desenvolvimento sustentável e para as comunidades tradicionais. Queremos o levantamento destes dados para mais clareza porque tudo ainda é muito vago.

O senhor acha que o assunto vai interessar o cidadão comum?

Com estes estudos na mão queremos fazer um trabalho pedagógico, explicando para as pessoas, especialmente as comunidades da Amazônia, explicando para eles o que é uma marca, o que é uma patente, o que é propriedade intelectual, o que é biopirataria, que, aliás é um assunto que ainda hoje muito poucas pessoas entendem, mas, ao mesmo tempo, atingem as pessoas pois elas estão cada vez mais perdendo seus direitos, pois as empresas grandes que tem os meios de capital para fazer estes registros estão sempre registrando.

A Amazonlink banca todo esse trabalho?

A Amazonlink é muito pequena, nosso trabalho é voluntário, não temos recursos e também não temos a representatividade necessária para podermos atuar como representantes destas comunidades. Com a adesão do GTA reformulamos nossa campanha junto com eles. Ela vai ser aumentada de intensidade e a Amazonlink vai continuar fazendo sua parte, mantendo seu site e ampliando-o porque um site não pode ser extático senão as pessoas param de acessá-lo.

O senhor não disse que o site está agora disponibilizando um formulário de protesto?

Nós colocamos na internet, em nosso site, um formulário de protesto, no qual se expressa a indignação das pessoas com estes registros e pedindo providências para anular este registro sobre o cupuaçu. No e-mail a pessoa coloca seu nome, endereço eletrônico, seus dados pessoais e com um clique envia este e-mail para seis endereços no Brasil e seis no Exterior para os principais órgãos envolvidos no assunto como o INPI, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério do Meio Ambiente, a empresa Asahi Foods e o órgão japonês que faz estes registros etc.

Está havendo receptividade com o formulário?

Há seis dias que colocamos este formulário e já foram enviadas centenas de mensagens para estes órgãos. O formulário é enviado em português e inglês para órgãos internacionais. Isto está se tornando uma bola de neve e isso é o que queremos, que milhares de pessoas enviem suas mensagens. O importante disto é que a pessoa sente que ela mesma pode fazer alguma coisa. O bom da internet é esta interatividade.

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