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A metrópole não pode ficar sem água

JT, Artigos, p. A2
Autor: SANTOS, Ubiratan de Paula
22 de Mar de 2004

A metrópole não pode ficar sem água

Ubiratan de Paula Santos

Se em anos anteriores o "Dia Mundial da Água", comemorado em 22 de março, já devia ser motivo para a reflexão dos governantes e da população sobre o assunto, mais do que nunca a questão das águas deve ser seriamente debatida neste momento, visto que a Região Metropolitana de São Paulo enfrenta sua pior crise de abastecimento e saneamento.
Reportagens publicadas nos últimos meses retratam um modelo de abastecimento e saneamento à beira do colapso, com o Sistema Cantareira, que abastece 9 milhões de pessoas, ou mais da metade da população da Região Metropolitana de São Paulo, atingindo o mais baixo nível de armazenamento da história.
E essa crise poderia ser minorada se a Região Metropolitana pudesse contar com maior utilização dos mananciais, extremamente poluídos, devido, principalmente, à falta de investimentos da Sabesp no tratamento dos esgotos.
Os municípios, principais interessados em ampliar o nível de coleta e tratamento de esgoto e também em buscar novas fontes de abastecimento para a região, são alijados da discussão. A situação atual denuncia a ausência de planejamento e de investimentos nos sistemas de abastecimento de água, coleta e tratamento por parte da Sabesp e do governo do Estado.
Este fato pode ser mensurado por meio do relatório final do Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, elaborado pela Fundação da Universidade de São Paulo (Fusp) a pedido do DAEE, no fim de 2002. Segundo o estudo, a bacia - compreendida por 34 das 39 cidades que integram a Região Metropolitana de São Paulo - contava em 2000 com 65% dos esgotos coletados, dos quais apenas 32% eram tratados.
Isso quer dizer que, segundo os dados encomendados pelo DAEE, somente 21% dos dejetos produzidos diariamente por mais de 17 milhões de habitantes eram tratados em 2000, e o cenário atual não é diferente. 0 restante acaba sendo lançado nos córregos, rios e represas da Região Metropolitana.
O estudo aponta ainda que a Sabesp vinha disponibilizando 63 mil litros de água por segundo para os 28 municípios abastecidos pelo Sistema Integrado de Abastecimento de Água da Região Metropolitana. Destes, 56,7 mil litros se transformam em esgoto, ou 90% do total. De acordo com dados do estudo, a capacidade de tratamento instalada é de 18 mil litros por segundo. Logo, pelo menos 38,7 mil litros de dejetos são derramados sem tratamento a cada segundo nos rios e represas da Grande São Paulo. Numa conta simples, significa que 3,34 bilhões de litros ou mais de 3 milhões de toneladas de dejetos humanos são despejados diariamente nos mananciais que deveriam abastecer a Região Metropolitana.
Se as águas de represas como a Billings e a Guarapiranga não estivessem tão poluídas, esses mananciais poderiam responder por uma parcela muito maior no abastecimento da região, que hoje depende em mais de 50% do Sistema Cantareira, que recebe água de outras regiões do Estado (Rios Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atinainha e Juqueri).
Foi com a preocupação de superar essa situação de caos que a Prefeitura de São Paulo sancionou a Lei no 13.670, que institui o Sistema Municipal de Regulação dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário (Sire), a Autoridade Reguladora dos Serviços de Água e Esgotamento Sanitário de São Paulo (Arsae) e o Plano Municipal de Saneamento (PMS).
Defendemos, com essa iniciativa, que os municípios exerçam a titularidade e cumpram o dever de participar da gestão dos serviços de saneamento garantida na Constituição Federal (Artigo 30, inciso V) e intervenham para a formulação de uma proposta metropolitana de saneamento ambiental.
É intolerável que no século 21 tenhamos de conviver com essa situação de falta de tratamento ao esgoto e de falta d'água. É também intolerável a recusa do governo do Estado em aceitar que as municipalidades sejam gestoras de um serviço vital para a saúde da população.
E necessário que as cidades da Região Metropolitana criem instrumentos para resolver suas demandas de modo a contribuir para um melhor aproveitamento dos recursos hídricos, de acordo com as necessidades de seus habitantes.
Para isso, é preciso que se mude radicalmente a relação da Sabesp com os municípios da Região Metropolitana, enterrando de vez esse sistema centralizador e antidemocrático. Somente assim a sociedade, por meio das municipalidades, poderá estabelecer e cobrar metas de qualidade e universalização do abastecimento de água e do tratamento do esgoto.

Ubiratan de Paula Santos é chefe de Gabinete da Secretaria do Governo Municipal de São Paulo

JT, 22/03/2004, Artigos, p. A2

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