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A mesma dificuldade em estudar a Amazônia, 40 anos depois

OESP, Vida, p. A22
07 de Jul de 2007

A mesma dificuldade em estudar a Amazônia, 40 anos depois
Desde 1966, área equivalente a dois Estados de SP foi destruída na região

Eduardo Nunomura

Quatro décadas atrás, cientistas pediam mais recursos e pesquisadores para poder estudar a Amazônia como ela mereceria. Desde então, uma área equivalente a dois Estados de São Paulo foi destruída e eles agora pedem mais recursos e pesquisadores para salvar a floresta. Dois simpósios, um de 1966 e outro de 2006, quando comparados, mostram que, apesar dos inúmeros avanços que a ciência obteve, as demandas de outrora são as mesmas de hoje. Ou nas palavras do engenheiro agrônomo Ítalo Falesi, de 75 anos e presente nos dois eventos: "Dá uma tristeza muito grande saber que estamos batendo nas mesmas teclas do passado."

Em 66, o Estado noticiou a realização do 1.o Simpósio sobre a Biota Amazônica, que viria a ser o primeiro e mais completo inventário científico já produzido da floresta tropical. Seus resultados teriam implicações econômicas e políticas, como discutir a agricultura atrasada, a pilhagem de madeira que já ocorria e o progresso que poderia surgir com a abertura de rodovias. Foram produzidos sete anais com farta documentação.

"A ciência da Amazônia corre atrás do prejuízo que vem na frente com a expansão econômica voraz e as políticas de governo que causam grandes danos", resume o pesquisador Nelson Sanjad, coordenador do 2.o Biota, realizado em dezembro de 2006, no Museu Paraense Emilio Goeldi. Esse evento foi uma preparação para a 59.ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que começa amanhã com o tema Amazônia. Ao assumir a missão de sintetizar os resultados do segundo simpósio, o historiador surpreendeu-se ao encontrar similaridades dos dois eventos. "Por incrível que pareça, continuamos a falar das mesmas coisas, mas numa situação desfavorável", diz Sanjad. No primeiro Biota, os cientistas destacaram três pontos a serem enfrentados. O incentivo à pesquisa básica, formação de novos pesquisadores e articulação de pesquisas que unissem as várias áreas do saber científico. Tudo o que é preciso hoje.

Antes e agora

A Amazônia tinha menos de 4% de seu território desmatado em 1966. De lá para cá, a expansão agrícola, os projetos de colonização e de desenvolvimento industrial aceleraram a ocupação da região e sua destruição. Hoje, mais de 680 mil km2 de floresta não existem mais, o equivalente a 5,8% do território nacional. A maior parte ocupada por pastagem. Nos últimos 30 anos, o número de cabeças de gado na região Norte saltou de 4 milhões para mais de 41 milhões. Entre os Censo de 1980 e 2000, a população amazônica passou de 3,6 milhões para 12,9 milhões.

Para os cerca 5 milhões de km2 da Amazônia, há 1.200 cientistas-doutores atuando. Como se cada um tivesse sob sua supervisão 4,2 mil km2. Só para comparar, na Universidade de São Paulo, lecionando, pesquisando ou fazendo extensão são 5.028 pesquisadores-doutores. Ainda que insuficientes, os investimentos governamentais permitiram criar ou estruturar órgãos de importância,como a Embrapa Oriental, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi.

Pioneiro nos estudos do solo amazônico e hoje na Embrapa Oriental, Falesi viu ao longo de 50 anos pesquisando a região poucas equipes serem formadas. "Uns já se aposentaram e não foram substituídos, outros passaram a atuar em outras atividades." No período, os pesquisadores criaram uma classificação de solo genuinamente brasileira, incorporaram modernas tecnologias de análise, expandiram o número de laboratórios nos Estados e hoje já se sabe qual a melhor destinação para cada pedaço de terra. Só que é pouco. "A gente publica, mas quem lê trabalho técnico? O agricultor não lê", alerta Falesi. "Dá um certo desânimo. Quanto mais você sabe, mais verifica que tem que estudar", acrescenta Sanjad, que apresentará na reunião da SBPC estudo comparativo dos simpósios.

Primeiro evento reuniu 16 países

A realização do 1.o simpósio ocorreu graças ao empenho do zoólogo José Cândido de Melo Carvalho. Em 1965, o então pesquisador do Museu Nacional do Rio convenceu a Association for Tropical Biology a promover o primeiro encontro mundial de acadêmicos de áreas tropicais no Brasil. Com apoio dos EUA, interessados na criação de centros de pesquisa voltados a ecossistemas, o evento foi encampado pelo governo brasileiro e realizado no Museu Paraense Emílio Goeldi.

Para que os brasileiros assumissem a frente do encontro, Melo Carvalho escolheu como coordenadores os cientistas Paulo Vanzolini, Eduardo Galvão, Aziz AbSaber, Hugo de Souza Lopes, João Murça Pires e Harald Sioli. Foram apresentados 227 trabalhos e as atas resultaram em 169 artigos de 2.408 páginas. Até hoje, o geógrafo Aziz AbSaber se satisfaz ao ver a diversidade de assuntos tratados por cerca de 200 cientistas de 16 países em 1966. Crítico das políticas públicas (ou a ausência delas), o cientista alerta que, apesar de hoje se conhecer mais e melhor a floresta, novas ações humanas continuam a ameaçar a região. "A Amazônia merece um trabalho muito mais adequado e radical para evitar sua destruição", diz AbSaber.

OESP, 07/07/2007, Vida, p. A22

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