VOLTAR

A mensagem dos assassinos impunes

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: ROQUE, Atila
20 de Dez de 2012

A mensagem dos assassinos impunes
De 2010 até setembro deste ano foram observados 300 casos de agressões e ameaças de morte a defensores de direitos humanos -a maioria em áreas de conflitos por terra , madeira e minérios

Atila Roque

"O colete à prova de balas pode proteger seu corpo, mas sua cabeça, não". A ameaça foi feita para Nilcilene Miguel de Lima, líder de 800 famílias de agricultores no estado do Amazonas. Não eram apenas palavras: nos meses anteriores ela havia sido espancada duas vezes por pistoleiros, tido sua casa e plantação destruídas em incêndios e perdido um colega de ativismo, assassinado.
Ela denunciara a ação de madeireiros ilegais que cobiçavam as terras de sua comunidade. Nilcilene está no Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, mas isso não impediu que as agressões continuassem, e ela teve que fugir de sua região.
O programa foi criado em 2004 e a política nacional para a área, em 2007. Passos importantes, mas insuficientes. Segundo o governo federal, o Programa de Proteção foi implementado em apenas oito estados: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
A falta de recursos, infraestrutura e coordenação entre autoridades federais e estaduais é problema importante que o impede de alcançar seu objetivo. Cerca de 300 pessoas estão sob proteção do Programa e, mesmo assim, muitas delas seguem o mesmo caminho que Nilcilene.
É o caso de Alexandre Anderson, líder de pescadores artesanais na Baía da Guanabara, que protesta contra os impactos ambientais das empresas petroquímicas que se instalam na área, e teve que sair do Rio de Janeiro por conta de ameaças de milícias. O afastamento faz com que se enfraqueçam os vínculos com suas comunidades e fragiliza a continuidade de suas lutas.
A situação brasileira é parte de um padrão mais amplo que a Anistia Internacional aborda no relatório "Transformando dor em esperança: defensoras e defensores dos direitos humanos nas Américas", lançado neste mês. De 2010 até setembro deste ano, foram observados 300 casos semelhantes na região - a maioria envolve conflitos por terra ou outros recursos naturais, com frequência no contexto de grandes projetos econômicos, como a instalação de indústrias extrativas.
Em apenas quatro casos os responsáveis pelas agressões foram punidos. A impunidade em relação à maioria dos casos favorece que a violência, em pleno século XXI, permaneça moeda corrente na abertura dos territórios aos projetos de desenvolvimento.
A Anistia Internacional exorta os governos da região a fortalecerem seus programas de proteção e investigarem as ameaças e outras formas de agressão contra os defensores de direitos humanos. A situação é particularmente grave no caso das mulheres que, com frequência, são vítimas de ataques sexuais realizados com o propósito de humilhá-las e controlá-las.
Além das medidas judiciais e policiais, as autoridades podem contribuir com esses esforços reconhecendo publicamente a importância do ativismo em prol dos direitos humanos. Ainda é algo distante da realidade das Américas, pois muitas vezes os governos tentam estigmatizar as pessoas que se dedicam a essas causas como "provocadores" em busca de problemas ou adversárias do desenvolvimento econômico. O Brasil tem o desafio de reverter esse quadro, especialmente em meio à realização de eventos esportivos internacionais e da construção de grandes projetos de infraestrutura.

Atila Roque é diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil

O Globo, 20/12/2012, Opinião, p. 19

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.