VOLTAR

Menos pesquisas energéticas

CB, Economia, p. 9
08 de Fev de 2004

Menos pesquisas energéticas
Projeto que reformula setor elétrico corta pela metade a verba destinada a estudos. Especialistas dizem que dinheiro destinado a esse tipo de investimento acaba sendo usado para pagar juros da dívida pública

Andrea Cordeiro

As duas medidas provisórias, que definem o novo modelo do setor elétrico, criam a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e condenam os projetos de pesquisa que hoje estão em andamento no Brasil. Em tramitação no Senado Federal, o novo modelo determina que metade dos recursos destinados a esses projetos sejam redirecionados para financiar a EPE. 0 corte em 50% no orçamento inviabiliza novos projetos e fecha, pelo menos, metade das vagas abertas nas universidades brasileiras.
0 novo modelo do setor elétrico muda a lei 9.991. Aprovada em 2000, a lei obriga que as empresas do setor de energia (geradoras, distribuidoras e transmissoras de energia) destinem 1%ode sua receita operacional líquida em projetos de pesquisa e desenvolvimento. Metade segue para o Fundo Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a outra metade para projetos de pesquisa e desenvolvi mento do setor elétrico, aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Com a MI? 144, a metade do dinheiro destinado a esses projetos deverá seguir para a EPE.
No ano passado, R$ 200 milhões financiaram 530 projetos em todo o país. Hoje, atuam no Brasil cerca de 3,3 mil pesquisadores e desde a aprovação da lei 9.991, 400 teses foram defendidas. Com o avanço das pesquisas, os últimos projetos começaram a precisar de prazo maior para a conclusão, de dois a três anos. 0 corte de 50% no financiamento comprometerá metade desses projetos. "Vai funcionar como um freio no desenvolvimento de pesquisa no país", protesta o diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), Roberto Nicolsky.
Na tentativa de reverter essa crise, o diretor da Protec está tentando convencer o senador Delcídio do Amaral, relator da MP no Senado, a alterar o artigo 12 da MI? 144. Segundo Nicolsky, o governo pode buscar recursos para financiar a EPE no Fundo Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico. "O dinheiro do Fundo não é usado e está no caixa do Tesouro Nacional para financiar o superávit primário", explica. Esse superávit é usado para pagar juros da dívida pública.
Nicolsky reclama que, durante a elaboração do novo modelo do setor, as instituições de pesquisa não foram ouvidas pelo governo. "Fomos surpreendidos com a mudança", reclama. Procurado pelo Correio, o Ministério de Minas e Energia não quis comentar as acusações.
Otimização
Para que uma empresa do setor invista em pesquisa, é necessário que a Aneel, indique quanto (em dinheiro) essa empresa deve investir em pesquisa. A empresa entra em contato com uma universidade ou centro de pesquisa e apresenta um problema que deve ser resolvido, mas que depende de pesquisa. Por exemplo, otimização no atendimento a consumidores que têm o fornecimento de luz interrompido. 0 projeto é elaborado pela instituição e apresentado à Aneel. Se aprovado, o dinheiro é liberado.
A lei 9.991 beneficiou o desenvolvimento da pesquisa em universidades de todo o país. Projetos que resolvem problemas e ajudam a otimizar o serviço das empresas de energia. Na Universidade São Paulo (USP), a Escola Politécnica criou o Centro de Estudos em Regulação e Qualidade de Energia (Enerq), que emprega 125 doutores, mestres, pós-doutores e especialistas no setor. Juntos, esses pesquisadores já desenvolveram 42 projetos para empresas do setor elétrico em todo o país (Eletropaulo, Celg, Enersul, Coelba, Copel, AES/Sul e Cemar, são alguns dos clientes) desde que o dinheiro para pesquisa começou a aparecer.
Um dos projetos ajudou a Eletropaulo a detectar automaticamente onde ocorreu queda de energia (falta de luz). Com ele, o consumidor não precisa ligar para a companhia para avisar que faltou luz em sua casa. Coordenador do Enerq, o professor Gil Vasconcelos teme que, com a falta de investimento em pesquisa, perca grandes pesquisadores do setor. "0 dinheiro para pesquisa já é pouco e eles querem tirar o que temos", reclama.
0 coordenador do Centro de Pesquisa e Descarga Atmosférica - dedicado à proteção contra raios e descarga energética - da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Silvério Visacro, revela que, a lei 9.991 permitiu uma revolução na pesquisa em energia no país, com o incentivo a novos pesquisadores e com projetos reconhecidos internacionalmente. A UFMG, por exemplo, é reconhecida como um dos três centros de pesquisa mais avançados do mundo nessa área. Em dois anos, 20 teses foram defendidas e os artigos publicados em revistas científicas internacionais.

CB, 08/02/2004, Economia, p. 9

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.