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Meio ambiente: o desafio de mudar as mentes e o mundo no seculo XXI. Obra reune artigos de especialistas sobre impasses e rumos da ecologia

O Globo, Prosa & Verso, p. 5
Autor: FAJARDO, Elias
22 de Nov de 2003

Meio ambiente: o desafio de mudar as mentes e o mundo no século XXI
Obra reúne artigos de especialistas sobre impasses e rumos da ecologia

Meio ambiente no século XXI - 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento, coordenação de André Trigueiro, Ed. Sextante, 367 pgs. R$ 34
Elias Fajardo

Hoje, todos os países do mundo são afetados, com maior ou menor intensidade, por problemas ambientais. No entanto, muitos acham chato discutir este assunto e outros afirmam que a causa ambiental não avança porque a imprensa não lhe dá o espaço necessário.

Culpar a imprensa é simples; complexo - e talvez mais efetivo - seria refletir sobre o que realmente acontece. Daí a importância deste livro, que mapeia temas polêmicas através de textos dos próprios atores envolvidos com os problemas e suas soluções. A começar pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, cujo prefácio reconhece: estamos imersos num consumismo ideológico, nos alimentando de idéias repostas tão rapidamente como produtos numa prateleira de supermercado, sem condições de transformar o conhecimento em fazeres e sem modificar comportamentos. Marina detecta, pois, uma crise de comunicação entre a sociedade e os formuladores de idéias ambientais.

Gabeira: ambientalismo e problemas sociais

Já o artigo do deputado federal Fernando Gabeira deixa entrever sua discordância do governo Lula, que o levou a deixar o PT. Está lá, com todas as letras: a decisão do governo brasileiro de permitir a importação de pneus usados do Uruguai (a Argentina, por exemplo, não permite) beira o escândalo. Gabeira fala ainda da necessidade de criar uma ponte entre o ambientalismo e os problemas sociais. Segundo ele, um esforço nacional, por exemplo, em torno do saneamento básico (um dos nossos maiores problemas, escamoteado pela maioria dos governos) poderia unir gregos e troianos brasileiros e criar uma frente capaz de abreviar uma solução.

Fábio Feldman, um dos articuladores da posição do Brasil na conferência Rio+10 da ONU em Joanesburgo, em 2002, bota o dedo na ferida ao constatar que pobreza, concentração de renda e desigualdades aumentaram no Brasil e no mundo, agravando a crise ambiental. Fábio reconhece nosso sentimento de pequenez diante da magnitude das soluções exigidas pelo momento histórico e trabalha a noção de interdependência entre os hábitos cotidianos e os recursos planetários. Por exemplo, a expansão da culinária japonesa aumentou enormemente a captura do atum, cuja pesca precisa ser regulamentada. Mas aponta algo positivo: o surgimento do consumidor consciente, que pode mudar o quadro do consumo desvairado e histérico em que vivemos.

Um dos artigos mais significativos é o de José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e articulador da proposta brasileira (infelizmente recusada em Joanesburgo) de aumentar o uso de energias renováveis no mundo. Goldemberg mostra que é possível garantir oferta de energia para reduzir a pobreza sem agredir exageradamente a natureza.

O jornalista André Trigueiro acerta em cheio ao mostrar que os programas "verdes" na mídia brasileira contribuem para aumentar a consciência ambiental, mas por outro lado são redutores, deixando a impressão de que meio ambiente é só bichinho e florzinha exótica. André cita Moniz Sodré, que considera a mídia a boca do deus mercado, pois acelera o efeito perverso da globalização. Mas no final do artigo reduz um pouco o alcance da discussão ao analisar o papel de três comunicadores da área ambiental: Randau Marques, Hiram Firmino e Washington Novaes. Talvez em vez de jogar tanto confete nestes excelentes profissionais, fosse mais o caso de aprofundar o caráter dúbio da imprensa, ao mesmo tempo um veículo ideológico de formação de opinião e um produto comercial atrelado a interesses políticos e de anunciantes.

Irretocável é o artigo do vice-almirante Ibsen de Gusmão Câmara, uma voz lúcida que há décadas tem tentado se fazer ouvir entre nós. Ele realça o papel positivo da ciência e da tecnologia, mas reconhece as sombrias realidades geradas pelo próprio desenvolvimento científico: crescimento demográfico descontrolado, extermínio de espécies, etc.

Quem quer saber quem são os principais atores e como funcionam os bastidores da ferrenha disputa, nos palcos internacionais ambientais, não pode deixar de ler o artigo de Eduardo Viola. E quem estiver interessado numa questão mais que polêmica - os problemas causados à saúde dos trabalhadores pelas empresas poluidoras e a guerra entre a necessidade de manter os empregos e a de proteger o meio ambiente e os seres humanos que trabalham em atividades de risco - precisa ler o competente texto do deputado estadual Carlos Minc.

Enfim, um livro que ficará, pela excelente contribuição ao aprofundamento de questões cruciais para o avanço da consciência e da prática ambientais no nosso país.

Elias Fajardo é chefe de redação do programa Globo Ecologia

O Globo, 22/11/2003, Prosa & Verso, p. 5

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