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Médico largou a profissão e abraçou a floresta

O Globo, O País, p. 14
02 de Mar de 2008

Médico largou a profissão e abraçou a floresta
Infectologista, que cuidava de pacientes com Aids, hoje é fiscal do Ibama e chefia operação contra devastação

Evandro Éboli Enviado especial

O infectologista Antônio Paulo de Paiva Ganme sempre gostou de brigar pelas causas mais difíceis e fez um caminho que poucos na sua profissão fizeram. Abandonou a próspera e rentável carreira médica para se embrenhar nas matas. Antônio trocou o jaleco de médico pelo colete verde de fiscal do Ibama. Deprimido e insatisfeito na profissão, o infectologista, aos 48 anos, deixou para trás uma rotina de atendimento de pacientes com Aids e se encontrou na fiscalização de madeireiros ilegais e na perseguição a invasores de reservas florestais.
No Ibama há apenas dois anos, já assumiu cargo de chefia e hoje coordena a Divisão de Fiscalização da Fauna e atua na área de operações. É um dos comandantes da Operação Arco de Fogo, que reprime a devastação da Amazônia. Sua base é o Mato Grosso, estado com maiores índices de destruição da floresta.
Ao deixar o consultório e os plantões em hospitais em São Paulo, em 2005 - quando ingressou no Ibama por concurso público - Antônio sentiu-se aliviado.
- Logo que entrei no Ibama, minha mulher me disse: Antônio, você está vivo hoje. Como médico, ainda que ajudando as pessoas, fui desabando. Achei meu caminho agora - disse Antônio Ganme, cuja relação com o meio ambiente era a participação em entidades não-governamentais.
O médico trocou o estetoscópio por uma pistola calibre .40 e uma espingarda de 12 milímetros. Ele foi atirador esportivo na década de 90.
- É uma atividade policial.
Tem momento que você se expõe e tem de abordar com cuidado - conta o fiscal.

Um chefe que prefere a rua aos gabinetes
Ganme reprime crimes ambientais nas áreas mais problemáticas

Apesar de estar no comando da operação, Antônio Ganme não é um chefe que gosta de gabinete. Ele atua pessoalmente nas fiscalizações e aplicações de multa. É um dos primeiros a sair do carro para abordar uma carreta suspeita de traficar madeira ilegal; sobrevoa propriedades rurais; fecha madeireiras; e coordena barreiras nas estradas. Até mesmo o desgastante trabalho de medição de toras e ripas de madeira nos pátios de uma madeireira ele faz questão de acompanhar.
Antônio circula pelo país sempre em operações em áreas problemáticas, como a Terra do Meio, no Pará, perto de onde foi assassinada a missionária americana Dorothy Stang, em 2005.
Ano passado, esteve numa ação no período de defeso da lagosta em Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Um dos trabalhos mais delicados foi no Maranhão: atuou na retirada de traficantes da reserva ambiental de Buriticupu, numa região chamada de Vila da Maconha.
Formado na Escola Paulista de Medicina, em 1983, especializou-se em doenças infecciosas e fez residência tratando de portadores do vírus HIV, numa época em que o índice de morte pela doença era alto. Lembra com tristeza da rotina e da impotência de ver pacientes morrerem sem muito o que fazer:
- Era algo sofrido para nós.
Na época, revelar ao paciente que ele estava com Aids era dar uma notícia de morte. Cada consulta para dar o diagnóstico levava uma hora e meia. Era doença que estigmatizava a pessoa.

O Globo, 02/03/2008, O País, p. 14

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