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Mediador teme mais conflitos com índios

OESP, Política, p. A6
06 de Jan de 2013

Mediador teme mais conflitos com índios
Bispo prevê aumento da tensão em Humaitá se ficar comprovado que indígenas estão envolvidos no desaparecimento de três homens

José Maria Tomazela, Enviado Especial / HUMAITÁ (AM) - O Estado de S.Paulo

O ressentimento entre brancos e índios na região de Humaitá, no sul do Amazonas, pode gerar novos conflitos como o que abalou a cidade no dia do Natal. Para o bispo d. Francisco Merkel, de 69 anos, a quem foi confiado o papel de mediador do conflito, se ficar comprovada a participação de indígenas no desaparecimento de três homens na reserva, a tensão vai aumentar.

Segundo ele, quando a população local atacou as instalações indígenas na cidade, além da revolta contra os índios, havia uma insatisfação com as autoridades. "Três homens de bem sumiram e tudo apontava para os índios, mas o que fizeram as autoridades? Nada. Então, o principal alvo da explosão foi essa inércia do governo."

O bispo conta que, no dia 24 de dezembro, ele foi ao local em que a multidão paralisava o serviço de balsas no Rio Madeira e sentiu um clima tão tenso que não conteve o choro. "No dia seguinte, vi que o problema ia além da questão dos desaparecidos, pois havia muita raiva. À dor dos familiares se juntou a revolta de outras pessoas."

Para o bispo, se as autoridades tivessem iniciado as buscas pelos desaparecidos, o conflito não teria acontecido. "Houve uma reunião de emergência e ficou tudo acertado para iniciar as buscas, só que não foi feito." Diante da demora na investigação, a multidão teria decidido fazer alarde para chamar a atenção.

"Quando soube o que estava acontecendo, fui à sede da Funai e vi que não tinha condições de mediar nada. Era um clima de raiva, de explosão, e cheguei a temer pela minha integridade", contou. Segundo o bispo, sem escudos e capacetes, a Polícia Militar não estava preparada para enfrentar a multidão. "No Natal, a cidade não tinha juiz, nem polícia, e o prefeito também estava ausente. O Natal é um dia com a família, mas três homens estavam desaparecidos e a população ia recorrer a quem? A revolta foi contra toda essa omissão", disse.

Pedágio. Acabar com o pedágio cobrado pelos índios na Transamazônica é apontado por d. Francisco como uma medida essencial para a paz. Na região desde 2000, ele lembra que os conflitos começaram após a cobrança, em 2006.

"As pessoas não acham justo pagar para passar numa estrada sem asfalto e segurança", afirmou. A omissão das autoridades em relação ao pedágio levou a uma situação insustentável. "Se os índios têm direito a uma compensação pela Transamazônica cortar a reserva, o governo é que tem de pagar."

No papel de mediador, ele desenvolve estratégias para reduzir os ressentimentos. No dia 1.o, a diocese organizou uma passeata pela paz em Humaitá com cerca de 800 pessoas. Ontem, a igreja católica se juntou às evangélicas numa marcha em Apuí (AM). Outra proposta é a inclusão do estudo da cultura indígena nas escolas que, embora seja lei, não é cumprida.

Acabar com a tensão exige um trabalho longo, diz. "Não dá para falar em meses, é coisa para anos. Eu faria uma advertência às autoridades: escutem, sintam o povo, não fiquem tentando resolver à distância."

Buscas. Amanhã, o general de exército Eduardo Dias da Costa Villas Boas, comandante militar da Amazônia, sobrevoará a região. O oficial deve decidir se autoriza a entrada na floresta da tropa de elite do Exército, especialista em combate na selva, para ajudar nas buscas.

Os três homens desapareceram na Transamazônica, quando passavam de carro pela reserva indígena no dia 16 de dezembro. Há dez dias uma força-tarefa comandada pela Polícia Federal realiza buscas na região. Na sexta-feira, foram encontrados restos de um carro incendiado próximo de uma aldeia tenharim. A perícia que vai determinar se era o veículo usado pelos desaparecidos não tem prazo para ser concluída.

Advogado vai pedir à Justiça prisão de caciques suspeitos

José Maria Tomazela, Enviado Especial / HUMAITÁ (AM) - O Estado de S.Paulo

O advogado Carlos Terrinha, que representa as famílias dos três homens desaparecidos em Humaitá (AM), vai entrar hoje com pedido de prisão temporária dos caciques supostamente envolvidos no caso. Para ele, com o encontro dos restos queimados de um carro, na sexta-feira, já haveria elementos para a prisão.

"Não temos dúvida de que o carro era das vítimas e não há razão para esperar mais", disse Terrinha. O advogado fará uma representação à Justiça Federal e um requerimento à Superintendência da Polícia Federal.

Para ele, a demora em reconhecer que os desaparecidos - o professor Stef Pinheiro de Souza, o comerciante Luciano Ferreira Freire e o técnico Aldeney Ribeiro Salvador - foram assassinados pelos índios aumenta o clima de tensão na região.

Em nota divulgada na sexta-feira, a PF confirmou ter encontrado vestígios de um carro, mas não havia sinais dos corpos e uma perícia vai determinar se se trata do veículo das vítimas.

Terrinha vai pedir que a Funai investigue a conduta do coordenador regional do Madeira, Ivã Bocchini, que teria usado o blog oficial do órgão para levantar suspeitas sobre a morte do cacique Ivan Tenharim, em 3 de dezembro. O comentário foi feito por Bocchini antes do desaparecimento do trio. O coordenador não foi localizado.

Tensão ameaça ano escolar dos indígenas

A persistência do conflito entre brancos e índios pelo desaparecimento de três homens na reserva tenharim-marmelos há 20 dias pode deixar crianças e jovens indígenas sem aulas no início do ano escolar, em Humaitá, sul do Amazonas. O calendário de 2014 foi adiantado em razão da Copa e o ano letivo começa em menos de um mês. De acordo com Ivanildo Tenharim, representante da etnia e coordenador de Educação Escolar Indígena em Humaitá, mais de trinta professores índios que atuam nas 13 escolas indígenas do município terão de passar por um curso de capacitação na cidade antes do início das aulas.

Após o conflito que resultou na destruição das instalações indígenas na cidade e na entrada das aldeias, os índios permanecem confinados na reserva, o mesmo ocorrendo com os professores. "Além da falta de alimentação e de atendimento médico, essa é a questão que mais nos preocupa", disse Ivanildo. Segundo ele, as aldeias estão num processo de integração escolar que não pode ser interrompido. "Levamos muito tempo para chegar ao estágio atual e agora tudo depende da educação." No final de janeiro, seria realizada uma oficina pedagógica para professores que atendem, além dos tenharim, outros povos, como os parintintins, apurinã, tora, mura e manducuru, mas já foi cancelada.

Ivanildo, que desde o início negou a participação dos índios no desaparecimento dos três brancos, disse que os tenharins valorizam a língua materna, os costumes e a cultura. "Não somos a causa dessa revolta, mas estamos sofrendo as consequências. Esperamos que a polícia forneça logo as respostas que a população espera para voltarmos à vida normal." A questão escolar foi levada à Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo ele, o órgão está envolvido com o atendimento de necessidades mais imediatas dos indígenas, como alimentação, atendimento médico e segurança.

Os três homens desapareceram na rodovia Transamazônica, quando passavam de carro pela reserva indígena no dia 16 de dezembro. Há dez dias uma força-tarefa comandada pela Polícia Federal realiza buscas na região. Foram encontrados na sexta-feira restos de um carro incendiado próximo de uma aldeia tenharim. A perícia que vai determinar se era o veículo usado pelos desaparecidos deve ser finalizada nos próximos dias. Toda a área está sendo patrulhada pela Força Nacional de Segurança, Polícia Rodoviária Federal e homens do Exército.

Na terça-feira (7), o general de exército Eduardo Dias da Costa Villas Boas, comandante militar da Amazônia, vai sobrevoar a região. Ele deve decidir se autoriza a entrada na floresta da tropa de elite do Exército, especialista em combate na selva, para ajudar nas buscas, como querem familiares dos desaparecidos. Antes do sobrevoo, Villas Boas se reúne com o general de brigada Ubiratan Poty, em Porto Velho.

Suspeita. O advogado das famílias dos desaparecidos, Carlos Terrinha, vai pedir à Funai que investigue a conduta do coordenador regional do Madeira, Ivã Bocchini, que teria usado o blog oficial do órgão para levantar suspeitas sobre a morte do cacique Ivan Tenharim, após acidente de moto, dia 3 de dezembro. "As autoridades competentes devem ser capazes, agora, de dar uma resposta à altura da importância que o cacique tinha para os tenharim. A Funai irá cobrar a polícia para que haja uma investigação e seja apontada a verdadeira causa da morte", escreveu.

OESP, 06/01/2014, Política, p. A6

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