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Mato Grosso é campeão mundial de fogo

FSP, Ciência, p. A12
Autor: ANGELO, Claudio
22 de Mai de 2006

Mato Grosso é campeão mundial de fogo
Dados de satélite revelam também que derrubada da floresta, não queima de pasto, responde por 60% dos focos de calor
Segundo pesquisador da Nasa, número de incêndios no arco do desmatamento é 2 vezes maior que em todas as outras regiões do planeta

Cláudio Angelo
Editor de Ciência

O Estado de Mato Grosso, onde a floresta amazônica tomba a taxas alucinantes para dar lugar a pasto e lavoura, é o lugar com o maior número de queimadas no planeta. E a maior parte desse fogo vem justamente da derrubada da mata, diferentemente do que os cientistas imaginavam.
As conclusões vêm de dois estudos independentes, feitos por pesquisadores americanos com base em dados dos satélites Terra e Aqua, da Nasa (agência espacial dos EUA). Um deles monitorou as queimadas no mundo inteiro entre 2000 e 2005 para saber que regiões do planeta queimam mais, e em que épocas do ano. O outro olhou para o arco do desmatamento amazônico (principalmente o norte de Mato Grosso) nesse mesmo período, para saber o que queima.
A primeira pergunta foi respondida por Louis Giglio, pesquisador do Centro Goddard de Vôo Espacial, da Nasa. Num artigo científico a ser publicado no periódico "Journal of Geophysical Research", ele montou o primeiro mapa global de intensidade de fogo. A região que mais concentra pixels (pontos) de calor em seu mapeamento é a do arco do desmatamento.
"A densidade de pixels de fogo detectada nessa localidade é duas vezes maior que em qualquer outro lugar do mundo", escreve o cientista. E explica: "Essa é uma região de intensa conversão da cobertura vegetal, na qual a floresta tropical vem sendo rapidamente transformada em pasto, com queima subseqüente da floresta".
O estudo é inovador porque usa os sensores Modis, a bordo do Terra e do Aqua, especialmente construídos para detectar focos de calor. Os outros satélites não serviam para a tarefa. "Era como tentar pesar um elefante com uma balança de banheiro",compara Giglio.
Além disso, o mapa montado por ele e dois colegas é o primeiro a captar queimadas de dia e de noite -hoje as detecções de fogo só usam imagens noturnas, o que é um problema, porque a maior parte do planeta, inclusive no arco do desmatamento, as queimadas acontecem durante o dia.
"[O estudo] parece ser um grande passo adiante", disse à Folha Greg Asner, especialista em sensoriamento remoto da Universidade Stanford.

Lenha na fogueira
O outro estudo, liderado por Douglas Morton, da Universidade de Maryland em College Park, mostrou que o que mais queima na região do mundo que mais queima é floresta: 60% dos focos de calor detectados em Mato Grosso no período 2000-2005 vêm de queimadas para desmatamento.
Morton, 29, que conduz pesquisas no Brasil há sete anos, admite em português fluente que seus dados são preliminares. Mas sabe que seu estudo deve fazer barulho, porque até agora achava-se que a maior parte dos focos de calor detectados por satélite correspondesse a queima de pasto ou de resíduos de colheita em áreas previamente desmatadas.
"Isso muda completamente o nosso entendimento sobre o tema", disse Paulo Artaxo, especialista em química atmosférica da USP e um dos líderes do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera/Atmosfera na Amazônia), após assistir a uma apresentação de Morton no último dia 12, em Brasília.
"Nós achávamos que cerca de 70% dos focos de calor viessem de queimadas agrícolas. Mas era uma percepção, não um resultado", disse Artaxo.
Tanto que os cientistas fazem questão de distinguir desmatamento de queimadas. Até agora, não era possível associar os focos de calor à derrubada.

Duplo registro
Para tentar separar o que é prática agrícola do que é derrubada, Morton recheou de matemática sofisticada um raciocínio simples: madeira demora mais do que capim para queimar. Portanto, se um mesmo campo é visto pelo satélite queimando mais de uma vez em um ano, o foco de calor associado dificilmente corresponde a uma queima de pasto. A madeira de uma mata recém-derrubada, em compensação, passará meses ou anos queimando antes de a terra ser convertida para a agropecuária.
Os satélites Terra e Aqua têm, no entanto, um viés: como eles só passam duas vezes por dia sobre uma mesma área, tendem a perder algumas queimadas de pasto, rápidas e feitas no fim da tarde. Isso pode alterar os resultados da análise -daí a cautela de Morton. "Mas eu ainda acho que o dado é conservador", diz o americano.

Avanço do agronegócio mudou perfil do desmate, diz cientista

DA REDAÇÃO

A análise das queimadas feita pelo americano Douglas Morton reforça uma idéia que é cada vez menos polêmica no debate sobre a Amazônia: o avanço da agricultura mecanizada -leia-se soja- para dentro das florestas de Mato Grosso e Rondônia nos últimos cinco anos mudou o perfil da conversão da floresta, reduzindo o tempo entre a derrubada e a instalação de lavouras.
Esse tempo era de seis anos em média antes da mecanização e capitalização intensiva da agricultura que chegou com a soja. Caiu para três, segundo um estudo de 2004 encomendado pelo Fórum Brasileiro das ONGs. Queimou-se também, em muitas regiões, uma etapa usual na fronteira agrícola, que era o plantio de capim para criação de gado após o desmate.
"Podemos ver com o satélite a duração da conversão", diz Morton. "Dá até para ver as leiras", continua, referindo-se às pilhas lineares de vegetação feitas após a derrubada para facilitar a limpeza do terreno.
Essa mudança tem implicações diretas -e desagradáveis- para as emissões brasileiras de gás carbônico (CO2, o maior vilão do efeito estufa). A devastação da Amazônia lança todo ano 200 milhões de toneladas do gás na atmosfera.
Antes da mecanização, a floresta derrubada podia passar até 20 anos se decompondo, liberando lentamente o carbono estocado em forma de matéria vegetal. Parte dessa perda era compensada por rebrota.
Como culturas mecanizadas precisam da terra totalmente limpa, o carbono é emitido todo de uma vez. "Estou falando de quatro anos no máximo de redução completa da biomassa", diz Morton. (CA)

FSP, 22/05/2006, Ciência, p. A12

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