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''Matei a irmã em legítima defesa''

JB, País, p. A6
10 de Dez de 2005

''Matei a irmã em legítima defesa''

Assassino confesso da missionária americana Dorothy Stang diz ao júri que confundiu a Bíblia com uma arma
O assassino confesso de Dorothy Stang, a missionária norte-americana de 73 anos assassinada no Pará, disse ontem à Justiça que atirou na irmã porque temia por sua vida.
Rayfran das Neves Sales, conhecido como Fogoió, disse ao Tribunal do Júri, em Belém, que assassinou a ativista em legítima defesa, pois confundiu a Bíblia dela com uma arma, e não porque tinha sido contratado para fazê-lo, como afirmara anteriormente.
Dorothy Stang foi baleada seis vezes e morreu em fevereiro. Ela trabalhou 30 anos pelo defesa do acesso à terra dos agricultores pobres da Amazônia.
-Ela disse: 'A arma que tenho é esta' e pôs a mão dentro da bolsa - afirmou Rayfran, acrescentando que pensou que Dorothy Stang ia puxar um revólver quando, na verdade, ela queria pegar a Bíblia.
O julgamento dos dois acusados pelo assassinato começou ontem e deve continuar hoje. Depois o júri decidir se condena ou absolve Rayfran e Clodoaldo Carlos Batista.
Se forem considerados culpados, os dois podem pegar de 12 a 30 anos de cadeia.
Rayfran afirmou que Amair Feijoli da Cunha, o Tato, fazendeiro para quem ele trabalhava, lhe disse que Stang e as pessoas que ela representava tinham intenção de matá-los para resolver conflitos sobre uma área onde ela estava estabelecendo uma reserva do governo federal.
- Ele me disse: 'Você tem de matar essa mulher. Se não, essa mulher vai nos matar', afirmou Rayfran, enquanto sua namorada chorava e seus pais lamentavam.
O promotor Edson Souza ridicularizou a mudança na versão de Rayfran e disse que a missionária americana era conhecida no Brasil e no exterior como defensora da não-violência.
Segundo o promotor, o réu estava tentando escapar das acusações de homicídio doloso (intencional), crime para o qual estão previstas penas mais duras do que para homicídio culposo (não intencional).
Edson Souza questionou os motivos que levaram Rayfran a responsabilizar Cunha pelo incentivo ao crime, depois de ter dito que o responsável fora outro fazendeiro, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida.
- Antes, o senhor disse que Moura lhe ofereceu R$ 50 mil para matar a irmã Dorothy. Por que essa mudança? - perguntou Souza.
Batista, acusado de incentivar Rayfran a atiram na missionária, apresentou uma linha de defesa semelhante. Disse perante o júri popular que os dois só receberam ofertas de dinheiro depois do crime, para a sua fuga.
Enquanto promotores e advogados de defesa discutiam, representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) e do governo federal diziam que o julgamento é um passo para tentar pôr fim à impunidade das mortes encomendadas na região.
Os dois fazendeiros, Tato e Bida, foram acusados de ordenar o crime, enquanto outro homem é acusado de pagar os pistoleiros para realizá-lo. Tato e Bida estão presos e devem ser levados a julgamento no próximo ano.
O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Mario Mamede, disse que esta é a primeira vez no Brasil que acusados de serem pistoleiros, intermediários e mentores intelectuais de um assassinato encomendado na Amazônia são todos indiciados.
- Mostramos que é possível romper o ciclo da impunidade - afirmoue Mamede, que estava em Belém para monitororar o julgamento, como representante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula prometeu restaurar a ordem na Amazônia depois do assassinato de Stang e ordenou o envio de contingentes do Exército ao Pará. Mas a expectativa é de que os assassinatos de trabalhadores rurais em disputas de terra no Pará cresçam novamente em 2006, segundo ativistas dos direitos humanos.
Os proprietários de terra do Pará e os que os apóiam afirmam que a missonária americana era uma militante esquerdista que encorajava os agricultores a ocupar ilegalmente propriedades privadas.
O Pará é o estado onde ocorre a metade de todas as mortes ligadas ao conflito por terras no Brasil.
- Esse julgamento é o primeiro passo no sentido da verdade e justiça - disse Hina Jilani, enviada especial da ONU.

JB, 10/12/2005, País, p. A6

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