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Mata Atlantica em agonia

JB, Pais, p.A4
04 de Abr de 2005

Mata Atlântica em agonia
Invadida por favelas, região de Porto Seguro tem só 25% de vegetação nativa
Desde o descobrimento do Brasil, a Mata Atlântica vem resistindo bravamente à ação do homem. Hoje, a floresta pede socorro. Restam apenas 7% da vegetação original, segundo levantamentos, via satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Fundação SOS Mata Atlântica. A contenda homem-natureza é sentida de perto no sul da Bahia. A região é de contrastes, concentrando as áreas mais preservadas do país e, no sentido oposto, também as mais degradadas. É o caso de Itacaré e Porto Seguro, com 79% e 25%, respectivamente, de floresta remanescente.
Infra-estrutura precária em saneamento básico, urbanização desordenada, desmatamentos clandestinos são alguns exemplos da ofensiva contra a Mata Atlântica nordestina. Esse quadro é alarmante em um badalado destino turístico, Porto Seguro - porta de entrada do turismo de massa às paradisíacas praias do Nordeste.
- Precisamos valorizar a nossa orla. Retirar as construções de alvenaria das areias. Além de a arquitetura não ser ecologicamente integrada à natureza, utiliza fossas, que transbordam na alta temporada. As favelas despejam o esgoto sem tratamento nos rios que deságuam no mar. É degradante ver as línguas negras escoando pelas areias das praias - afirma Sueli Abad, diretora do Movimento de Defesa de Porto Seguro.
Segundo Sueli, o aterro sanitário transformou-se num verdadeiro lixão. Foi construído numa área imprópria, onde havia 11 nascentes. Situações que, segundo ela, causam danoso impacto no frágil ecossistema das áreas costeiras.
Segundo ambientalistas da ONG Flora Brasil, a vida marinha está ameaçada, como conseqüência da poluição do mar, pesca predatória e turismo intenso nos recifes de corais. No Parque Marinho Municipal de Recife de Fora, o elevado fluxo de turistas pisoteando os corais compromete a biodiversidade do ecossistema. Os ambientalistas exigem um plano de manejo e defendem a transformação do parque numa unidade de conservação federal.
- Na alta temporada, duas mil pessoas pisam os corais. Nós queremos a visitação em grupos menores - reclama Sueli.
As obrigações previstas no Termo de Ajustamento de Conduta, assinado entre Ministério Público, Ibama, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e outras entidades, como o limite máximo de visitação diária de 400 pessoas, ainda não foram postas em prática. A falta de plano diretor municipal é outro fator que acelera a degradação. O zoneamento urbano e rural de Porto Seguro é fundamental para inibir a ocupação em áreas de preservação. O conjunto de favelas Baianão é um exemplo da ausência de planejamento urbano. Surgiu da invasão, em área de mata, por pessoas atraídas para trabalhar no setor do turismo. Hoje, é uma pequena cidade, onde vive quase a metade da população de Porto Seguro.
Ambientalistas concordam quanto à importância de sensibilizar o turista para o problema, modificando o perfil de quem visita Porto Seguro. Falam, em uníssono, em acabar com o rótulo de ''passarela do álcool'' - como foi divulgado no mercado nacional o turismo na cidade. Pretendem formular políticas de incentivo a roteiros ecológicos, culturais e gastronômicos. A estratégia de ação consiste em informar e educar o turista, bem como despertar o interesse nos empresários de explorar o ecoturismo, demonstrando a rentabilidade do setor.
Para fortalecer as ações preservacionistas, o gerente regional do Ibama, José Augusto de Castro Tosato defende a criação de dez parques nacionais, consolidação das atuais unidades de conservação, fomento ao crescimento dos remanescentes, implantação de corredores ecológicos e zoneamento econômico-ecológico da região.
Esses corredores ecológicos propiciariam a preservação da rica biodiversidade, o livre trânsito da fauna e a expansão da vegetação, contribuindo para a recuperação da Mata Atlântica. O imbróglio está em conciliar o uso econômico da terra e a conservação da natureza. Para solucionar esse conflito, a definição do zoneamento econômico-ecológico (ainda em estudo) do extremo sul da Bahia é considerada prioritária.

O fim da exploração da madeira
Um exemplo de atividade da sociedade civil em defesa do meio ambiente é o Sistema de Agrofloresta (SAF), desenvolvido pela ONG Instituto Floresta Viva junto às comunidades. A presidente de uma das associações locais de produtores rurais, conhecida como Regina de Serra Grande, está entusiasmada:
- Há 10 anos vivíamos da extração da madeira e da produção de farinha. Hoje, com o SAF, não praticamos mais a cultura de corte e queima. Produzimos coco, farinha, banana, hortaliças orgânicas. Precisamos continuar nos capacitando para preservar a natureza e estimular também o turismo ecológico consciente.

Em Itacaré, ecoturismo é a solução
Em Itacaré, Sul da Bahia, a situação não é tão preocupante. Embora haja problemas de falta de saneamento básico, desmatamento, ocupação irregular, o turismo que se desenvolveu na região foi o ecológico - de baixa densidade, com menor impacto ambiental. O empresariado sabe do valor da floresta para a economia do turismo. A comunidade também enxerga o ecoturismo como uma forma de melhoria da renda. Por isso, já existe uma consciência coletiva sobre a importância de preservar a natureza.
A decadência do cacau em razão da vassoura de bruxa (praga que assolou a lavoura cacaueira a partir do final dos anos 80) arrefeceu a economia da região, derrubando as exportações. A crise e a falta de competitividade da produção no mercado internacional geraram, no entanto, uma mudança de mentalidade.
Como alternativa para a queda dos preços, estudos do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia (IESB) indicam a produção orgânica como forma de agregar valor ao cacau local, gerando um sobrepreço decorrente do status de produto benéfico à floresta - uma espécie de selo verde. Além de conservar a natureza, o cacau orgânico recrudesceria a economia local, diminuindo a pressão decorrente do desemprego sobre a floresta.
No entanto, a grande esperança para o desenvolvimento econômico-social de Itacaré é o turismo ecológico. A preocupação em aumentar o número de unidades de conservação confirma a vocação ecológica do município. Apesar de várias iniciativas, o governo baiano ainda não criou o ICMS ecológico - medida de compensação financeira para o município, decorrente do uso restrito da terra.
- A receita do ICMS ecológico auxiliaria na implementação plena das áreas de proteção ambiental e do Parque do Conduru - afirma Mário César Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica.
Nesse cenário, os ambientalistas buscam incentivar a transformação das propriedades privadas em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) - um instrumento de proteção ambiental de efeitos imediatos. O proprietário, após o registro da RPPN, não pode desflorestar a parte protegida.

JB, 04/04/2005, p. A4

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