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Massacre na floresta

CB, Brasil, p.18
18 de Abr de 2004

Massacre na Floresta
Confronto entre índios e garimpeiros já deixou 29 mortos em Rondônia. O Motivo são as reservas de diamantes que ficam na reserva indígena e são avaliadas em US$ 2 bilhões

SANDRO LIMA
DA EQUIPE DO CORREIO

O presidente da Fundação Nacional do índio (Funai), Mércio Gomes, disse que os índios cinta-larga, acusados de terem assassinado 29 garimpeiros na reserva Roosevelt, em Rondônia, "agiram na legítima defesa de seu território". No último dia 7, ocorreu um conflito armado entre os índios cinta-larga e garimpeiros que queriam explorar diamantes dentro da reserva.
Na noite da última sexta-feira foram encontrados 26 corpos de garimpeiros. Outros três corpos já haviam sido achados no domingo passado. Segundo Gilton Muniz, representante do Sindicato dos Garimpeiros de Rondônia, além dos 29 corpos, outros 35 precisam ser localizados. "Há 64 garimpeiros desaparecidos desde o conflito", reclamou o sindicalista.
Muniz conta que o clima está bastante tenso na região. "Os garimpeiros estão revoltados e querem reagir", alerta. Muniz acusa os índios cinta-larga de terem realizado um massacre. "Os garimpeiros foram surpreendidos pelos índios, que já chegaram atirando. Nós só queremos trabalhar e ter o direito de extrair o mineral". No estado de Rondônia há cerca de sete mil garimpeiros, sendo que na região da reserva indígena há mais de mil.
Amedrontados com uma possível represália, índios cinta-larga estão deixando a região. Segundo o comandante da Polícia Militar, Firmino Aparecido, 50 índios já deixaram a cidade de Espigão D'Oeste, que fica a cem quilômetros da reserva indígena Roosevelt. Eles foram buscar ajuda na sede da Funai em Cacoal, outra cidade próxima à reserva.
Aparecido confirma que o clima está tenso na região e que a polícia está atenta para evitar confrontos envolvendo índios a garimpeiros. 0 presidente da Funai disse temer que ocorram novos conflitos na região e represálias contra os índios, mas que confia na atuação da PF para controlar a situação.
Conflito antigo
Mércio Gomes disse que desde o ano passado a Funai vem tentando, com auxilio da Polícia Federal (PF), retirar os garimpeiros da região. Ele lamentou as mortes, porém afirmou que os garimpeiros não têm o direito de invadir nem de tentar retirar diamantes das terras dos índios. No interior da reserva estão as maiores jazidas de diamante do país, avaliadas em US$ 2 bilhões. "Se houver algum processo judicial contra os índios, a Funai vai defendê-los", afirmou.
Apesar de ter confirmado a descoberta dos corpos, Mércio disse que ainda é cedo para se atribuir todas as mortes aos índios. "Frequentemente os garimpeiros se matam entre si e pode ser que isso tenha ocorrido na reserva Roosevelt. É possível que alguns deste corpos não sejam resultado da disputa com os índios", argumentou.
Walter Blós, coordenador da Funai encarregado de evitar invasões na terra indígena, disse que o conflito foi um tiroteio entre índios e garimpeiros, e não uma chacina promovida pelos índios, como acusam os garimpeiros.
Os 26 corpos, em adiantado estado de decomposição, foram encontrados próximos a um igarapé por homens da Polícia Florestal de Rondônia. Desde janeiro do ano passado eles atuam em conjunto com a Funai para fiscalizar a área indígena. 0 local fica a cerca de 43 quilômetros da reserva e nos limites do Parque do Aripuanã, uma das quatro áreas habitadas pelos cinta-larga.
Os funcionários da Funai chegaram ao local guiados por índios que participaram do confronto. Eles percorreram 28 quilômetros de carro a caminharam por quase duas horas por picadas na mata fechada. Foi aberta uma clareira no local para o resgate dos corpos.
Há 50 policiais federais trabalhando no caso. Eles se uniram a 20 funcionários da Funai e da Polícia Florestal. Cinco helicópteros serão utilizados no resgate dos corpos, pois o deslocamento pela mata é inviável. De acordo com o superintendente da PF em Rondônia, Marco Aurélio Moura, os corpos serão resgatados ainda neste fim de semana.
Resultado da inércia
O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, lamentou as mortes dos garimpeiros em Rondônia e a violência ocorrida na região da reserva indígena Roosevelt. Ele disse que vai propor a criação de um grupo governamental de trabalho para resolver o problema. "O ideal seria articular um trabalho conjunto entre Congresso, a Funai e o ministérios da justiça e das Minas e Energia para solucionar essa questão que se arrasta há alguns anos", disse.
Segundo Miranda, a solução é legalizar o direito dos índios em realizar a extração mineral e, ao mesmo tempo, desarmar e impedir que os garimpeiros entrem em reservas indígenas. "Sempre que eles entrarem (os garimpeiros), vai haver conflito", disse o secretário. De acordo com a Constituição Federal, é permitido garimpar dentro de terras indígenas apenas se for concedida autorização pelo Congresso Nacional.
0 presidente da Funai, Mércio Gomes, também disse apoiar a legalização da extração mineral pelos índios. Outro ponto fundamental para Gomes é encontrar uma área fora da reserva indígena para os garimpeiros e reforçar a vigilância para que eles não voltem a entrar em conflito com os cinta-larga.
O secretário de Direitos Humanos propõe também a criação de ouvidorias estaduais na Funai, a exemplo do que se fez no Incra, com a implantação das ouvidorias agrárias. As ouvidorias vão mediar conflitos e diminuir a violência em disputas por terras indígenas.
Protesto
A ONG Survival International, que defende os direitos de populações indígenas em todo o mundo, divulgou um comunicado em que acusa o governo Lula de ter "traído" os índios e levado a episódios de violência em todo o país. A ONG reclama que garimpeiros responsáveis pela morte de vários índios cinta-larga no ano passado voltaram à reserva Roosevelt para garimpar ilegalmente.
A coordenadora de pesquisa da ONG, Fiona Watson, disse que enviou uma carta ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, pedindo uma solução para o problema dos cinta-larga.
O IDEAL SERIA ARTICULAR UM TRABALHO CONJUNTO ENTRE CONGRESSO, A FUNAI E 0 MINISTÉRIOS DA JUSTIÇA E DAS MINAS E ENERGIA PARA SOLUCIONAR ESSA QUESTÃO QUE SE ARRASTA HA ALGUNS ANOS
Nilmário Miranda, secretário nacional de Direitos Humanos

QUEM SÃO OS CINTA-LARGA
Os cinta-larga formam um grupo de 1.300 índios que vivem em quatro aldeias vizinhas nos estados de Rondônia e Mato Grosso: Roosevelt, Parque Aripuanã, Serra Morena ejuína. As áreas, todas demarcadas, somam 2,7 milhões de hectares. São assim denominados pelo fato de usarem uma casca grossa de árvore na cintura. Os primeiros contatos com os não-índios ocorreram nos anos 50 e foram marcados pela violência, com o avanço da frente extrativista, que penetrou no território indígena em busca de minerais. Em 2000, teve início uma corrida pelos diamantes da reserva. Com o grande fluxo de garimpeiros, os caciques passaram a cobrar pedágio para a entrada na reserva. Segundo a Funai, foi instalado um garimpo ilegal na região e os caciques cobravam um percentual de 20% a 50% da produção. Com a renda obtida, os caciques se tornaram uma elite com alto poder de compra.

CB, 18/04/2004, p. 18

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