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Marina rejeita acenos de adversários e declara 'independência' no 2o turno

OESP, Nacional, p. A4
18 de Out de 2010

Marina rejeita acenos de adversários e declara 'independência' no 2o turno
Senadora do PV, que obteve cerca de 20 milhões de votos no primeiro turno da disputa presidencial, faz duras críticas ao PT e ao PSDB pelo tom adotado na campanha e classifica as duas legendas como 'fiadores do conservadorismo renitente'

Roberto Almeida

Em carta aberta aos candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), a senadora Marina Silva (PV), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno das eleições presidenciais, declarou "independência" no segundo turno. O PV, por ampla maioria, acompanhou a decisão de Marina e não apoiará formalmente nenhum dos dois candidatos - o que não impede que integrantes do partido o façam.
A mensagem de Marina foi lida ontem na plenária do PV, realizada na capital paulista. A senadora, que obteve cerca de 20 milhões de votos no dia 3, fez críticas ao PT e ao PSDB pelo tom da campanha no segundo turno. Classificou as duas legendas como "fiadores do conservadorismo renitente".
O apoio do Marina a Dilma ou Serra estava condicionada à convergência de programas de governo. Os verdes, no entanto, consideraram "fracas" as respostas dadas pelas campanhas adversárias à "Agenda por um Brasil Justo e Sustentável" - lista de 42 compromissos apresentada pelo PV.
Apesar das críticas, Marina avaliou que o PT apresentou respostas melhores que as do PSDB à demanda verde. "Tivemos acolhimento parciais nas duas respostas que nos foram enviadas", disse ela. "Identificamos, para ter senso de justiça, na resposta enviada pelo PT, um maior acolhimento."
A senadora verde, porém, preferiu definir-se como "mantenedora de utopias" e não declarou em quem votará no dia 31. "É secreto, me reservo a meu direito de eleitora", esquivou-se.
"Quero afirmar que o fato de não ter optado por um alinhamento neste momento não significa neutralidade em relação aos rumos da campanha. Creio mesmo que uma posição de independência, reafirmando ideias e propostas, é a melhor forma de contribuir com o povo brasileiro", discursou a ex-candidata.
Com essas palavras, que reforçam um provável cenário de terceira via para as eleições presidenciais de 2014, Marina passou a fazer uma crítica ao "caráter dualista" da política nacional. Ela afirmou a existência de uma "ironia histórica" no duelo entre petistas e tucanos.
Embates. Na carta, a senadora comparou a disputa travada entre PT e PSDB nos últimos 16 anos aos embates entre monarquistas e republicanos, entre UDN e PSD - que dominaram a política nas décadas de 1940 a 1960 - e entre MDB e Arena, durante o regime militar. "Dois partidos nascidos para afirmar a diversidade da sociedade brasileira, para quebrar a dualidade existente à época de suas formações, se deixaram capturar pela lógica do embate entre si até as últimas consequências", observou.
Na visão de Marina, o posicionamento "pragmático" dos dois partidos é uma "armadilha para a qual ambos caem e levam o País". "O grande nó está na política, porque é nela que se decide a vida coletiva, se traçam os horizontes, se consolidam valores ou a falta deles", sublinhou.
Ao final, em entrevista, Marina descartou a hipótese de participar em um futuro governo, independentemente de coloração partidária.
Instruções. Dos 92 membros do PV presentes à plenária de ontem, apenas quatro votaram pelo apoio explícito a Serra ou Dilma, afirmou Maurício Brusadin, presidente do PV paulista.
Dois deles são secretários da Prefeitura de São Paulo: Eduardo Jorge, do Meio Ambiente, e Marcos Belizário, da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. Completam a lista de dissidentes do posicionamento de Marina a presidente estadual do PV no Espírito Santo, Sidnéia Fontana, e um outro correligionário que não foi identificado pelos presentes.
Na prática, os filiados ao PV não estão proibidos de fazer campanha para Serra ou Dilma, desde que não portem símbolos do partido em eventos públicos para não causar constrangimento à decisão nacional.
O vice-presidente do PV, deputado eleito Alfredo Sirkis (RJ), disse que não há como fiscalizar o cumprimento da definição, amparada por documento interno do partido, mas pediu ajuda da imprensa e de correligionários para identificar traidores.
Para as disputas de governo estadual, onde o partido é coligado e ainda há disputa de segundo turno, o apoio formal será mantido. Enquanto isso, presidentes de diretórios e porta-vozes do PV estão proibidos de declarar voto em Serra ou Dilma.

TRECHOS DA CARTA DE MARINA
"Mesmo sem concorrer, estamos no segundo turno com nosso programa, que reflete as questões aqui colocadas. Esta é a nossa contribuição para que...
...o processo eleitoral transcenda os velhos costumes e acene para a sustentabilidade política que almejamos.
Como disse, ousei trazer a vocês essas reflexões, mas não como formalidade ou encenação política nesta hora tão especial na vida do País. Foi porque acredito que há terreno fértil para levarmos adiante este diálogo. Sei disso pela relação que mantive com ambos ao longo de nossa trajetória política.
De José Serra guardo a experiência de ter contado com sua solidariedade quando, no Senado, precisei de apoio para aprovar uma inédita linha de crédito para os extrativistas da Amazônia e para criar subsídio para a borracha nativa. Serra dispôs-se a ele mesmo defender em plenário a proposta porque havia o risco de ser rejeitada, caso eu a defendesse.
Com Dilma Rousseff, tenho mais de cinco anos de convivência no governo do presidente Lula. E, para além das diferenças que marcaram nossa convivência no governo, essas diferenças não impediram de sua parte uma atitude respeitosa e disposição para a parceria, como aconteceu na elaboração do novo modelo do setor elétrico, na questão do licenciamento ambiental para petróleo e gás e em outras ações conjuntas.
(...)
Por isso me atrevo, seja quem for a assumir a Presidência da República, a chamá-los a liderar o País para além de suas razões pessoais e projetos partidários, trocando o embate por um debate fraterno em nome do Brasil."

Zequinha e Gabeira fazem coro à senadora

Dois nomes fortes do PV, que caminham em direções opostas no segundo turno, entraram e deixaram discretamente a plenária do partido, sem falar com jornalistas: o deputado eleito Zequinha Sarney (MA), que apoia a petista Dilma Rousseff, e o candidato derrotado ao governo fluminense, Fernando Gabeira, que está ao lado do tucano José Serra.
Em seus discursos, na bancada de lideranças verdes, Zequinha falou em nome dos candidatos a deputado da legenda. Gabeira, como representante dos que postularam os governos estaduais. Ambos fizeram coro a Marina Silva e discursaram em favor da "independência".
No entanto o posicionamento de ambos nos discursos não limita suas intenções eleitorais para o segundo turno. Como não são dirigentes do partido, eles estão liberados pela legenda e poderão ir às ruas em favor de seus candidatos sem ferir as normas partidárias.
Em seu discurso, Gabeira tratou os caminhos do apoio verde como uma "encruzilhada" e afirmou que o partido não deveria se afastar da posição de Marina.
"Qualquer uma das três posições (apoiar Serra, Dilma ou nenhum dos dois) vai dar conforto à minoria", continuou Gabeira, sobre a possibilidade de ir às ruas sem símbolos do PV.
O candidato derrotado ao governo do Rio defendeu ainda uma proposta para reduzir o número de abortos no País, em referência às discussões que tomaram conta do embate entre PT e PSDB no segundo turno.
Zequinha, em sua fala, foi mais breve e comedido. "A melhor decisão é a independência", anotou o deputado.

Decisão foi tomada pensando na próxima eleição presidencial
Marcelo de Moraes

A decisão de "independência" no segundo turno das eleições presidenciais tomada pelo Partido Verde e por sua candidata Marina Silva não tem nada de neutra. A cúpula da bem sucedida campanha de Marina avaliou que apoiar o tucano José Serra ou a petista Dilma Rousseff poderia até garantir espaço num futuro governo. A questão é que diminuiria o tamanho político que a senadora acreana conseguiu garantir na campanha.
A decisão de Marina e de seus principais aliados foi a de continuar apostando no fortalecimento do projeto da terceira via política nacional. Nessa visão, para consolidar uma proposta alternativa a PT e PSDB para as eleições de 2014, os dirigentes do PV concordaram que seria impossível trocar apoio por postos num governo liderado por esses partidos, sob pena de Marina se transformar num satélite do futuro presidente.
Além disso, interesses locais do partido não seriam prejudicados, já que as seções regionais do partido que desejavam alinhar com alguma candidatura, já o estavam fazendo informalmente desde o início da campanha do segundo turno. É o caso do PV em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, alinhados com Serra, e do PV do Maranhão e Acre, que apoiam Dilma.
Com o foco no fortalecimento de Marina para 2014, o caso de Ciro Gomes (PSB) também foi lembrada como um exemplo de como poderia ser arriscada uma adesão a algum dos candidatos.
Em 2002, na sua segunda campanha presidencial seguida, Ciro resolveu apoiar Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, contribuindo para sua vitória. Como prêmio, foi nomeado ministro da Integração Nacional.
Ofuscado nesse governo, não teve força sequer para garantir que seu novo partido, o PSB, bancasse sua candidatura presidencial este ano.
Os verdes também avaliaram que a adesão em troca de participação no futuro governo poderia macular a imagem diferenciada que tentam construir para o partido.
Assim, em vez de seguirem a lógica de vincularem a aliança à cargos, apresentaram uma lista de compromissos que queriam ver cumpridos em troca do apoio.
Na verdade, sabiam que por mais acenos que Dilma e Serra fizessem em torno dessas propostas, seria quase impossível que chegassem ao modelo ambicionado pelo PV.
Na prática, a decisão deixa Marina como dona exclusiva dos 19,6 milhões de votos que recebeu dos eleitores. A partir de agora, ela e o PV vão definir a melhor estratégia para proteger e ampliar esse patrimônio.

OESP, 18/10/2010, Nacional, p. A4

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