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Marina deixa PT para disputar 2010

OESP, Nacional, p. A14
20 de Ago de 2009

Marina deixa PT para disputar 2010
Insatisfeita na sigla em que militou por quase 30 anos, senadora e ex-ministra está a caminho do Partido Verde

João Domingos e Clarissa Oliveira

Num primeiro passo para disputar a sucessão presidencial no ano que vem pelo PV, a senadora Marina Silva (AC) anunciou ontem a saída do PT, partido pelo qual militou por quase 30 anos. A decisão ocorreu num momento de profundo desgaste vivido pela legenda que, sob pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, votou a favor do arquivamento de processos abertos no Conselho de Ética contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM).

Marina disse que, livre das amarras do PT, agora começará de fato as conversações com a direção do PV. "Para fazer o diálogo de filiar-me ao PV eu precisava primeiro decidir se iria ou não sair do PT, por compreender que não era correto ficar articulando minha filiação a um outro partido antes de sair do Partido dos Trabalhadores", disse Marina, numa concorrida entrevista coletiva convocada por sua assessoria. "A partir de agora me sinto livre para fazer essa transição."

Ela estava bem à vontade. Em momento nenhum, porém, anunciou que é candidata. Sempre que o tema foi tratado, disse que é um novo sonho e só agora começa a trabalhar de verdade nele. Marina vestia um terninho marfim, calçava sapatos pretos com plataforma de cinco centímetros e tinha os cabelos presos num coque, em contraste com sua vestimenta tradicional, quase sempre à base de saias longas e coloridas.

Antes de comunicar sua saída do PT, Marina havia telefonado para o presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP), além de enviar a ele uma carta na qual informou seus motivos. "É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade", afirmou.

Em seguida, ela lembrou os cinco anos, cinco meses e catorze dias em que foi ministra do Meio Ambiente. Falou de suas lutas pela redução do desmatamento na Amazônia, o que considera a estruturação e o fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental e a criação do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. Mas concluiu que não teve o apoio necessário no governo para tocar adiante a política ambiental.

"Entendo que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto de políticas públicas." Marina afirmou que o PV lhe ofereceu condições de levantar a bandeira do desenvolvimento sustentável. Mas acha que outros partidos e a sociedade têm de se engajar na mesma luta. "O PV está se dispondo a fazer esse movimento. Está sendo pioneiro, mas não deve ter a pretensão de ser o único. Espero que com esse gesto ele possa contribuir para que os demais também o façam."

Até os 16 anos Marina viveu no Seringal Bagaço, 11 horas de barco até Rio Branco (AC). Ainda analfabeta, mudou-se para a capital, para cuidar de uma hepatite. Quis estudar, porque seu grande desejo era tornar-se freira. Acabou casando-se e ficou longe da vida monástica. Por 37 anos permaneceu na Igreja Católica. Depois, converteu-se ao protestantismo.

MANDATO

Marina admitiu que há a possibilidade de o PT reivindicar seu mandato. Mas Berzoini garantiu que não tomará a iniciativa. "Tendo em vista a maneira como ela dialogou com o partido, as alegações dela sobre as angústias pessoais em relação à política, na minha opinião pessoal, seria inadequado fazer esse pedido judicial." Ainda assim, ele admitiu que outros petistas podem optar por fazer essa discussão. "Mas eu não vou propor, nem sinto no PT um clima para que se proponha."

A afirmação ocorre após o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, ter defendido em seu blog na internet a tese de que o mandato pertence à militância petista. Atualmente, circula no PT a avaliação de que reivindicar o mandato mais prejudicaria do que ajudaria a legenda. Se recorrer à fidelidade partidária, o partido manterá sua atual bancada de senadores. Por outro lado, alimentaria a tese de que não deu a Marina o espaço que buscava e, ainda por cima, lhe tirou o mandato.

PV marcou filiação para dia 30

Clarissa Oliveira e Alexandre Rodrigues

A senadora Marina Silva (sem partido-AC) não detalhou seus planos de ingressar no PV, mas o partido já marcou para 30 de agosto a data de sua filiação. O anúncio ocorrerá numa "convenção festiva", na capital paulista. Os detalhes foram discutidos anteontem, durante uma reunião entre dirigentes do PV e representantes da senadora.

Na reunião, ficou definido que ela apresentaria uma lista com nove nomes, que vão integrar junto com ela o comando partidário. A relação é mantida sob sigilo, mas colegas da senadora dão como certa a presença de seu ex-secretário-executivo no Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, que já é do PV. Petistas garantem que Marina não recrutou aliados no Acre, mas não descartam a possibilidade de alguns ex-colegas de legenda a acompanharem.

Somados aos 11 membros da Executiva do PV, Marina e os nove indicados por ela vão compor uma coordenação nacional, encarregada de montar o programa partidário e o programa de governo da campanha. Ainda assim, o PV negam uma operação para atrair petistas. "Nem nós nem a Marina estamos aliciando ninguém do PT", diz o presidente do PV do Rio de Janeiro, Alfredo Sirkis. Apesar de a troca de partido estar ligada ao convite para que Marina dispute o Planalto, o PV diz que ela só decidirá mais tarde sobre a candidatura.

Afastamento do partido começou com saída do Ministério do Meio Ambiente

João Domingos

A saída da senadora Marina Silva do PT foi anunciada por ela própria ontem, mas o processo começou ainda em maio de 2008, quando deixou o Ministério do Meio Ambiente e decidiu repensar sua vida. Já naquela época o PV lhe havia oferecido uma vaga no partido, mas ela preferiu ficar no PT, embora num processo de reflexão que a levou a conversas com familiares e amigos mais próximos, como o governador do Acre, Binho Marques, e os irmãos Jorge e Tião Viana, com os quais militou no PT por 30 anos.

"Eu vinha refletindo internamente, com minha família, colocando em doses homeopáticas para meus companheiros que talvez eu não concorresse a um terceiro mandato, que poderia sair da vida política institucional", disse Marina. Sua intenção, até ser convidada pelo PV, era se dedicar a uma mobilização mais abrangente, estimular candidaturas e programas em todo o País comprometidas com a questão da sustentabilidade.

Ao agradecer aos amigos com os quais conversou, Marina citou uma pequena lista de petistas: Ricardo Berzoini, presidente do PT, os irmãos Viana, Binho Marques, os senadores Aloizio Mercadante (SP) e Eduardo Suplicy (SP) e o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS).

Indagada das razões pelas quais omitira o nome do presidente Lula, alegou não te conversado com ele especificamente sobre sua saída do PT. Marina disse ainda que sua decisão não foi influenciada pelo fato de sua desafeta Dilma Rousseff ser a candidata de Lula em 2010. "Nunca me colocaria na condição de vítima da ministra Dilma. Ela tem os pontos de vista dela, os defende e é legítimo. Eu tenho os meus, os defendo e é legítimo. Por que eu defender os meus é legítimo e os dela a transformam em algoz?"

Em seguida, Marina fez uma brincadeira consigo mesma. Ao deixar o Ministério do Meio Ambiente, disse que perdia o cargo, mas não o juízo. "Graças a Deus, encontrei na sociedade brasileira o respaldo suficiente para manter a coerência e até mesmo o pescoço."

OESP, 20/08/2009, Nacional, p. A14

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