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Às margens da usina de Tucuruí, 12 mil famílias vivem sem energia

FSP, Mercado, p. B4
07 de Jan de 2013

Às margens da usina de Tucuruí, 12 mil famílias vivem sem energia
Antigos habitantes do terreno alagado pela hidrelétrica foram removidos, mas reocuparam região
Posses irregulares e alto custo dificultam instalação de energia elétrica nas casas que ficam no reservatório

Aguirre Talento

Do quintal de casa, em um terreno à beira do lago da hidrelétrica de Tucuruí (525 km de Belém), a agricultora Maria Assunção, 74, vê as luzes do centro da cidade a quilômetros de distância, sob a iluminação de uma lamparina.
No escuro, Assunção inveja a eletricidade: mesmo com a usina tão perto, a luz não chega até sua casa.
Quase 30 anos após a inauguração de Tucuruí, maior hidrelétrica situada 100% em território brasileiro, cerca de 12 mil famílias que vivem no entorno do reservatório ou nas 1.600 ilhas do lago não têm acesso à rede elétrica, segundo a prefeitura.
As raízes do problema remontam à construção da usina, iniciada em 1975. A área do lago foi sendo ocupada irregularmente na década de 1980 por famílias expulsas pela construção da usina e por novos moradores que chegavam à região.
A eletricidade foi se estabelecendo na zona urbana de Tucuruí e, apesar de pleitos dos moradores, não chegou às ilhas, de moradias sem documentação e de custo alto para implantação da rede.
Diante dos anos de espera, alguns instalaram geradores por conta própria.
O terreno de 2.875 quilômetros quadrados (o equivalente a dois municípios de São Paulo) era ocupado por agricultores antes de ser inundado para formar o reservatório usado para gerar energia.
As famílias foram indenizadas e realocadas. "Elas viviam perto do rio, que usavam para locomoção e pesca, e foram jogadas a 300 km de distância, onde havia praga de mosquitos. Não quiseram ficar e voltaram", disse o prefeito Sancler Ferreira (PPS).
Foi o que aconteceu com Assunção. Insatisfeita, resolveu voltar. "Um dos moradores bebeu a água de lá, ficou com muita coceira e morreu. Ninguém quis mais ficar."
As partes mais altas formaram essas 1.600 ilhas, ocupadas pelos ex-moradores e por novos habitantes. Nenhum possui título de terra, já que a área é da Eletronorte, empresa do governo federal.
Levar eletricidade às ilhas é promessa recorrente em campanhas eleitorais, jamais cumprida até hoje.
Para a promotora Crystina Morikawa, de Tucuruí, a usina ainda acumula passivo ambiental porque foi concebida em um período em que o direito ambiental era pouco desenvolvido e as exigências para licenciar grandes obras eram menores.
Mesmo tendo sido sede de uma das maiores obras do governo militar, Tucuruí ainda carece de infraestrutura.
Além do problema da luz, ruas e rodovias estão esburacadas e sem asfalto. Segundo a prefeitura, não há rede de esgoto na cidade. Dados do Censo 2010 mostram que 28% dos 97 mil moradores de Tucuruí vivem em favelas.

Outro lado
Celpa diz já ter projeto para ligar eletricidade

O prefeito de Tucuruí, Sancler Ferreira (PPS), afirma que vai apresentar ao governo federal um projeto para levar eletricidade às ilhas do lago de Tucuruí. O custo seria de R$ 20 milhões.
"O governo federal dizia que eles [moradores] não se enquadravam no Luz para Todos [programa de eletrificação rural] porque o custo era maior", disse.
A Eletronorte, empresa estatal responsável pela hidrelétrica, diz que o fornecimento de energia às ilhas é responsabilidade da Celpa (Centrais Elétricas do Pará).
Segundo a Eletronorte, os moradores das ilhas devem procurar a Secretaria de Patrimônio da União para regularizar a situação de suas moradias. "A maioria das pessoas que ocupam as ilhas não estavam na região na época da construção de Tucuruí", disse o superintendente de meio ambiente da Eletronorte, Antônio Coimbra.
A Celpa informou que a energia será implantada nas ilhas por meio de um programa de universalização e que aguarda análise do programa pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Estudo aponta risco de água se tornar imprópria

As águas do reservatório da usina hidrelétrica de Tucuruí, usadas pelos moradores, correm risco de se tornarem tóxicas e impróprias para consumo humano.
A possibilidade é apontada em estudo da UFPA (Universidade Federal do Pará) e do IEC (Instituto Evandro Chagas), subordinado ao Ministério da Saúde.
Pesquisadores detectaram tendência de aumento no nível de matéria orgânica no lago, o que tem provocado a proliferação de algas azuis, que liberam toxinas prejudiciais à saúde.
Segundo a pesquisadora Vanessa Costa, do IEC, o nível das toxinas liberadas ainda é tolerável, mas existe uma tendência de crescimento que precisa ser controlada.
Peixes
A pesca no lago está no centro da questão. Projeto do Ministério da Pesca prevê aumento da criação de peixes no lago e, segundo os pesquisadores, isso vai aumentar a quantidade de matéria orgânica e atrair mais algas, elevando o nível das toxinas.
Se cresce a incidência de toxinas, os próprios peixes devem se contaminar, prejudicando a pesca.
A Eletronorte, empresa estatal responsável pela hidrelétrica de Tucuruí, diz que a informação sobre a intoxicação das águas do reservatório é "uma grande mentira".
"Nós monitoramos a qualidade da água, e os dados mostram uma qualidade excelente e própria à criação de peixes", disse o superintendente de meio ambiente da estatal, Antônio Coimbra. (AT)

"O governo dizia que eles não se enquadravam no [programa de eletrificação] Luz para Todos porque o custo era maior" Sancler Ferreira, prefeito de Tucuruí
"A maioria das pessoas que ocupam as ilhas não estavam na região na época da construção de Tucuruí" Antônio Coimbra, superintendente de meio ambiente da Eletronorte

FSP, 07/01/2013, Mercado, p. B4

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/87376-as-margens-da-usina-de-t…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/87377-celpa-diz-ja-ter-projeto…
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