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Autor: CAMARGO NETO, Pedro
25 de Jun de 2024
Margem Equatorial, um debate necessário
Cumpre ao Brasil liderar a pressão internacional na redução de uso dos combustíveis fósseis
Pedro Camargo Neto
25/06/2024
O presidente da República, o ministro das Minas e Energia e a presidente da Petrobras são enfáticos em declararem a intenção de explorar petróleo na margem equatorial no norte do Brasil. A ministra do Meio Ambiente, praticamente isolada, remete a questão à avaliação do Ibama. Uma discussão relevante pela questão climática, e infelizmente ainda mal colocada.
Não se trata de uma questão técnica a ser avaliada pelo Ibama. A experiência de décadas em exploração de petróleo em águas profundas preparou a Petrobras a evoluir e perfurar em região mesmo que com diferenças naturais e geológicas. A região é rica em biodiversidade, abriga diversas espécies de flora e fauna, algumas ameaçadas de extinção. Um eventual derramamento de óleo na região poderia ter consequências devastadoras afetando áreas protegidas e comunidades locais. Argumentos válidos, porém insuficientes. O ambientalismo se equivoca. Decisões políticas nunca se limitam à técnica.
O debate necessário precisa ser amplo. Uma decisão dessa relevância exige que nós, sociedade brasileira como um todo, decidamos se desejamos extrair hoje carbono das profundezas para jogá-lo na atmosfera indo contra a compreensão científica sobre o tema que avançou deixando clara a responsabilidade dos combustíveis fósseis na questão climática. A decisão a ser tomada, eminentemente política, não pode ser exclusiva do poder Executivo. O Poder legislativo ainda permanece distante dessa relevante decisão política.
No debate, a ser ainda travado, existirão os que dirão que o processo de transição energética, saindo dos combustíveis fósseis, ainda levará décadas. O petróleo continuará necessário. A exploração do subsolo, das Guianas à Noruega, passando pela África continuará, colocando no mercado muito petróleo, que se somará ao que o Brasil já exporta. Petróleo que hoje está sobrando.
Explorar hoje traz oportunidades imediatas, empregos e lucros. Não tocar nessa riqueza, tão bem guardada, reduz a emissão imediata de carbono na atmosfera, política que dizemos defender nos fóruns globais. Um efeito direto na oferta do combustível fóssil nos mercados internacionais. Reflexos nos preços dos fósseis que favorecem os produtores de biocombustíveis. Reservamos para um futuro, com novos usos e novas tecnologias.
É falaciosa a apresentação dessa extração de petróleo como política para financiar a transição energética. Na verdade, irá contra pois ampliando a oferta deverá dificultar ainda mais os biocombustíveis. A transição energética relativamente exitosa no Brasil nunca contou com a liderança da gigante Petrobras. Tem sido realizada com a tecnologia e o empreendedorismo existente no setor. Não é maior pois obrigada a vencer a concorrência dos combustíveis fósseis formados a partir da decomposição de matéria orgânica ao longo de milhões de anos que, retirado das profundezas após gerar energia, são lançados na atmosfera.
O posicionamento brasileiro precisaria estar na valorização dos biocombustíveis, na atração de investimentos para essas possibilidades; na viabilidade econômica das novas fontes de energia. Em apoiar restrições, tributação, encarecimento dos combustíveis fósseis acelerando sua substituição. Estão aqui as possibilidades de liderar a nova economia, atrair empregos e desenvolvimento econômico. Nunca jogar mais petróleo no mercado internacional pois aqui não precisamos dele.
Posição do Brasil deveria estar na valorização dos biocombustíveis, na viabilidade das novas fontes de energia
Dirão que extrair petróleo na região amazônica gera riqueza e empregos. O debate precisa esclarecer se são esses os empregos e desenvolvimento que a região amazônica e o Brasil precisam. Essencial debater se a prioridade não deve ser pelo desenvolvimento e empregos gerados pelos biocombustíveis. Esclarecer a qualidade dos empregos e sua renda mais bem distribuídos e inseridos no futuro de uma nova economia.
A extensão territorial, os recursos hídricos, a vegetação tropical, o sol, a biodiversidade do país precisam ser valorizados. A matriz energética, já é indiscutivelmente melhor do que a grande maioria dos países. O desenvolvimento do etanol como combustível, o biodiesel, os avanços nos biocombustíveis: o etanol de segunda geração; o SAF - combustível sustentável para aviação; o biogás metano; e certamente breve, o hidrogênio. A pouca dependência dos combustíveis fósseis coloca o Brasil na frente desse novo modelo de desenvolvimento. Mesmo a atual relevância das exportações de petróleo, como origem de divisas, não pode ser decisiva para uma exploração que vai contra novos desafios de desenvolvimento nacional.
Infelizmente ambientalistas e produtores de biocombustíveis chegam divididos nesse debate. A polarização que hoje afeta a tudo e a todos é inexplicavelmente mais antiga entre o agro, dos biocombustíveis, e grande parte do ambientalismo. Perdemos a união na judicialização do Código Florestal atrasando sua implementação. Até hoje não conseguiram certificar os mais de 6 milhões de CAR apresentados pelos produtores. As diferenças se agravaram debatendo a supressão vegetal permitida na legislação, o desmatamento legal. Afastamo-nos ao não reconhecerem que o Brasil produz alimentos emitindo menos carbono que os demais produtores, que não tem sentido restringir, encarecer, uma agricultura que já caminha no sentido correto.
O mundo caminha devagar no esforço da substituição por energias renováveis. As transformações da natureza não esperam. Alguns países avançam menos do que o prometido. Cumpre ao Brasil liderar a pressão internacional na redução de uso dos fósseis. Uma oportunidade para ocupar uma posição inegável desde que o discurso internacional seja sustentado pela realidade nacional. A hora é agora, pois sediaremos esse importante debate, em um especial momento, com a presidência da Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) em 2025 a ser realizada em Belém na foz do Amazonas.
Pedro de Camargo Neto foi presidente da Sociedade Rural Brasileira e secretário do Ministério da Agricultura e Pecuária.
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