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Marco legal deve impulsionar pesquisas com biodiversidade

Valor Econômico, Especial, p. G8
29 de Mai de 2015

Marco legal deve impulsionar pesquisas com biodiversidade

Nativa da Amazônia, a árvore de pracaxi produz frutos em forma de vagens que abrigam sementes ricas em um óleo que tem sido muito utilizado na indústria cosmética, especialmente em produtos de hidratação para cabelos.
Mas os povos amazônicos também utilizam o óleo de pracaxi para ajudar na cicatrização de picadas de cobra, o que levou a Beraca, empresa especializada em ativos fármacos e cosméticos da biodiversidade brasileira, a investigar as qualidades da planta.

Foram três anos de pesquisas e testes e um investimento de US$ 350 mil para constatar que o óleo de pracaxi, além de ser bom para o cabelo, também faz muito bem à pele: ajuda na despigmentação, o que o torna ideal para clareamento de manchas e estrias, além de ajudar na produção de ácido hialurônico e colágeno, sendo ideal para a aplicação em cosméticos anti-idade. O princípio ativo acaba de ser lançado em uma feira de cosmetologia em Barcelona, na Espanha, e a expectativa da Beraca é que os primeiros produtos para pele com óleo de pracaxi cheguem ao mercado em dois anos.

O caso do pracaxi ilustra a vastidão do potencial da biodiversidade brasileira para uso das indústrias, especialmente nos segmentos de cosméticos, fármacos e alimentos. A Beraca começou a trilhar esse caminho há 15 anos, após a compra de uma startup em Belém, criada por professores da Universidade Federal do Pará. Desde então, seu negócio tem sido pesquisar plantas nativas dos biomas brasileiros (Amazônia, Cerrado e Caatinga), fomentar relações com as comunidades para a compra das matérias-primas e desenvolver produtos com base nesses ativos.

No portfólio, estão produtos a base de buriti, ucuuba, andiroba, urucum e patauá, todos com certificação orgânica; vendas para mais de 40 países e grandes clientes do segmento de cosméticos, como L'Oreal e The Body Shop. "O uso sustentável da biodiversidade, com inovação e valor agregado, é a alternativa viável para o desenvolvimento de uma economia baseada na floresta em pé. É isso que vai frear o desmatamento em biomas como a Amazônia", diz Ulisses Sabará, presidente da Beraca.

Mas as regras para o uso da biodiversidade brasileira não têm sido fáceis, e muitas empresas desistiram por achar o jogo muito burocrático e sujeito a multas. A expectativa, contudo, é que esse cenário mude: anteontem a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 7.735/2014, que institui o novo marco legal da biodiversidade, com novas regras para o acesso aos recursos genéticos do país. Até então, o tema era regulado pela Medida Provisória 2.186, de 2001, mas os empresários do setor há tempos vinham pleiteando mudanças no marco regulatório.

Entre outras mudanças, a nova lei simplifica os procedimentos para a pesquisa científica e altera as regras sobre a chamada repartição dos benefícios - uma espécie de royalty pago pelas empresas para as comunidades que detêm o conhecimento sobre o uso de determinada planta ou animal. A proposta sugere a criação de um fundo para gerenciar esses recursos e reinvesti-los em projetos de conservação nos biomas de âmbito nacional. A expectativa é que a nova lei "destrave" as pesquisas com a biodiversidade no Brasil, mas movimentos sociais afirmam que o projeto reduz os direitos das comunidades tradicionais e, ao afrouxar as regras na aprovação dos planos de pesquisa, pode induzir à biopirataria.

"Os povos tradicionais, ribeirinhos, indígenas e agricultores familiares não foram consultados na elaboração desse projeto de lei, que possui vários pontos inconstitucionais e atende apenas às demandas das empresas", afirma Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).

Um conjunto de mais de 150 organizações ligadas aos movimentos sociais pediu alterações no projeto de lei e uma reunião com a presidente para expor suas críticas à nova lei, sem sucesso. "Se for aprovado, muitos dos equívocos terão de ser resolvidos nas etapas de regulamentação da lei", diz Guetta.

Para as empresas que já atuam no segmento, a expectativa é que a nova lei torne mais céleres as pesquisas com biodiversidade. "O projeto de lei deverá ter o efeito positivo de impulsionar a inovação, mas é preciso garantir quer os recursos da repartição dos benefícios realmente cheguem às comunidades tradicionais", diz Renata Puchala, gerente de sustentabilidade da Natura.

Uma das empresas pioneiras no uso da biodiversidade amazônica como diferencial competitivo a partir do lançamento da linha Ekos, em 2001, a Natura precisou construir uma política interna voltada à sócio biodiversidade, que hoje é a base de seus processos de inovação.

A mais recente linha de produtos lançada este ano pela empresa tem como ativo a semente da ucuuba, árvore amazônica ameaçada de extinção. Consumiu três anos de pesquisas, além de negociações com dez comunidades para que passassem a coletar as sementes em vez de cortar sua madeira para fabricar artefatos de baixo valor, como vassouras. "A venda das sementes da ucuuba permite que a comunidade tenha renda três vezes maior do que a exploração da madeira", diz Renata.

Valor Econômico, 29/05/2015, Especial, p. G8

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