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Marcados para morrer

CB, Brasil, p.14-16
17 de Fev de 2005

Marcados para morrer
Comissão Pastoral da Terra aponta 157 pessoas que correm o risco de ser assassinadas no país por causa de conflitos agrários. Na lista há 159 nomes. Entre eles, o de Dorothy e o de fiscal do trabalho morto em Unaí

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Cento e cinqüenta e sete pessoas, incluindo uma criança e um adolescente, podem ter o mesmo destino da missionária Dorothy Stang, assassinada por pistoleiros há cinco dias em Anapu, no Pará. Elas estão na lista de ameaçados de morte divulgada ontem pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que vai publicar em abril um relatório sobre os conflitos agrários em todas as regiões brasileiras. A listagem traz 159 nomes, incluindo o da religiosa e do fiscal do trabalho Nelson José da Silva, executado no ano passado em Unaí , cidade mineira a 200 km do Distrito Federal. A data de registro da primeira ameaça sofrida pela freira, segundo o documento, é 9 de janeiro de 2004.

O Pará é a unidade da Federação onde há maior número de ameaçados: 40 pessoas, entre líderes comunitários, posseiros, trabalhadores rurais e religiosos. Em menos de uma semana, houve quatro assassinatos no estado. Durante a entrevista coletiva na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), onde os dados foram divulgados, o presidente da CPT, dom Tomás Balduino, destacou que, dos 1.349 casos de homicídios ocorridos no campo de 1985 a 2004, apenas 76 foram julgados, com 64 executores condenados. "Como teve grande repercussão, inclusive internacional, temos certeza de que o assassinato da Irmã Dorothy será investigado, e os criminosos, punidos. O problema são esses pequenos sindicalistas, trabalhadores e posseiros anônimos, marcados para morrer", disse.

Dom Tomás afirmou que no Pará há um Estado paralelo, chefiado pelo crime organizado, com conivência dos poderes públicos. "Os criminosos são os grandes financiadores das campanhas de governo, pessoas que entram e saem do Planalto quando querem", acusou, sem citar nomes. O presidente da CPT disse que as lideranças católicas que ajudaram a eleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão extremamente decepcionadas com a política econômica, considerada um fracasso pelo bispo.

Quadro desolador
Em nota divulgada ontem e assinada juntamente com dom Tomás Balduino, o bispo da Prelazia do Xingu (PA), dom Erwin Kräutler, acusou a estrutura rural brasileira de provocar mortes como a da missionária. "O testemunho de Irmã Dorothy exige que a reforma agrária se torne, efetivamente, uma ação prioritária do Governo Federal, sem medo de desapropriar o latifúndio e com peso financeiro não inferior ao que é prodigamente dado ao agronegócio", dizem os bispos no texto. Eles acusam o presidente Lula e os governos estaduais e municipais de garantir privilégios a fazendeiros, madeireiros e plantadores de soja, "acobertados pelo discurso da produtividade".

O agronegócio predatório é apontado pelos movimentos católicos de defesa dos direitos humanos como principal desencadeador dos conflitos no campo. Os bispos Tomás Balduíno e Erwin Kräutler também responsabilizam a produção agrícola voltada à exportação pela grilagem (90% das terras de Anapu são públicas) e pela expulsão de trabalhadores da zona rural. Segundo dom Kräutler, 34.850 famílias foram despejadas do campo, em 2004, graças a liminares de reintegração de posse. "O mesmo Poder é extremamente lento para julgar crimes cometidos contra os lavradores", afirma.

O secretário-executivo da CPT, Izidoro Revers, disse que está decepcionado com o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Ontem, em entrevista a uma emissora de rádio, o ministro comentou que o assassinato da Irmã Dorothy poderia ter sido evitado se ela tivesse aceitado proteção policial. "Ele sabe muito bem que a polícia do Pará não inspira nenhuma confiança. As polícias civil e militar do Pará agem como pistoleiros fardados", acusou. Revers também criticou a falta de infra-estrutura oferecida à Polícia Federal na região de Anapu. "Os investigadores nem carro têm, precisam andar na garupa de motoboy por falta de recurso", criticou. "Como esse governo, que não dá uma estrutura mínima de trabalho, vai ter moral para combater o crime do latifúndio?", indaga.

O presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Antônio Ernesto de Salvo, rebateu as declarações de dom Tomás Balduíno, que responsabilizou o agronegócio pela violência no campo. "Dos homens de Deus se espera uma mensagem fraterna, não declarações como essas", comentou o dirigente da CNA. "A violência impera onde o Estado se ausenta, onde o Estado é frouxo. O progresso e a presença do Estado é que acabam com a violência."

Presságio à véspera da morte

Entrevista / Felício Pontes Jr.

Renata Mariz
Da equipe do Correio

Na sexta-feira de manhã, véspera do assassinato de Dorothy Stang, o procurador da República no Pará, Felício Pontes Jr., conversou por telefone com a missionária americana e a alertou para o perigo de ir a assentamento, em Anapu, no dia seguinte. Temia pela segurança da freira, uma ferrenha defensora da reforma agrária na região. "Mas ela disse que estava tudo bem, que não era pessoa de confronto e que os trabalhadores precisavam dela por perto", lembra.

Com a intervenção do Ministério Público nas investigações sobre o assassinato da religiosa, o procurador está em Anapu - município no sul do estado, a 500 quilômetros de Belém - desde o dia do crime para acompanhar o trabalho da polícia. Em entrevista ao Correio, por e-mail, Pontes Jr. criticou a falta de estrutura da Polícia Federal e disse que o governo federal poderá ser processado por omissão, porque foi avisado das ameaças que a freira sofria e não tomou precauções para evitar o assassinato. "Esperamos que isso faça a diferença neste caso, que desta vez não aconteça como nos outros assassinatos de mártires da luta pela terra, que terminaram impunes", disse.

Correio Braziliense - Como foi a conversa por telefone com a irmã Dorothy na véspera do assassinato?

Felício Pontes JR - Foi uma conversa emocionada. Eu estava tenso, porque sabia do risco que ela corria constantemente. Ela disse que estava indo para o lote 55 da Gleba Bacajá, onde na semana anterior havia acontecido um ataque de grileiros aos agricultores. E eu perguntei se havia necessidade de ela ir lá, porque poderia haver confronto. Mas ela disse que estava tudo bem, que ela não era pessoa de confronto e que os trabalhadores precisavam dela por perto. Como sempre fazia, ela falou: "Fique com Deus. Deus está contigo e vai iluminar o teu caminho". Como eu estava indo para Porto de Moz participar da assembléia das comunidades que integram a reserva Verde para Sempre, ela me disse que era isso que eu tinha que fazer, continuar do lado do povo, porque o povo precisava sempre do nosso apoio, falou que nós não poderíamos desistir.

CORREIO - A missionária pediu proteção às autoridades do Estado?

FELÍCIO - Ela não queria proteção pessoal porque não acreditava que fossem matar uma mulher idosa, de 73 anos. O que ela sempre pedia era proteção aos trabalhadores rurais contra as violências que estavam acontecendo em Anapu. Dorothy conhecia muito bem os limites da competência do MPF, mas ela vinha a nós pedir que denunciássemos as violências praticadas em Anapu. Ela dizia que não era ouvida pelas autoridades. Um promotor de justiça chegou a fazer denúncia contra ela, sob a acusação de que ela estaria armando os trabalhadores rurais para um possível confronto. Uma acusação dessas contra uma mulher que andava de ônibus, não tinha nem carro. Ou seja, no lugar da proteção que ela queria para a população de Anapu, ela era perseguida, por isso recorria a nós. Nós enviamos diversos ofícios para as autoridades estaduais e federais tentando uma solução para o problema fundiário e pedindo a instalação do PDS [Projeto do Desenvolvimento Sustentável].

CORREIO - O assassinato poderia ter sido evitado?

FELÍCIO - Se houvesse uma intervenção eficaz do sistema de segurança do Estado contra a violência na região, poderia ter sido sim evitada essa morte. Os trabalhadores acusavam inclusive policiais pelas agressões. Mas isso nunca foi investigado pelo Estado e a impunidade aumenta o clima de insegurança que culminou nessa barbárie. Se tivesse havido a implantação efetiva do PDS, já criado no papel, pelo Incra, a morte covarde da irmã Dorothy teria sido evitada.

CORREIO - O senhor acha que as investigações devem ser federalizadas?

FELÍCIO - Sim. A federalização dos crimes contra os direitos humanos é uma necessidade, já que a União é quem responde a processos por violação dos direitos humanos contra o Brasil nos tribunais internacionais. Por isso há um interesse maior da União em elucidar os crimes, o que significa disponibilidade de recursos para que haja uma apuração eficaz e um julgamento célere.

Parlamentares cobram punição
Deputados e senadores da Comissão Mista da Terra alertaram ao presidente em exercício, José Alencar, que mais mortes podem ocorrer na região onde Dorothy Stang foi executada

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Parlamentares da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra disseram ontem ao presidente em exercício, José Alencar, que mais mortes podem ocorrer a qualquer momento em Anapu (PA). Eles estão preocupados com o que viram e ouviram de líderes comunitários e da população do município durante o enterro da missionária Dorothy Stang, na última terça-feira. Os integrantes da CPMI consideram questão de segurança pública encontrar e julgar os culpados.

Durante audiência com Alencar, o deputado federal Jamil Murad (PCdoB-SP) afirmou que o poder público não pode falhar, independentemente de ação da Polícia Federal (PF), Exército e fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Há seis meses, Murad esteve em Altamira (PA) com membros da CPMI. O deputado chegou a ouvir a irmã Dorothy Stang e outros líderes de Anapu, a 500 quilômetros de Belém, para denunciar a existência de uma relação de pessoas marcadas para morrer. "O crime organizado está executando uma lista anunciada às próprias pessoas ameaçadas de morte", diz. Segundo Murad, apesar da pressão, muitos discípulos da irmã Dorothy garantem que vão continuar a luta.

No fim da missa do velório da irmã Dorothy, as autoridades presentes receberam a informação de que um vereador local, cujo nome não foi citado, teria soltado fogos e tomado pinga para comemorar a morte da missionária. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), presente na cerimônia, ouviu também algumas pessoas. "Chiquinho (Francisco de Assis dos Santos Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu) me disse que na segunda-feira deixaram um bilhete na casa dele, informando que ele seria a próxima vítima". A ousadia mostra como a impunidade desafia o governo.

Sem autoridade
"Quem mata tem total segurança de que não existe autoridade", afirma o senador Sibá Machado (PT-AC), acostumado a conviver com a realidade da região. Sibá Machado morou sete anos em Aruará (PA) antes de se mudar para o Acre, em 1987.

O governador do Acre, Jorge Viana (PT), também esteve na reunião com Alencar. Viana alertou o presidente em exercício sobre a situação agrária em Rondônia, considerada por ele mais grave que a do Pará.

Exército chega ao Pará

Os cerca de dois mil militares deslocados para a região de conflitos no estado do Pará, onde quatro pessoas foram mortas em menos de quatro dias por causa de conflitos de terra, são de tropas do Norte do país. O grupo faz parte do Comando Militar da Amazônia. São homens da 23ª Brigada de Infantaria de Selva, em Marabá (PA), e dos 1o e 2o batalhões de Infantaria de Selva, sediados em Manaus e Belém, respectivamente. Além disso, atuarão na área a Força Aérea Brasileira e o 4o Batalhão de Aviação do Exército.

De acordo com nota divulgada na noite de ontem pela assessoria de Comunicação Social do Exército, a determinação da Presidência da República é garantir a lei e a ordem no estado. Além desse militares, também estão de sobreaviso os pára-quedistas do Rio de Janeiro e a Brigada de Infantaria do Recife. A decisão de enviar as tropas para o Pará foi tomada na noite desta terça-feira pelo presidente em exercício, José Alencar.

Alguns deles chegaram ontem mesmo à região central do Pará. De um avião Hércules da Força Aérea Brasileira, desembarcaram os primeiros 140 homens, que foram alojados no 51o Batalhão de Infantaria de Selva, em Altamira. Eles já estão prontos para atuar. Outras tropas estão sendo deslocadas por terra, de Marabá e Belém. Eles vão ajudar a manter a ordem pública e conter a violência relacionada a conflitos fundiários e à extração ilegal de madeira.

Em reunião realizada ontem, os comandantes militares da Região Amazônica definiram que as tropas atuarão, emergencialmente, em ações ostensivas com a Polícia Federal e as polícias Militar e Civil do estado no desarmamento de fazendeiros, jagunços e agricultores dos projetos de assentamento.

Rastro de sangue

Quem são as pessoas assassinadas entre sábado passado e terça-feira no Pará

Dorothy Mae Stang, 73 anos
A missionária foi assassinada com seis tiros numa estrada de terra de difícil acesso, em Anapu (PA), no sábado, às 7h30. Stang foi abordada por dois homens quando ia a uma reunião com pequenos agricultores. O tiro que matou a missionária atingiu o crânio. A Justiça decretou a prisão de quatro suspeitos: Amair Feijoli da Cunha, Uilquelano de Souza Pinto, José Maria Ferreira e Vitalmiro de Moura, proprietário de um loteamento que a missionária lutava para ser desapropriado. Ele é acusado de ser o mandante do crime. Todos estão foragidos.

Adalberto Xavier Leal, 38 anos
O trabalhador foi morto com 30 balins de espingarda, no sábado, às 23h. Ele foi encontrado no lote do acusado de ser o mandante do assassinato da irmã Dorothy Stang. De acordo com a Polícia Civil, familiares da vítima disseram ter visto oito pessoas e conseguido identificar três. A polícia trabalha com as hipóteses de vingança e queima de arquivo, mas não confirma a relação entre os dois crimes. Os suspeitos ainda estão sendo investigados.

Cláudio Dantas Muniz, 32 anos
O posseiro foi assassinado com dez balins de uma arma de caça (espingarda), na terça, às 10h, numa estrada de terra do Projeto de Assentamento Mandacari, em Pacajá, a 28 quilômetros da sede de Anapu. O primo de Muniz, Luiz Oliveira Silva, afirma que ele se envolveu em um conflito armado em janeiro, deixando feridos o filho e o amigo de um posseiro. Um inquérito havia sido instaurado para apurar o caso. A polícia acredita que o crime tem relação com a briga e suspeita que o posseiro tenha cometido o assassinato. A polícia havia divulgado o nome errado do morto, terça-feira, baseando-se numa carteira de identidade encontrada próxima ao corpo. A informação foi retificada, e a polícia diz que o documento foi colocado no local para prejudicar a apuração.

Soares da Costa Filho, 43 anos
O ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas, a 836 quilômetros de Belém, foi morto com três tiros por dois pistoleiros, numa estrada de terra que dá acesso ao assentamento Carajás, na terça, às 11h. Uma testemunha ouviu os disparos, mas não conseguiu identificar os dois homens, pois eles usavam capacetes. A polícia estuda a hipótese de disputa interna na Associação do Assentamento Carlos Fonseca, do qual era presidente, mas ainda não tem suspeitos. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) do Pará diz que o sindicalista sofria ameaças de grileiros. A família nega à polícia que ele estivesse sendo ameaçado.
Fontes: Polícia Civil, IML de Belém e de Marabá

Suspeito já tinha ficha na polícia
Em janeiro, em Anapu, foram feitas duas denúncias contra Tato, um dos acusados de tramar a morte de Dorothy Stang. Os dois homens que teriam atirado na freira trabalhavam para ele

Eumano Silva
Enviado especial

Anapu (PA) - A Polícia Civil do Pará recebeu este ano duas denúncias contra o principal suspeito do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, morta a tiros numa estrada da zona rural de Anapu, cidade paraense localizada a 500 quilômetros de Belém. No dia 10 de janeiro, a própria vítima apresentou uma queixa de que um homem chamado Anair Fejoli da Cunha, conhecido como Tato, invadira dois lotes de um dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no município. Outra reclamação foi feita quinze dias depois por Luiz Morais de Brito, assentado em um dos terrenos invadidos.

A denúncia de Dorothy ficou registrada na Ficha de Ocorrência no 725799 e se baseou no depoimento de um integrante da Associação Solidária, Econômica e Ecológica Frutas da Amazônia (Asseefa), conhecido como Reginaldo, colocado a serviço do Incra. A missionária soube da invasão no dia 1o de janeiro e confirmou o fato quatro dias depois, quando esteve no local com uma equipe do Incra chefiada por Roberto Kiel para verificar o que estava acontecendo.

Kiel teria comunicado ao invasor que as terras deveriam ser desocupadas porque pertenciam ao Incra e se destinavam ao assentamento de famílias de colonos. Na véspera da queixa da missionária na delegacia, quatro barracos de madeira, cobertos de palha, do assentamento foram queimados.

Nova queixa contra Tato foi feita ao delegado Marcelo Ferreira de Souza no dia 25 de janeiro por Luiz Morais de Brito, assentado em um dos lotes invadidos. O colono contou ter recebido ameaças do acusado. Juntamente com outros homens, Tato teria dado tiros para cima com o objetivo de assustar o autor da denúncia. No dia seguinte, a polícia esteve no assentamento e confirmou a presença de Tato no local.

Levado para depor na delegacia de Anapu, Tato negou ter feito ameaças e apresentou o nome de dois homens como testemunhas. Para reforçar a argumentação, afirmou que não podia ter dado tiros por que não andava armado. Depois do depoimento do acusado, o delegado fez um pedido de busca e apreensão, atendido pelo juiz Lauro Alexandrino Santos no dia 14 de fevereiro, dois dias depois da morte de Dorothy.

As investigações da polícia apontam Tato como capataz e testa-de-ferro de Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido como Bida, ocupante de vastas extensões de terra na região e suspeito de ser mandante do crime. Os dois lotes invadidos ficam no projeto Esperança, situado na Gleba Bacajá. O de número 7 tem 100 hectares. O de número 55, três mil hectares.

Retrato falado
Com base em depoimento de testemunhas, a polícia concluiu que Dorothy foi executada por Eduardo e Raifran, também conhecido por Fogoió. Os dois homens chegaram a Anapu há cerca de dois meses, trabalhavam como capangas de Tato e viviam na área invadida. Na véspera do assassinato, a missionária americana esteve no local para reclamar da invasão e teve uma discussão com os infratores.

Eduardo e Raifran estavam entre os presentes na terra invadida na hora da discussão. Na manhã do dia seguinte, 12 de fevereiro, foram vistos por uma testemunha quando atiravam em Dorothy. Agora são procurados pelas polícias civil e federal como responsáveis pela morte da missionária.

Ontem a polícia fez várias incursões na zona rural de Anapu em busca dos acusados depois de receber informações sobre possíveis esconderijos de Bida. A morte de Dorothy levou dezenas de homens da Polícia Civil e da Polícia Federal para Anapu. Até o meio da tarde, ainda não tinham encontrado o suspeito.

A cidade de cerca de dez mil habitantes vive desde anteontem a expectativa da chegada das tropas do Exército enviadas pelo governo federal com o objetivo de estancar a onda de violência decorrente dos conflitos de terra. Desde sábado, quatro pessoas foram assassinadas no Pará. Os militares foram deslocados dos quartéis de Belém, Manaus e Marabá, município paraense localizado a 350 quilômetros de Anapu.

Abin acredita que dia do crime foi combinado

Matheus Machado
Da Equipe do Correio

A presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Terra do Meio, região oeste do Pará, foi um dos motivos para que a missionária norte-americana Dorothy Stang fosse assassinada no último sábado. Os pistoleiros foram contratados para executar a freira no dia em que estariam reunidos a ministra, o presidente interino do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luiz Fernando Merico, e o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, e cerca de dois mil moradores da região para discutir a implementação da Reserva Extrativista Verde para Sempre. O objetivo da "coincidência" das datas era dar um recado e amedrontar os representantes do governo federal. Essa é uma das conclusões do trabalho de investigação de integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que apuram o caso no Pará.

"O assassinato da missionária no dia em que a ministra visitava o Pará pode ter significado maior do que mera coincidência temporal", cita o relatório preliminar sobre as circunstâncias da morte de irmã Dorothy. "Grileiros e madeireiros clandestinos vêm recorrendo à eliminação física de pessoas que se opõem a seus interesses."

Estopim
De acordo com os agentes, a visita de Marina Silva foi um dos estopins para o acirramento dos conflitos fundiários do estado. "Agropecuaristas, madeireiros e comerciantes ficaram indignados com a visita da ministra para criação da associação de moradores da reserva", traz o documento da Abin.

No mesmo documento, os agentes da Abin relatam que a missionária estava recebendo ameaças de morte havia mais de quatro anos, desde quando começou a reivindicar junto ao Incra a instalação de planos de desenvolvimento sustentáveis na área, tirando dos madeireiros e grileiros parte do poder que detêm na região.

Incra assentará 500 famílias

Os governos federal e do estado do Pará pretendem usar o impacto causado pela morte de Dorothy Stang para implementar a reforma agrária na região da Anapu. O ouvidor-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Gersino José da Silva Filho, enviou para Brasília uma lista de medidas a serem adotadas a partir de agora para assegurar a presença do poder público na cidade. "Estou convencido de que agora nós vamos conseguir executar a reforma agrária na região", afirmou Gersino ontem pela manhã em Anapu.

Cerca de 500 famílias de trabalhadores rurais serão assentadas em Anapu. A intenção é reduzir a tensão fundiária na região. A decisão foi tomada ontem durante reunião na sede do Incra em Belém, da qual participaram representantes do Ibama, Polícia Federal, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Exército e Delegacia Regional do Trabalho. O trabalho começa na próxima segunda-feira, 21, e vai mobilizar cinco equipes de técnicos. A primeira providência será a identificação de propriedades com até 100 hectares, hoje nas mãos de posseiros.

Gersino propôs transformar Anapu em comarca. A medida criará condições para a instalação na cidade de uma unidade avançada do Incra, uma delegacia de conflitos agrários, uma defensoria pública e a presença de um juiz. "Sem essa estrutura, é muito difícil avançar nos projetos", disse Gersino.

Proteção a líderes
O relatório enviado para os ministros responsáveis pelo problema sugere a transformação do posto da Polícia Federal de Altamira em delegacia. Na mesma cidade, deve ser criado um posto da Polícia Rodoviária Federal, inexistente. Gersino recomenda também a realização de uma operação de desarmamento de todos os setores envolvidos nos conflitos de terra.

Gersino foi ontem mesmo a Altamira para participar de uma reunião com representantes dos movimentos sociais da região. No mesmo vôo, seguiu o corpo do agricultor Cláudio Dantas Muniz, conhecido como Mato Grosso, assassinado anteontem. O corpo seria levado a Belém para ser submetido a uma autópsia. O ouvidor-geral do Incra pretende pedir à Polícia Federal segurança para as outras lideranças de Anapu que correm risco de vida neste momento. São eles Gabriel Nascimento, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais; Francisco de Assis Santos Souza, presidente da entidade; e padre Amaro Lopes de Souza, pároco da cidade. (ES)

CB, 17/02/2005, Brasil, p.14-16

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