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Mapa de como se faz para perder o tesouro

OESP, Vida, p. A24
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
22 de Jun de 2006

Mapa de como se faz para perder o tesouro

Marcos Sá Correa

Pressão Humana na Floresta Amazônica Brasileira é remédio amargo. Ruim para quem o engole. Pior para quem se recusa a engoli-lo. Resume em termos técnicos e muitos gráficos como os brasileiros estão perdendo a Amazônia. Leva a assinatura de seis pesquisadores e o selo de duas ONGs internacionais, o World Resources Institute e a Global Forest Watch, mas tem o sotaque do Imazon, o rigoroso e infatigável banco de dados regionais que funciona em Belém do Pará. Tem números de sobra para todos os desgostos. E até os dados que já passaram pelos jornais parecem mais graves assim, reunidos em suas 84 páginas de papel reciclado.

É dos 4,1 milhões de km2 da Amazônia que os brasileiros extraem os recordes anuais que lhes garantem o primeiro lugar no campeonato mundial do desmatamento, com cerca de 42% das árvores derrubadas em todo o planeta. Nesse campo, sem foguetório, estamos mais perto do hexa do que imaginamos.

A prática já desmentiu há tempos o mito da floresta impenetrável. Pelo menos 47% da Amazônia tem marcas de "pressão humana, visíveis da órbita da Terra para satélites de monitoramento". Podem ser sinais de presença "consolidada", nos 19% ocupados por cidades, indústrias ou fazendas. Ou "incipiente", nos 28% de clareiras abertas por madeireiras, garimpos ou pelas queimadas de lavouras rudimentares. Mas são o aviso de que metade já foi, levada pelo esforço de ocupação que gerou mais atraso que progresso.

Na Amazônia, como na Colônia, o Brasil ainda é conquistado pela pata do boi. A população urbana forma pequenas manchas no mapa. Somando-as, contando inclusive depósitos de lixo e emissão de esgoto sem tratamento num raio de 20 km em torno das sedes de todos os 450 municípios amazônicos, seu alcance mal passa dos 6%. É só 1% maior que o conjunto de assentamentos da reforma agrária. Mas o rebanho bovino quase triplicou na Amazônia Legal desde o começo da década passada. Ultrapassa hoje 64 milhões de cabeças. São 3,2 bois por pessoa.

Onde há focos de incêndio florestal fica difícil achar inocentes. A maior parte das queimadas concentra-se ao redor dos lugares povoados. Mas "o terço restante está em locais mais isolados", na vizinhança de "comunidades caboclas tradicionais ou populações indígenas". E nestes pontos as florestas ainda de pé sofrem "pressões menos intensivas, como a caça, a coleta de produtos florestais não madeireiros e a exploração seletiva de madeira". A reforma agrária vai alargando as frentes de desmatamento ao ritmo de 52.500 famílias por ano. Elas ganham lotes de 50 a 100 hectares, cestas básicas, crédito agrícola e dinheiro para levantar uma casa, mas nada é tão garantido quanto a primeira safra, que vem a ser a própria floresta, pronta para colher. Após o esgotamento dos recursos madeireiros, segundo o dossiê, suas receitas tendem a ser relativamente baixas. E, sem madeira para cortar, muitos assentados saem em busca de novas frentes de colonização. No Pará, estima-se que 50% a 60% dos lotes foram ilegalmente vendidos.

A ausência de governo, qualquer governo, é tamanha, que quase 30% das florestas oficialmente protegidas estão sob pressão humana. Há derrubadas em reservas extrativistas e territórios indígenas. As dentadas na vegetação chegam a 19% em unidades de conservação integral e a 37% em reservas militares. Graças ao mapeamento do Imazon, sabe-se que a região está cada vez mais picotada por estradas clandestinas, feitas no peito e na raça por madeireiros, fazendeiros e mineradores. Elas servem, antes de mais nada, "para a extração temporária de recursos de alto valor, como mogno e ouro". Só no Pará, atingem 17 mil quilômetros, a maior parte cortando terras públicas, que cobrem 47% da Amazônia, mas são tratadas como terras de ninguém. Quer dizer, têm "situação fundiária incerta".

Sem deter sequer o avanço dessas rotas de pirataria, as autoridades federais, estaduais e municipais não podem nem fingir que controlam o saque da madeira nativa. O resto, como se sabe, vem atrás.

Marcos Sá Correa, Jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 22/06/2006, Vida, p. A24

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