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A mancha de São Conrado

O Globo, Panorama Carioca, p. 14
Autor: HELAL FILHO, William
25 de Abr de 2015

A mancha de São Conrado

William Helal Filho
william@oglobo.com.br

Pneus velhos, garrafas plásticas, animais mortos e até seringas usadas. Todo esse lixo, e muito mais, pode ser encontrado no canto esquerdo da Praia de São Conrado quase que diariamente, antes de ser removido pela Comlurb logo nas primeiras horas da manhã. A sujeirada chega até lá rebocada por cascatas de esgoto que caem na água do mar, sem qualquer tratamento, a partir de uma tubulação no costão da Avenida Niemeyer. O problema, crônico, vem se agravando nitidamente, fazendo o cheiro ruim se perpetuar na borda do bairro e manchando um dos cenários mais bonitos da cidade, com a Pedra da Gávea de pano de fundo.
Há pouco mais de um ano, escrevi uma coluna sobre esse mesmo problema. Só que, de lá para cá, o quadro piorou. A cachoeira de esgoto se tornou mais frequente. O lixo sólido fica retido na estação de tratamento de esgoto da Rocinha até ser despejado pela tubulação do costão, quase sempre durante a madrugada, segundo a ONG Salvemos São Conrado, que diariamente publica no Facebook um vídeo para informar seus mais de 17 mil seguidores sobre a qualidade das ondas e advertir quanto à sujeira. Com o tempo, muitos surfistas assíduos vêm desistindo do local. "Quem mora aqui e não tem outra alternativa continua surfando, mas muitos desenvolvem problemas de pele ou passam mal por causa da água suja", conta Fabrini Tapajós, um dos responsáveis pela ONG.
No último dia 17, quando mais uma mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas ganhava destaque no noticiário, o cantor Gabriel, o Pensador pediu atenção ao canto esquerdo da Praia de São Conrado publicando uma foto de uma mancha escura de esgoto "engolindo" o verde do mar, acompanhada do seguinte texto: "Que revolta eu sinto com a poluição do Cantão. É um absurdo. Deixam isso acontecer há anos porque quem frequenta essa praia são os moradores da favela. Se fosse Barra ou Ipanema não estaria assim há tantos anos sem solução e PIORANDO! Por favor, compartilhem e marquem as autoridades (in)competentes", escreveu o músico, surfista nas horas vagas e morador antigo do bairro.
O debate ganha força em meio a rumores de que a etapa brasileira do Circuito Mundial de Surfe, que começa dia 8 de maio, pode ter São Conrado como alternativa se a formação e o tamanho das ondas no local principal do evento, na Barra da Tijuca, não estiverem satisfatórios. A informação, porém, não foi confirmada oficialmente. No ano passado, essa hipótese foi realmente cogitada pelos organizadores, mas descartada pouco tempo depois, devido à poluição e às obras que estão sendo feitas para tentar resolver o problema. "Há anos a gente cobra uma solução das autoridades. O grande problema é o esgoto da Rocinha, que não recebe qualquer tratamento", diz o presidente da Associação de Moradores e Amigos de São Conrado (Amasco), José Britz.
A praia do bairro é uma das incluídas no projeto Sena Limpa, programa de despoluição com investimentos da ordem de R$ 150 milhões, fruto de uma parceria entre prefeitura e governo estadual. Mas os trabalhos estão bastante atrasados. A obra no bairro deveria ter sido entregue no segundo semestre do ano passado, mas o prazo foi prorrogado e, agora, a previsão é terminar tudo no primeiro trimestre de 2016.
O projeto consiste na implantação de 615 metros de tubos coletores auxiliares com 250mm de diâmetro, "ampliando dessa forma o sistema de esgotamento sanitário da comunidade do Vidigal", segundo um comunicado da Cedae. A companhia estadual avisa ainda que os trabalhos substituirão e ampliarão duas linhas na Avenida Niemeyer que bombeiam o esgoto da estação elevatória de São Conrado para a do Leblon. Essas linhas "são antigas e sofreram desgaste por conta da maresia". A Cedae promete ainda ampliar e modernizar a elevatória, que enviará o esgoto ao Leblon. De lá, os detritos seguirão para o emissário de Ipanema. Tudo isso faz parte do conjunto de compromissos assumidos com o Comitê Olímpico Internacional (COI) para os Jogos de 2016, no Rio.
Sentado junto a um quiosque, um engenheiro aposentado que prefere não se identificar conta que caminha todas as manhãs no calçadão de São Conrado, mas nunca mergulha. "A vista é linda, mas o mar é muito poluído. Mesmo no verão, prefiro tomar uma chuveirada quando chego em casa", diz. "Talvez, quem sabe, quando a obra ficar pronta".

O Globo, 25/04/2015, Panorama Carioca, p. 14

http://oglobo.globo.com/rio/a-mancha-de-sao-conrado-15972637

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